Eliana Calmon denuncia pacto entre os poderes na Bahia |
Ela lembra que desde sua
passagem pela corregedoria do CNJ constatou-se a existência de varas com
insuficiência de servidores de um lado e funcionários fantasmas e servidores
com altos salários. Mais: “Existe na Bahia uma espécie de pacto onde o TJ está
muito alinhado ao governador, o Ministério Público também tá alinhado ao
governador e todos os poderes vivem tranquilamente dentro deste pacto silencioso
que existe entre os poderes. Existem trocas de favores, existem algumas
conivências.”
Rafael Rodrigues – do CORREIO
Baiana, a ministra Eliana
Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirma que o Tribunal de Justiça
da Bahia (TJ-BA) desrespeita propositadamente orientações do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), que cobram mais transparência e eficiência no Judiciário
baiano. Ela lembra que desde sua passagem pela corregedoria do CNJ constatou-se
a existência de varas com insuficiência de servidores de um lado e funcionários
fantasmas e servidores com altos salários e sem função nos gabinetes dos
desembargadores de outro - uma das muitas irregularidades que geraram agora
sindicâncias contra a direção do Tribunal.
Eliana aponta ainda a troca de
favores entre o governo do estado e a ‘igrejinha’ que domina o poder no TJ-BA.
Eliana Calmon recebeu o CORREIO em seu
apartamento, no Edifício Oceania, com vista para o Farol da Barra, e, em mais
de uma hora de conversa, falou ainda sobre o desejo de ocupar cargo político na
Bahia. Veja os principais tópicos da entrevista:
Inspeção do CNJ no TJ-BA
Há, por parte do TJ, o
entendimento de que não deve cumprir determinações do CNJ, que ninguém deve se
meter no tribunal. Muitas irregularidades eu já havia apontado, e o ministro
Francisco Falcão (atual corregedor do CNJ) veio saber se tinham sido cumpridas
as determinações. Viu que não foram, encontrou novas irregularidades e decidiu
abrir sindicâncias. Os problemas são antigos. O ministro Gilson Dipp
(corregedor entre 2008 a 2010) veio aqui e verificou que estava caótica a
gestão do tribunal. Fiz recomendações e eu vim aqui cobrar duas vezes.
Constatei que nada tinha sido feito: estava pior. A população continuava
sofrendo com falta de estrutura, faltando juízes e servidores, e eles diziam
que não tinham recursos para fazer concurso. Essas situações não são novas.
Cálculo de precatórios que
onerou o estado e prefeitura de Salvador em R$ 448 milhões
É uma gestão indevida, porque
foram cálculos errados, feitos por ignorância, descaso, desprezo. Eu já tinha
determinado que a Justiça Federal fornecesse os cálculos, eles têm tudo isso
informatizado e ficou decidido que eles colaborariam, mas eles não buscaram
ajuda. O que é corrupção? É ação ou
inação. A inação é uma forma de corrupção. Eu não acho que seja uma corrupção
ativa, que esse dinheiro tenha sido propositalmente dado a alguém. Acho que
houve, porém, algumas facilidades de algumas pessoas favorecidas na fila, na
ordem cronológica.
Funcionários fantasmas
Há muitos cargos em comissão nos
gabinetes dos desembargadores, enquanto as varas, onde o atendimento é feito,
estão vazias. Encontrei varas com um ou dois funcionários na própria capital. E
um monte de funcionários fantasmas ou sem fazer nada no TJ, com altos salários
e gratificações. Havia caso de funcionária que morava em São Paulo e não vinha
aqui, com salários altos, de R$ 15 mil. É muito difícil investigar a Justiça da
Bahia, porque há uma resistência muito grande. Eu pedi, mas não apresentaram as
declarações de renda (de mais de mil servidores e juízes).
Política no TJ-BA
Na realidade, é uma política
para nada, de domínio pessoal. O desembargador Dultra Cinta, que veio para
substituir um grupo que era dominado pelo carlismo, terminou exercendo as
mesmas práticas de domínio e deixou seguidores. Os desafetos não entram no
tribunal, os desembargadores que não acompanham a igrejinha ficam em segundo
plano. Isso é a prática diuturna de uma gestão viciada. A politica dentro da
Justiça é para as pessoas se sentirem donas do tribunal.
