A igreja velha, a nova e a polêmica que divide Rainha dos Anjos (foto: Landisvalth Lima) |
Uma polêmica está dividindo opiniões
dos moradores do povoado Rainha dos Anjos, localizado na margem do Rio Real,
parte territorial do município de Itapicuru, na Bahia. O povoado tem quase toda
sua vida mais ligada ao estado de Sergipe, notadamente ao município de Tobias
Barreto. A estrada asfaltada mais próxima é a SE-492, que liga a SE-290 (Poço
Verde a Tobias Barreto) ao povoado de Montes Coelho. O acesso fica a poucos
metros do povoado Alagoinhas. Seguindo por chão batido, os poucos mais de três
quilômetros da Estrada da Rainha separam a SE-492 do povoado. A polêmica toda
gira em torno da possível derrubada de uma Igreja construída por Antônio
Conselheiro no século XIX.
A informação me chegou por uma
aluna do 3º ano do Colégio Estadual Professor João de Oliveira, em Poço Verde.
O nome dela é Milena Tavares, que soube da futura derrubada da Igreja por meio
de parentes que vivem em Rainha dos Anjos. O assunto despertou atenção porque
eu dava aula sobre o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, e é impossível não
falar da Guerra de Canudos e de Antônio Conselheiro. De posse da informação,
estive em Rainha dos Anjos acompanhado da vereadora Ana Dalva, no sábado de 1º
de abril, e a polêmica está longe de ser uma mentira.
O povoado de Rainha dos Anjos (foto: Google Maps) |
Na Praça da Matriz da Igreja de
Nossa Senhora Rainha dos Anjos, nosso primeiro contato foi com a senhora Josefa
Oliveira do Nascimento, conhecida por Dona Zizinha. Ela afirmou que a igreja
construída por Conselheiro não era aquela. Na verdade, aquela era a terceira
igreja. Quem confirmou a história de Dona Zizinha foi o comerciante Antônio
Alves Amado – ou Toinho de Alcides. Ele tem toda história de Rainha dos Anjos
na cabeça. Essa igreja da polêmica tem mais de 120 anos. Além de ser a
terceira, foi reformada já umas três vezes.”, disse. Dona Zizinha não sabia a
idade da construção, mas disse que estava com 80 anos e sempre viu a aquela
igreja ali.
Toinho de Alcides (foto: Landisvalth Lima) |
Mas é Toinho de Alcides quem
revela tudo. “Rainha dos Anjos só perde em idade para Vila Velha, a
localidade-mãe de Itapicuru”. Foi um português que, por volta do século XVII,
fez uma promessa para melhorar os negócios. Então, após resolver sua questão
financeira, trouxe a imagem de Nossa Senhora Rainha dos Anjos para a 1ª igreja
construída por ele no local. A 2ª foi construída por Antônio Conselheiro, em
1876, vindo de Estância, em Sergipe, e seguindo para Itapicuru. A igrejinha
ficava em frente ao velho cemitério, bem ao lado onde é hoje a igreja velha.
Por sinal, o cemitério está desativado, mas foi sepultura para falecidos de
vários rincões. “As pessoas tinham crença nos milagres da Rainha dos Anjos e
queriam enterrar seus entes aqui. Creio que mais de mil corpos foram ali
sepultados”, disse Toinho de Alcides.
Dona Lia de Cadu mostra o altar e os problemas da igreja velha (foto: Landisvalth Lima) |
Quem também nos recebeu muito
bem, e permitiu a nossa entrada em igrejas e cemitérios, foi a funcionária
pública Maria Ferreira do Nascimento Silva – conhecida como Lia de Cadu. Ela é
natural de Heliópolis-Ba e mora no povoado há décadas. Lia deixou claro que há
duas saídas possíveis: “Ou restauram a igreja ou derrubam tudo. O povo está
dividido. O problema é que não há dinheiro para a restauração. A gente está com
dificuldade até para conseguir concluir a igreja nova, a quarta.” Disse Lia de
Cadu. O problema de derrubar tudo é destruir o altar, uma verdadeira obra de
arte toda confeccionada em madeira, e que precisa ser recuperado. “Se pudesse
recuperar, colocaríamos na capela do cemitério novo. Tem gente que visita o
povoado só para ver o altar da igreja de Rainha dos Anjos, mas não há dinheiro.”,
lamenta Lia. Entre os favoráveis à demolição estão os padres João Matos, o
anterior, e José Brás, o atual, que também já foi padre da Paróquia de
Heliópolis.
Local onde Conselheiro construiu a igreja. No fundo era o cemitério antigo (foto: Landisvalth Lima) |
Enquanto a polêmica divide os
moradores, inclusive sem solução a curto prazo, Toinho de Alcides lamenta. Ele
acha que não deveria ser tão complicado. Também ele faz questão de ficar longe
da questão. Prefere falar da história de sua comunidade. Fala das famílias que
ajudaram a povoar Rainha dos Anjos, os Porcianes, os Candeias, a família de
Cirilo Braz, dos Periquitos e dos Chaves. Também relembra que nem tudo eram
flores no povoado. As pessoas passavam muitas necessidades, criavam ovelhas e
plantavam o suficiente para o sustento da família. As cidades mais próximas,
depois de Itapicuru, eram Estância e São Cristóvão, quando ainda não existia
Aracaju. Foi por isso que Antônio Conselheiro logo foi aceito por aqui. As
necessidades eram supridas com a fé. Mas Conselheiro não foi bem recebido em
Itapicuru pelo coronel Cícero Dantas Martins – o Barão de Jeremoabo. Inventaram
que ele havia matado a mãe. Chegou a ser preso e mandado para Salvador, em
1877. Descobriram depois que a mãe dele havia morrido quando ele tinha apenas
seis anos de idade.
Mas Rainha dos Anjos recebeu
visita de outros ilustre senhores. Os soldados da Coluna Prestes passaram pelo
povoado em fins de 1924.Também por lá andou Lampião e o seu bando. Muitos
professores e curiosos aparecem no povoado para tentar encontra algo novo para
consolidar as histórias. O Padre Enock, que liderou luta pela terra contra os coronéis
de Monte Santos, e foi notícia nacional, também esteve em Rainha dos Anjos. Mas
o fato que mais revolta causou foi o roubo da imagem da padroeira do lugar. Por
sorte, relata Toinho de Alcides, a imagem foi localizada em Salvador e
devolvida aos rainhenses dos anjos.
Enquanto Dona Zizinha, Lia de
Cadu e Toinho de Alcides esperam uma decisão sensata, a divisão de opinião
continua. Uns acham que a igreja deve ser demolida porque enfeia a nova que
está sendo concluída, outros já afirmam que, construída ou não por Conselheiro,
tem ali 120 anos de história e um altar desenvolvido por um artista
desconhecido e talentoso. Isso merece ser preservado. A solução não é fácil e
não há pessoas interessadas em ajudar. Bem que o prefeito ou um vereador
poderiam assumir o debate e encontrar uma solução, inclusive a questão de um
patrocínio para financiar as inevitáveis despesas, tanto para a demolição
quanto para a restauração. Ocorre que preservar patrimônio, cuidar da cultura
de um povo, zelar pela identidade de uma sociedade são ações de poucos. Até porque
isso não dá voto.
Landisvalth Lima