Sobre as manifestações de junho afirma: 'Assustaram
os donos do poder, e isso foi ótimo'
RICARDO MENDONÇA – da Folha de São Paulo
O sociólogo Francisco Oliveira (foto: Fábio Praga/Folhapress) |
Socialista inveterado, acadêmico prestigiado,
parceiro rompido de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o
sociólogo Francisco de Oliveira completou 80 anos quinta-feira passada (dia 7)
sem demonstrar qualquer sinal de afrouxamento da energia crítica. Em entrevista
realizada no seu apartamento no bairro da Lapa, em São Paulo, ele falou com
entusiasmo dos protestos de junho ("a sociedade mostrou que é capaz ainda
de se revoltar") e, sem rodeios, criticou as principais figuras do atual
cenário político. A presidente Dilma Rousseff é uma "personagem
trágica" que deu uma "resposta idiota" às manifestações. Lula
"está fazendo um serviço sujo" ao atuar como apaziguador de tensões
sociais. Marina Silva é uma "freira trotiskista" adepta de um "ambientalismo
démodé". O Bolsa Família, "uma declaração de fracasso". E por aí
vai. O sociólogo não tem receio de expor suas ideias
"revolucionárias". Uma delas é separar o Brasil como forma de
resolver a questão indígena: "Há um Estado indígena [...] Ninguém tem
coragem de dizer isso. Então todo mundo quer integrar", afirma.
Folha - Oitenta anos. Que tal?
Chico de Oliveira - Oscar Niemeyer disse
que a velhice é uma merda. Eu não sou tão radical. Mas ela não tem essas
bondades que geralmente se diz. A história de que o sujeito ganha em sabedoria
é uma farsa. Não é bom envelhecer.
O senhor está bem, está lendo, fazendo
críticas.
Só aparentemente. Eu tomo dez remédios
por dia. Entre insulina para diabetes, remédio para hipertensão... Não é nada
bom. As pessoas sábias deveriam morrer cedo (risos).
Antigamente era assim. Esse negócio de
longevidade é uma novidade, né?
É, a longevidade é uma coisa recente
mesmo. Não é façanha sua. É da economia, basicamente. É a economia que te leva
até os 80 anos. São as condições de vida que mudam, você não precisa de
trabalho pesado. Quem condiciona tudo é o trabalho. E, evidentemente, gente da
minha classe social está apta a aproveitar essas benesses do desenvolvimento
capitalista. Mas pessoalmente não é agradável. Só que não existe solução. Você
vai se matar para poder não cumprir os desígnios de sua classe social?
O senhor se surpreende aos 80. Em junho,
milhares de brasileiros foram às ruas protestar. E o senhor disse que era tudo
inédito e surpreendente. Na sua avaliação, qual é o saldo?
É bom não fazer uma cobrança positivista
do tipo "o que é que deu aquilo?". Deu algum resultado, a tarifa de
ônibus baixou. Mas deu uma coisa ótima. O ótimo é que a sociedade mostrou que é
capaz ainda de se revoltar, é capaz de ir para a rua. Isso é ótimo. Não precisa
resultados palpáveis. O que é bom em si mesmo foi o fato de a população, alguns
setores sociais, se manifestarem. Assustarem os donos do poder, e isso foi
ótimo. Isso é que é importante. Esse objetivo foi cumprido. Eu falava que era
inédito porque a sociedade brasileira é muito pacata. A violência é só pessoal,
privada, o que é um horror. Quando vai para a violência pública, as coisas
melhoram. Esse é o resultado que nos interessa: um estado de ânimo da população
que assuste os donos do poder.
Assustou mesmo?
Assustou. Porque era uma coisa realmente
inédita, com setores sociais que geralmente dizem que são conformistas, parte
da juventude. Esse tipo de manifestação mostrou que não é assim. Isso é bom
para a sociedade. Não é bom para os donos do poder. Mas são eles, exatamente,
que a gente deve assustar. Se puder, mais do que assustar, derrubá-los do
poder. Não acho que essas manifestações tenham esse caráter, essa forma. Mas
regozijo-me porque foi manifestado o não conformismo.
O senhor disse que sociedade brasileira
é muito pacata. Por que tem essa característica e qual é a melhor explicação?
