Pela primeira vez o implante, que
desaparece do organismo após desobstruir vasos entupidos, foi inserido na
artéria principal do corpo. Sucesso da cirurgia mostra que a técnica também é possível
em casos mais complexos.
Vivian Carrer Elias – de VEJA
O cardiologista Alexandre Abizaid
e sua equipe no Hospital Dante
Pazzanese momentos antes da cirurgia de
desobstrução arterial com
o stent bioabsorvível (foto: Ivan Pacheco)
|
Nesta quarta-feira à tarde, no
Hospital Dante Pazzanese, em São Paulo, uma equipe de médicos liderada pelo
cardiologista Alexandre Abizaid realizou um procedimento de desobstrução
arterial com um stent bioabsorvível. Embora essa não seja a primeira vez em que
esse dispositivo tenha sido implantado em um paciente — inclusive no Brasil,
onde a primeira operação do tipo foi realizada em agosto de 2011 no mesmo
hospital —, a cirurgia foi um marco para a cardiologia moderna.
Um dos motivos é o fato de que o
procedimento foi muito mais complexo — pela primeira vez, esse stent foi
implantado na principal artéria do corpo humano, e não nas secundárias, como as
outras operações realizadas ao redor do mundo haviam feito. A cirurgia foi
transmitida ao vivo em um telão instalado em Miami, nos Estados Unidos, onde
estavam reunidos mais de 10.000 médicos no Transcatheter Cardiovascular
Therapeutics (TCT), a principal conferência sobre medicina intervencionista do
mundo.
O suporte cardiovascular
bioabsorvível foi desenvolvido em 2011 pelo laboratório Abbott e é vendido sob
o nome de Absorb. Uma vez implantada nos vasos entupidos, a prótese 'empurra'
as placas de gordura, desobstruindo os vasos e normalizando o fluxo sanguíneo.
Após seis meses, o dispositivo começa a ser absorvido pelo organismo e, em até
dois anos, ele desaparece (dentro de seis a nove meses, os vasos não precisam
mais de ajuda para se manter abertos). O fato de ser absorvido é a grande
deferença entre esse stent e os demais. Os dispositivos mais utilizados
atualmente são os stents farmacológicos metálicos, que são feitos de aço
inoxidável e cuja superfície contém medicamentos anticicatrizantes. Como eles
não são absorvidos, ficam expostos na corrente sanguínea e apresentam um risco
maior de coágulos, de reentupimento das veias e, consequentemente, da
realização de uma nova operação de implante de um novo stent ou ponte de
safena.
Pesquisa — O uso comercial do
suporte cardiovascular bioabsorvível já é aprovado em vários países, mas, no
Brasil, a técnica somente é autorizada no âmbito da pesquisa médica. A cirurgia
realizada nesta quarta-feira, em um paciente de 33 anos com um grave quadro de
colesterol alto, faz parte de um estudo mundial sobre o dispositivo que está
sendo desenvolvido em outros 25 países sob a coordenação de Abizaid.
"Estamos expandindo o dispositivo para lesões e anatomias mais delicadas.
A cirurgia foi um sucesso, uma manifestação pública de que estamos autorizados
a implantar o stent bioabsorvível em situações mais complexas", disse o
médico ao site de VEJA.
Um dia antes da operação no
Hospital Dante Pazzanese, foram divulgados os resultados dos exames de saúde em
500 pacientes que haviam recebido o dispositivo bioabsorvível há seis meses e
de 250 que haviam recebido o suporte há um ano. "Foi relatada uma
incidência muito baixa de eventos cardíacos, confirmando os dados de estudos
anteriores. O retorno da lesão ficou abaixo de 2%, uma taxa praticamente
desprezível, e cerca de 0,05% dos pacientes apresentaram trombose. Os dados nos
dão ainda mais segurança para tratar pacientes mais complexos", diz
Abizaid.
Os resultados dos trabalhos,
segundo o cardiologista, precisam ser submetidos a uma série de entidades
médicas, entre elas Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que o dispositivo bioabsorvível
seja comercializado no Brasil. Ele acredita que isso ocorra até o final de 2013
e que o implante tenha valores semelhantes aos metálicos farmacológicos — algo
entre 6.000 e 8.000 reais. Os stents farmacológicos utilizados hoje são
cobertos pelos planos da saúde, mas não são oferecidos pelo Sistema Único de
Saúde (SUS).
Padrão — Embora o stent
bioabsorvível tenha muitas vantagens sobre os metálicos farmacológicos, Abizaid
acredita que os dispositivos utilizados atualmente não deixarão de existir
conforme o novo suporte for ganhando espaço na prática médica. "Há algumas
situações em que os stens metálicos ainda são melhores, especialmente em casos
de operação em vasos muito pequenos e tortuosos. Isso porque os dispositivos
metálicos ainda são muito mais finos do que os bioabsorviveis", disse o
cardiologista. No entanto, ele acredita que, com o tempo, os bioabsorvíveis se
tornarão uso padrão em grande parte dos casos, especialmente em pacientes mais
jovens ou com problemas de saúde, como o diabetes, que fazem com que a doença
progrida muito mais rápido.