Falta d'água causa perdas e
sofrimento a produtores, donas de casa e trabalhadores
ÂNGELA LACERDA, Afogados da Ingazeira (PE) - O Estado de S.Paulo.
Jozao Jose de Caldas perdeu mais de 30 animais e rebanho deve diminuir ainda mais. (Foto: Leo Caldas/Estadão) |
"Nunca vi uma seca
assim." A expressão tem sido repetida, em tom de espanto, lamento,
tristeza ou desespero, pelos sertanejos afetados pela estiagem que assola o
semiárido nordestino - considerada a pior em 50 anos. A afirmação surge em
relatos de sofrimento que aflige agricultores, comerciantes, donas de casa,
pecuaristas, trabalhadores. Assim aconteceu em Afogados da Ingazeira, Tabira,
São José do Egito e Custódia, municípios do sertão do Pajeú, em Pernambuco,
visitados nesta semana pelo Estado. A realidade ali é o retrato do que vivem
10.155.849 pessoas nos 1.317 municípios em estado de emergência em dez Estados
- no Nordeste e no norte de Minas. A estiagem secou barragens, açudes e rios,
devastou pastos e lavouras e provocou escassez de alimento para os rebanhos,
que morrem de inanição e sede. Apenas em Pernambuco, que tem 70% do território
no semiárido, estima-se a perda de 500 mil cabeças de gado, o que representa
redução de 20% do rebanho, de acordo com o Comitê Integrado de Convivência com
o Semiárido. Com semblante fechado, ao lado de duas vacas magras, Jazão José de
Caldas, de 69 anos, aguardou desde a madrugada de quarta-feira um comprador
para seus animais na feira de gado de Tabira, a 405 km do Recife. Ninguém se
interessou. Angustiado, dispunha-se a repassar as vacas para não vê-las
definhar. Já perdeu mais de 30 cabeças. Ainda tem cerca de 115, mas não
consegue mais dormir. Sem dinheiro, não tem como comprar ração. Para
"enganar" a fome dos animais, usa mandacaru - planta espinhosa da
caatinga -, sal e ureia. Tentou um empréstimo de R$ 12 mil no Banco do
Nordeste, onde é cliente antigo, para comprar milho. "Lá me mandaram para
Afogados da Ingazeira, em Afogados me mandaram procurar o sindicato, no
sindicato me mandaram para Tabira. Não sei até quando os bichos vão
aguentar", diz ele no seu sítio Jasmim, onde alguns dos seus animais estão
mortos pelo chão. Sertanejo duro, foi às lágrimas. "Nunca cheguei a uma
situação dessas, nunca."
Carro-pipa. A feira do gado
frequentada por Caldas costumava ser a segunda mais movimentada do Estado, só
perdia para a de Caruaru, no Agreste. Agora, virou ponto de encontro de
lamento. Djalma Jacinto da Silva depende de carro-pipa e já viu morrerem quatro
dos seus oito animais. "Parte o coração ver os bichinhos definhando,
quando um cai nem sempre levanta mais." Pedro de Quartim conseguiu vender,
na feira, uma vaca leiteira que, além de abastecer sua família, proporcionava a
produção de queijo. Seu preço seria superior a R$ 1 mil. Aceitou R$ 200.
"Para não ver morrer em casa."
Viúvas. Além de afetar a vida dos
pequenos produtores, a seca obriga mulheres a enfrentar sozinhas o drama do dia
a dia, porque seus maridos foram obrigados a buscar sustento em outras paragens.
São as "viúvas da seca". Presidente da Associação de Moradores de
Macambira, na zona rural de São José do Egito, a 400 km do Recife, Luzinete da
Silva Araújo, de 41 anos, é uma das viúvas. Seu marido, o agricultor José
Humberto Pereira de Araújo, de 40 anos, viajou há um mês para Curitiba em busca
de trabalho. "Conseguiu emprego de carpinteiro", conta ela, que ficou
com os três filhos para trás. Simone Mendes da Silva Oliveira, 24 anos, mãe de
um bebê de 4 meses, é a mais triste das viúvas encontradas. Seu marido foi para
Brasília há três meses e sofre com saudade do filho. Está empregado e todo mês
manda dinheiro. "Quando a seca acabar, vou ganhar meu marido de
volta", conforma-se. A água usada na comunidade vem de carro-pipa, não tem
boa qualidade e afeta a higiene e a vaidade. "Aqui só se lava a cabeça uma vez por
semana", conta Luzinete, abrindo um sorriso. "Fica tudo de cabelo
duro."