É um complexo de fatores, não é fácil
definir. Quem fala sobre isso geralmente aponta as raízes escravistas. Uma
sociedade que não faz muito tempo, faz 100 anos, libertou-se do escravismo.
Isso deu lugar a uma sociedade que apanha, mas não reage. Quem melhor estudou
isso foi Gilberto Freyre. Ele estudou isso, do ponto de vista saudosista, mas é
quem mais foi fundo nessa espécie de conformismo na sociedade. Embora a
interpretação de Sérgio Buarque [de Holanda] também seja boa, a sociedade que
se conforma. Para ele, é o homem cordial. Gilberto tem outro
"approach", ele vai para a cultura. Cultura não no sentido de quem carrega
livro, mas na forma pela qual a sociedade se construiu e se reconhece nela. É
basicamente a ideia da casa grande. A casa grande é uma formação conformista.
Tem uma violência que explode a cada momento. E tem um senhor de escravo que é
compadre de escravo. É uma formação muito complexa. Muito interessante para um
sociólogo estudar, mas muito pesada para quem sofre os efeitos dessa cultura
brasileira. Que não é a portuguesa exatamente, não é a indígena. É um mix de
várias fontes. Não tivemos nenhuma grande revolução violenta. A que o Brasil
comemora sempre, que é a de 1930, não teve nada de especialmente violenta. Teve
os gaúchos saindo do sul, [Getulio] Vargas a frente. Na verdade enfrentaram uns
paulistas aí, mas terminou tudo em pizza (risos). Isso marca muito a sociedade
brasileira. Esse conformismo que só explode em violência privada, o sujeito que
morre de facada. Você liga a televisão e vê: todo dia tem uma tragédia dessa.
Se sempre foi assim, o que desencadeou
em junho?
Não foi sempre assim, claro. Isso é o
meu jeito de falar. Havia violência, muita violência, mas não era uma violência
que se tornava pública porque era uma violência de escravos e isso sempre foi
abafado. Hoje é uma sociedade urbana, extremamente violenta e que só explode em
violência privada. Sobre violência pública, não temos muito o que contar. Nesse
quesito, o Brasil perde de longe para qualquer outra revolução. A revolução
mexicana, por exemplo, foi uma coisa espantosa. Espantou o mundo tudo. No
Brasil, não. A cubana também.
Bom, da cubana tem gente com medo até
hoje por aqui.
Ah, é (risos). Fidel, que não teve jeito
de prosseguir com aquela revolução, está aí. Está envelhecendo à sombra dela.
Mas o Brasil é isso. Não dá para lamentar propriamente. Ninguém ama a
violência. Mas isso influi muito no caráter, na formação da sociedade. Eu não
tenho mais, mas toda casa brasileira tem uma empregada doméstica. A empregada
doméstica é um ser em definição. Ela não é pública nem privada. Algum progresso
se deu pelo fato de que elas agora pedem carteira assinada. Isso parece nada,
mas é muita coisa. Mas, em geral, isso leva a uma situação acomodatícia, uma
relação de compadre com a comadre. Isso molda a sociedade em geral.
Está na arquitetura brasileira, o quarto
de empregada na lavanderia. Existe algo assim em algum outro país?
Não tenho notícia de nenhum outro lugar.
Isso [o quarto de empregada] tem um nome científico: edícula (risos). Temos
quarto para empregada, né? É realmente fantástico... Nas sociedades que eu
conheço, não é assim. Na Europa pode ter tido um período, mas hoje não existe.
Nos Estados Unidos, tão pouco. O Brasil é muito especial. Criou uma forma de
convivência, um processo com muita força que se reproduz mesmo nas sociedades
urbanas.
O senhor acha que os governantes ficaram
com medo de verdade?
Não. Ainda não. Mas deu um susto. Teve.
Os jornais repercutiram de forma bastante conservadora, né? Mas deu um susto.
Aí a presidente Dilma Rousseff lançou na
sequência aquela ideia de Assembleia Constituinte para a reforma política. O
que achou da resposta?