Relação entre Judiciário e
Executivo
Há uma vinculação muito grande
do governador à presidência, ao grupo dominante, porque existe sempre a ideia
de que o tribunal deve estar bem com o governo. Mas a Constituição de 88 acabou
com isso. O Judiciário é fiscal das políticas públicas e pode se insurgir
contra o governo quando as políticas não são adequadas. Existe na Bahia uma
espécie de pacto onde o TJ está muito alinhado ao governador, o Ministério
Público também tá alinhado ao governador e todos os poderes vivem
tranquilamente dentro deste pacto silencioso que existe entre os poderes. Existem trocas de favores, existem algumas
conivências. Existe o olhar mais apurado para as causas que os donos do poder
têm interesse, e é exatamente isso que nós não gostaríamos que tivesse, que a
Justiça fosse independente.
Reforma do Judiciário
A sociedade toda está indignada
com a aposentadoria compulsória com proventos integrais de alguém que foi
execrado pela Justiça. Eu não dou dois anos para a reforma acontecer, as ruas
não gritaram ainda em razão do julgamento do mensalão e de Joaquim Barbosa. É o
que está segurando o grito do povo contra o Judiciário, mas o povo não está satisfeito
com os três poderes. Os magistrados querem reforma, mas sem perder benefícios,
que eles chamam de prerrogativas. Os dias trabalhados de um magistrado são 162
dos 365 do ano. Ele tem dois meses de férias, vinte dias de recesso, tem os
feriados, domingos e sábados. Isso não pode, não é prerrogativa: é falta de
trabalho, em um órgão que está superlotado de trabalho, tem muito processo e
não se julga porque não tem tempo, isso não se admite.
Novos tribunais federais
A criação dos tribunais
regionais (o Congresso aprovou a criação de quatro - um na Bahia - mas o STF
suspendeu a lei) é bom para os juízes. Todos querem porque fazem com que mais
juízes ascendam aos tribunais, as carreiras deslancham. Os políticos também
querem, porque é uma forma de colocar parentes e aderentes no tribunal. O
tribunal da 5ª Região, em Recife, que atende a todo o Nordeste, está muito bem,
não tem atrasos, cada gabinete tem 200 processos. E o que vai acontecer? Vão
ficar ociosos com a criação do tribunal Bahia/Sergipe.
Reforma política
A questão mais controvertida é o
financiamento de campanha. É esse o ovo da serpente. Talvez a melhor forma
fosse o plebiscito, porque as pessoas opinariam. Agora, o plebiscito a toque de
caixa, a um ano das eleições, seria deletério, porque não se faria algo bem
feito. Infelizmente, vimos a perplexidade (dos políticos) em relação ao grito
das ruas e ainda a forma que tentam enganar o povo. Na semana seguinte às
passeatas, houve a utilização do aviação da FAB na cara do povo. O que
significa que eles não vão mudar. O povo tem que fazer como o bulldog, morde e
não solta, continua agarrado. A presidente Dilma está acuada. Ela tem uma
questão de governabilidade muito séria, o estado está parado em termos de
desenvolvimento, e ela é refém de um congresso que não é parceiro dela.
Carreira política
Eu ainda tenho responsabilidade
com o Poder Judiciário (se aposenta em novembro de 2015). Tenho recebido muitos
convites, dos mais diversos partidos, eu fico até vaidosa de cogitarem meu
nome. Mas o que fico questionando é: será que eu seria uma boa política? Tenho
muito receio de entrar para a política. Não descarto, mas não digo que
aceitarei, principalmente nas próximas, mas ainda não tenho segurança. Não
tenho predileção por partidos. Os partidos no Brasil não têm ideologia própria:
aqui se vota em pessoas, não em partidos.
Medos
Dentro de um panorama que se
delineia de partidos, de financiamento de campanha, tudo isso é muito difícil.
Eu vivo do meu salário, tenho poucas economias: e o dinheiro para campanha? Eu
serei financiada por alguém e esse alguém vai ser meu dono? Eu até agora não
fui propriedade de ninguém. Tenho dito com toda a sinceridade isso aos partidos
que me convidam.
Cargo político na Bahia
Eu tenho um carinho especial
pela Bahia. Sou baiana, a minha família é toda da Bahia. Até meu neto, que
nasceu em Brasília, gosta é da Bahia. É muito interessante observar como a
gente vai se ligando a nossa terra, não é?