Em discurso a estrangeiros,
presidente do STF fez críticas ao sistema brasileiro e atacou excesso de
recursos contra condenações.
Felipe Recondo, enviado especial
do Estadão.
Ministro Joaquim Barbosa: Justiça pune mais os pobres, os negros e os sem proteção política |
San José (Costa Rica) - O
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, disse nesta
sexta-feira, 3, que a Justiça brasileira pune majoritariamente pessoas pobres,
negras e sem relações políticas. No discurso que fez em congresso sobre
liberdade de imprensa, na Costa Rica, Barbosa criticou a quantidade de recursos
possíveis contra condenações judiciais, atacou o foro privilegiado e a relação
entre juízes e advogados no Brasil.
"Brasil é um País que pune
muito pessoas pobres, pessoas negras e pessoas sem conexões", disse.
"Pessoas são tratadas diferentemente pelo status, pela cor da pele, pelo
dinheiro que tem", acrescentou. "Tudo isso tem um papel enorme no
sistema judicial e especialmente na impunidade", argumentou.
Barbosa já havia criticado em
sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o que chamou de conluio entre juiz
e advogado. Agora, atacou as conversas privadas ou reservadas entre juiz e
advogado sobre os processos. Na avaliação de Barbosa, isso é
"antiético" e um problema cultural brasileiro que contribui para a
impunidade.
"Uma pessoa poderosa pode
contratar um advogado poderoso com conexões no Judiciário, que pode ter
contatos com juízes sem nenhum controle do Ministério Público ou da sociedade.
E depois vêm as decisões surpreendentes", disse. Nesses casos, avaliou o
ministro, uma pessoa acusada de cometer um crime é deixada em liberdade em
razão dessas relações. "Não é deixada em liberdade por argumentos legais,
mas por essa comunicação não transparente no processo judicial", disse.
O presidente elogiou a Argentina
por ter impedido o contato entre uma parte do processo e o juiz sem a presença
da outra parte. No Brasil, essa restrição é mal vista pelos advogados, conforme
Barbosa.
Recursos
Barbosa criticou ainda a
possibilidade de um processo criminal percorrer quatro instâncias judiciais
antes de ser concluído e afirmou que a quantidade de recursos possíveis ao
longo da tramitação do caso, inclusive os habeas corpus, é outra razão que
contribui para impunidade no país. "Ha formas paralelas de questionar cada
uma dessas decisões judiciais (em cada uma das instâncias). Há infinitas
possibilidades de recursos dentro dessas quatro instâncias. Da primeira para a
segunda instância, às vezes há 15 ou 20 diferentes recursos", afirmou.
"Qual a conclusão? Um longa demora, é claro", acrescentou.
Pelas contas de Joaquim Barbosa,
um caso que envolva duas ou três pessoas "não é concluído no Brasil em
menos de cinco, sete, as vezes dez anos, dependendo da qualidade social da
pessoa".
Além disso, o ministro fez
questão de dizer que o foro privilegiado é outra causa da impunidade. Barbosa
explicou a jornalistas estrangeiros que prefeitos, governadores, ministros de
Estado, parlamentares e magistrados não são julgados por um juiz. "No
Brasil tem algo chamado foro privilegiado, o que significa que, se um prefeito
é acusado de cometer um crime, ele não terá o caso julgado por um juiz regular
(...) Se o acusado é um ministro de Estado, membro do Congresso ou ministro do
Supremo, o caso será decidido pela Suprema Corte (...) não tem tempo algum para
decidir processos criminais", concluiu. Ministros do STF, em várias
ocasiões, já confidenciaram, porém, que se não fosse o foro o julgamento dos
mensaleiros ainda não teria ocorrido.