Eu achei idiota. Não gostaria de fazer
uma avaliação precipitada do governo Dilma para não dar força à direita que
está em cima dela o tempo todo. Mas é uma resposta idiota. Ninguém resolve o
problema assim com reforma da Constituição. Ela seria importante para
encaminhar os novos conflitos. A Constituição deveria ser o que molda as
relações no Brasil. Não é. Ninguém dá bola para a Constituição.
O que teria sido uma resposta adequada?
Seria reconhecer que o país está
atravessando uma zona de extrema turbulência devido ao crescimento econômico.
Não é que o caráter do povo é violento. Isso é uma bobagem. Não é que uma
reforma política vai resolver os problemas da violência pública. Isso é outra
bobagem. Ela teria que reconhecer o Brasil está atravessando um período de
extrema turbulência porque o crescimento econômico é que cria a turbulência,
não é o contrário. Todo mundo pensa que o crescimento apazigua. Não é verdade.
O crescimento exalta forças que não existiam, o capitalismo é um sistema
econômico violentíssimo. Os EUA, que são o paradigma do capitalismo, são uma
sociedade extremamente violenta, tanto pública quanto privada. O Brasil vive
uma espécie de adormecimento devido a essa cultura que eu estava comentando. De
repente, o tipo de crescimento econômico violento e tenso em pouco tempo quebra
todas as amarras, e a violência vai para rua.
Mas a presidente Dilma é criticada pelo
baixo crescimento, é criticada porque o país não cresce.
Não é verdade. O país está crescendo de
forma violentíssima nos últimos 20 anos. Numa perspectiva mais de longo prazo,
desde Fernando Henrique, passando por Lula e agora Dilma. Além de quê é um
crescimento econômico diferenciado. Não dá mais para crescer no campo. Agora o
crescimento é na cidade. E na cidade gera relações público-privadas diferentes.
Se o Estado não tem políticas para tal, é melhor ficar calado do que dizer
besteira. Reforma da Constituição. E daí? O que a reforma da Constituição faz?
Para o que passou, não tem efeito nenhum.
Parte das manifestações dizem muito
respeito às polícias estaduais. O que o senhor acho do papel dos governadores?
Esse [Geraldo] Alckmin é uma coisa...
Todo mundo pensa que o crescimento econômico influi na política de forma
positiva. Isso é uma ilusão. O Alckmin é bem o representante dessa política. Um
ser anódino. Já chamaram ele de picolé de chuchu. O José Simão [inventor do
apelido] talvez seja o melhor sociólogo brasileiro. Ele de fato não desperta
paixões nem ódio. Em geral é assim. Não tem nenhum governador que inspire
empolgação, esperança de que um dia desse casulo nasça uma espécie de borboleta
bonita. Nenhum deles. Mesmo o Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, que é um tipo
mais educado. Vai para o governo e se amolda. O Alckmin: pelo jeito a população
aprova esse estilo anódino, que não diz nada com nada. Isso é ruim, viu? Ruim
porque é o Estado mais importante da Federação, o que poderia dar uma
chacoalhada nesse sistema. Mas não dá. E tudo muito conformado. E a imprensa
tem um papel horroroso: o que for conformismo, ela exalta; o que for rebeldia,
ela condena. Daí que o viés conservador no olhar sobre essas manifestações é a
tônica. Ninguém vê nisso um processo de libertação da sociedade. Todo mundo
quer a passividade. Eu saúdo essas manifestações como uma amostra de que a
sociedade pode e deve manifestar-se sempre que as condições de sua existência
sejam tão iníquas como são hoje.
Que avaliação o senhor faz do movimento
"black bloc"?
Faço uma boa avaliação. Se eles se
constituem como novos sujeitos da ação social, é para saudar. Vamos ver se, com
a ajuda deles, a gente chacoalha essa sociedade que é conformista. Parece que
tudo no Brasil vai bem. Não é verdade. Vai tudo mal. Porque o Estado não age no
sentido de antecipar-se à sociedade que está mudando rapidamente. Você tem uma
sociedade como a brasileira em que a questão operária tornou-se central. E aí
vem o Lula e ele está fazendo um trabalho sujo, que é aquietar aquilo que é
revolta. Essa sociedade não aguenta esse tranco.
Trabalho sujo?
