A saga da construção do estádio
mais caro da Copa do Mundo. O Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é um exemplo
de como as obras públicas no Brasil são delirantes, demoradas e absurdamente
caras.
FLÁVIA TAVARES – da revista ÉPOCA
NÚMEROS
O estádio Mané Garrincha, em Brasília, na semana passada. Ele será inaugurado
com cinco meses de atraso – e com o dobro do custo previsto no orçamento
(Foto: Celso Junior/ÉPOCA)
|
Leia abaixo um trecho da
reportagem sobre o Estádio Mané Garrincha:
CAPÍTULO 1
O projeto
Em dezembro de 2006, o arquiteto
Eduardo de Castro Mello descobriu pela TV que o Brasil seria candidato à sede
da Copa de 2014. “A candidatura do Brasil é legítima e tem o apoio de todas as
Federações da América do Sul”, disse Ricardo Teixeira, então presidente da
Confederação Brasileira de Futebol, a CBF. “O presidente Lula já deu repetidas
vezes prova de que será um agente fundamental para a realização da Copa do
Mundo. E a iniciativa privada dará a resposta, que, tenho certeza, será
positiva.” O plano inicial de Teixeira, como vendido ao público, desenhava o
melhor dos mundos para o Brasil: o país, se escolhido sede da Copa, receberia
um dos maiores eventos esportivos do planeta – e não pagaria nada por isso.
“Não vai ter dinheiro público”, disse Teixeira.
Dias depois, Castro Mello ligou
para o recém-eleito governador do Distrito Federal e companheiro de outras
empreitadas, José Roberto Arruda. Eles se conheciam desde a construção do
antigo Estádio Mané Garrincha, nos tempos em que Arruda era fiscal da Novacap,
a empresa de obras do governo de Brasília. “José Roberto, é hora de retomarmos
o projeto do estádio, que está parado no tempo”, disse Castro Mello. O Mané
Garrincha nascera da megalomania do regime militar. As obras do “Brasil Grande”
do general Emílio Garrastazu Médici, então presidente do país e um apaixonado
por futebol, erguiam-se em Brasília também. O Mané Garrincha, um estádio
olímpico para 140 mil pessoas, viria a integrar o complexo esportivo Médici, no
centro de Brasília, que incluiria ainda um ginásio e um autódromo. Todas obras
superlativas, pagas com dinheiro público – e para lá de questionáveis em termos
estéticos, financeiros ou urbanísticos. O projeto do estádio coube ao
escritório da família de Castro Mello, cujo pai, Ícaro, tinha experiência na
construção de estádios em São Paulo. Em 1974, após um ano de obras aceleradas,
o estádio foi inaugurado às pressas. Somente uma parte do anel superior ficara
pronta. Isso conferia ao estádio um aspecto banguela – daí a observação de
Castro Mello de que o Mané estava “parado no tempo”.
Capa de ÉPOCA desta semana, edição 781
(Foto: Montagem sobre foto Shutterstock)
|
O tempo voltou a andar para o
Mané no começo de janeiro de 2007, quando Arruda recebeu, em seu gabinete no
Palácio do Buriti, o arquiteto Castro Mello. Do Buriti, Arruda e Castro Mello
avistavam, pela janela, a silhueta do inacabado Mané, a menos de 1 quilômetro.
“Apresentei um pré-estudo, e, depois de 20 minutos de reunião, ele anunciou que
Brasília seria a sede da Copa, e eu o autor do novo Mané Garrincha”, disse Castro
Mello numa tarde de março deste ano, ao lado do filho, Vicente, também
arquiteto, terceira geração da família a desenhar o Mané. Eles estavam numa
sala de reuniões no pequeno prédio que abriga a administração do novo Mané,
rebatizado mais uma vez. (De Estádio Hélio Prates da Silveira, passara a se
chamar Mané Garrincha em 1983, logo após a morte do jogador.) Agora, passaria a
se chamar Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. Na antessala, acarpetada
de verde-grama do chão ao teto, uma maquete de 4 metros quadrados materializava
o projeto do novo estádio. Um vídeo institucional repetia na tela LCD os
números grandiosos da obra. Faltava um número especial: R$ 1,5 bilhão – o
custo, até aquele momento, do estádio mais caro da Copa (o orçamento inicial era
de aproximadamente R$ 697 milhões). “Não interessa se é o mais caro, é o
melhor”, disse Castro Mello. Ele assegurava que o novo Mané “colocará Brasília
no mapa”. “Tem de quebrar o ovo para fazer a omelete.” Atrás da sala onde
perorava, erguia-se, quase pronta, a colossal omelete de 1 quilômetro de
diâmetro, cercada por 288 pilares de 36 metros de altura.
Qualquer aspecto do estádio
envolve números hiperbólicos. Em sua construção, trabalharam cerca de 6 mil
pessoas. Empregaram-se 177.000 metros cúbicos de concreto na obra – mais do que
nas Petronas Towers, as torres gêmeas de Kuala Lumpur, na Indonésia, que estão
entre os prédios mais altos do mundo. A cobertura é um espetáculo de
tecnologia: 9.100 placas captam energia solar para transformá-la em 2,4 megawatts
de energia, suficientes para abastecer o estádio e mais 2 mil casas da cidade.
Haverá 8.420 vagas de estacionamento, 22 elevadores, 50 rampas e 12 vestiários.
Naquele momento, em março, a
omelete já estava bem atrasada. Tudo atrasou na construção do Mané, como
atrasou, ressalte-se, nos demais estádios da Copa. A licitação atrasou. O
início das obras atrasou. O estádio deveria ficar pronto em dezembro do ano
passado. Não ficou. O novo prazo da Fifa encerrava-se em abril. O governador de
Brasília, Agnelo Queiroz, marcou a inauguração para o aniversário da capital,
em 21 de abril. Parecia um prazo impossível de cumprir. Chove muito em Brasília
nesse período. Agnelo desafiou as previsões pessimistas – e perdeu. Seis dias
antes do prazo, Agnelo adiou a inauguração para 18 de maio, menos de um mês
antes da abertura da Copa das Confederações, quando o Mané receberá o jogo do
Brasil contra o Japão. O governo de Brasília argumenta que as obras não estão
atrasadas. “Estamos oito meses adiantados”, afirma Cláudio Monteiro, secretário
da Copa do Distrito Federal. O calendário de Monteiro é peculiar: estabelece
que o estádio só deveria ficar pronto em dezembro, para ser usado na Copa do
Mundo.
Portanto, se não houver mais um
adiamento, no próximo sábado – quatro décadas após o inesquecível clássico de
um só espectador entre Grêmio Brasiliense e Coenge –, o novo Mané, aquele
estádio que parara no tempo, será finalmente reaberto. A ocasião é especial:
final do Candangão, como é conhecido o campeonato brasiliense de futebol. Em
campo, em vez de Grêmio Brasiliense e Coenge, Brasília contra Brasiliense.