Ah, tá. A questão operária tem a
capacidade de transformar o Brasil e ele está acomodando. De certa forma, está
matando a rebeldia que é intrínseca a esse movimento. Rebeldia não quer dizer
violência, sair para a rua para quebrar coisa. Rebeldia é um comportamento
crítico.
Onde o senhor vê isso no Lula?
Em tudo. Lula é um conservador, ele
nunca quis ser personagem desse movimento [operário]. Ele foi contra a vontade
dele. Mas ele, no fundo, é um conservador. Ele age como. Na Presidência, atuou
como conservador. Pôs Dilma como uma expressão conservadora. Porque você não
vende uma personalidade pública como gerente. Gerente é o antípoda da rebeldia.
Ele vendeu a Dilma como gerente. Uma gerentona que sabe administrar. É péssimo.
O Brasil não precisa de gerentes. Precisa de políticos que tenham capacidade de
expressar essa transformação e dar um passo a frente. Ele empurrou a Dilma
goela abaixo. Não se pode nem ter uma avaliação mais séria dela, pois ele não
deixa ela governar. Atrapalha ela, se mete, inventa que ele é o interlocutor.
Aí não dá. E ela não pode nem reclamar. É uma cria dele, né?
O sociólogo português Boaventura de
Sousa Santos disse que Dilma tem insensibilidade social. Citou problemas com
movimentos sociais, indígenas, camponeses, meio ambiente. O senhor concorda?
Eu não diria com essa ênfase. O
Boaventura, eu conheço bem, um sociólogo importante. Essa ênfase na questão
camponesa... O Brasil não tem camponês. Isso é um equívoco teórico que vem do
fato de a gente analisar o desenvolvimento capitalista brasileiro nos moldes
europeus. Não é assim. Aqui nunca teve campesinato, nem terá. Porque,
basicamente, aqui teve uma propriedade extremamente concentrada do escravismo.
Isso se projetou depois numa economia capitalista. O que tem é uma questão
urbana grave, pesada, que é preciso resolver. Não tem questão camponesa, isso é
uma celebração do passado.
Mas problema indígena tem.
Indígena é um problema. Porque a
sociedade só sabe tratar indígena absorvendo e descaracterizando. Para tratar
dessa questão é preciso, na verdade, de uma revolução de alto nível. Qual é
essa revolução de alto nível? É reconhecer que há um Estado indígena.
Estado indígena?
É. A real solução. Há um Estado
indígena. E o Estado capitalista no Brasil não pode tratar essa questão, não
sabe tratar essa questão. Ele só sabe tratar indígena atropelando, matando,
trazendo para dentro da chamada civilização. Os irmãos Vilas-Boas são os
arautos dessa solução. Eles são ótimos, mas a visão deles estava equivocada. A
real solução é de uma gravidade que a gente nem pode propor. Trata-se de um
Estado indígena. Separa. Separa. E nada de integrar. Deixa. Ajuda até eles a
proporem suas próprias... Ninguém tem coragem de dizer isso no Brasil. Então
todo mundo quer integrar. Para integrar, você machuca, você mata, você dissolve
as formações indígenas. Já a questão camponesa é falsa. O que existe é um
assalariado agrícola pesado que sofre os efeitos de um desenvolvimento
acelerado. O Estado do Mato Grosso era uma reserva antigamente. Hoje você passa
lá e só não tem mato. É grosso, mas sem mato.
E o tema do meio ambiente? Sensibiliza o
senhor?
Eu não acredito que o meio ambiente seja
uma forma de fazer política. A Marina Silva está aí lançada. Ela não tem nada a
dizer sobre o capitalismo? Será? Será que a política ambiental é ruim? Ou é o
capitalismo que é ruim? Ela não diz nada disso. Então, para mim a Marina Silva
é uma freira trotskista (risos). Cheia de revolução sem botar o pé no chão. Ela
juntou com o Eduardo Campos, uma jogada política importante. Mas nenhum deles tem
proposta nenhuma. A Marina fica com esse ambientalismo démodé, não diz o que
quer. Criticar a política de meio ambiente é fácil. Quero ver ela criticar o
sistema capitalista nas formas em que ele está se reproduzindo no Brasil. Aí é
botar o dedo na ferida. Mas ambientalismo...
O senhor disse que a política da Dilma é
conservadora. O senhor diria que ela é de direita?
Não, não diria. Ela é um personagem
difícil, coitada. Ela é uma personagem trágica. Porque ela não pode fazer o que
ela se proporia a fazer. Ela tem uma história revolucionária. Mas ela não pode
fazer isso porque ela está lá porque Lula a colocou. E Lula não é um
revolucionário. Ao contrário, ele é um antirrevolucionário. Ele não quer
soluções de transformação, ele quer soluções de apaziguamento. E ela está lá
para fazer isso. Ela seria mais para o outro lado. Mas não teria força política
para isso. Nem existe força social revolucionária. É preciso a gente combater
os nossos próprios mitos. Então Dilma está sendo empurrada para a direita. Pelo
Lula. Talvez, se as opções estivessem em suas mãos, Dilma faria uma política
mais de esquerda no sentido amplo. Mas ela não foi eleita para isso. Nem tem
força social capaz de impor essa mudança. A tragédia brasileira de hoje é que o
Brasil precisa de uma revolução social, mas não tem forças revolucionárias. O
campesinato não existe. O operariado não é revolucionário, é sócio do êxito
capitalista no Brasil. Os principais fundos de pensão são todos eles, entre
aspas, de propriedade dos trabalhadores. E todos eles atuam nas grandes
empresas capitalistas. A burguesia nunca foi revolucionária. Florestan
Fernandes deu xeque-mate quando tratou da revolução burguesa no Brasil. É o
melhor livro de Florestan.
O que o senhor espera da eleição do ano
que vem?
Mais do mesmo. Com nomes diferentes.
Ninguém tem capital político para fazer diferente. Além do que, como dizia Telê
Santana, em time que está ganhando não se mexe. Eles estão ganhando. Para fazer
o projeto de país e sociedade que eles pensam, eles estão ganhando. Nós estamos
perdendo. A esquerda está perdendo. Perdendo suas referências e sua força na
sociedade. Então, do ponto de vista deles, eles estão ganhando.
E o que a esquerda pode fazer?
Nada. O Aécio Neves não disse a que
veio. E não tem proposta nenhuma, na verdade. A dupla Marina-Campos também não
tem proposta nenhuma. O ambientalismo... O que é exatamente? Nem ela diz, nem
ela sabe. Ela sabe é ficar nesse floreio, que não resolve coisa nenhuma. A
Dilma é o que você está vendo. Ela não faz política porque tem de fazer o
projeto do Lula. E o projeto do Lula é isso, é conservador. Então é mais do
mesmo. A resultante de tudo será um governo muito parecido com o atual: o pouco
de virtude que esse governo tem e a carga de irresoluções que ele reproduz.
O que é o pouco de virtude?
O pouco de virtude é, talvez, dar um
pouco mais de atenção à área social. Que eu não gosto, para falar a verdade,
porque é um conformar-se em não resolver. O Bolsa Família é uma declaração de
fracasso. Não é uma declaração de vitória. Para não morrer de fome, a gente vai
dar uma comidinha. Eu não gosto disso. Eu sou socialista há 50 anos. Para mim,
a gente tem de mudar. E mudar não é necessariamente por revolução violenta,
pois está um pouco fora de moda. Mudar fundo. O Estado brasileiro é detentor
das principais empresas capitalistas do país. Não são empresas de fazer favor.
A Petrobras não faz favor a ninguém. Agora mesmo que a questão dela está
repercutindo muito na imprensa, ela pode dizer "eu não estou aqui para
fazer favor". Mas se puder fazer capitalismo e distribuir melhor a renda,
essa é a tarefa dela. O Estado brasileiro é muito forte, ao contrário do que se
passa na maioria dos países. O Estado nos EUA não é forte. Nem na Europa é
mais. Foi [forte] na grande virada social-democrata, mas não é mais. No Brasil
ainda é. Portanto é aproveitar isso e fazer uma transformação que vá na direção
dos interesses populares. O Bolsa Família não é solução. Ele é uma espécie de
conformismo: deixa como está para ver como fica; dá um pouquinho de comida para
isso não virar revolta. Eu não gosto desse tipo de política. Acho o Bolsa
Família uma política conservadora que atende uma dimensão da miséria popular,
mas não tem promessa de transformação.