ISTOÉ levantou como vivem os
assassinos condenados por quatro crimes que chocaram o País. Eles quitaram suas
dívidas com a Justiça, mas não gostam de falar do passado. Hoje, tentam levar a
rotina da forma mais discreta possível.
Michel Alecrim, Wilson Aquino e
Josie Jeronimo – da revista ISTOÉ
DIA A DIA NO RIO Paula se casou novamente e teve dois filhos. Acima, a repercussão do caso que completa agora 20 anos |
Ela deixou de ser Paula Thomaz e
virou Paula Nogueira Peixoto, 39 anos. É casada com o advogado Sérgio Ricardo
Rodrigues Peixoto, com quem tem dois filhos, e que é pai adotivo do primogênito
dela com o ex-marido Guilherme de Pádua Thomaz. O cabelo está mais claro, com
mechas louras, e a silhueta mais fina, definida. O olhar é de medo. Ao ver a
reportagem de ISTOÉ na rua onde mora, na divisa de Copacabana e Ipanema, dois
dos mais famosos bairros do Rio de Janeiro, Paula pegou o braço do pai, Paulo
de Almeida, e ambos atravessaram a rua e entraram no primeiro ônibus que
passou. Ela percebeu que estava sendo observada e, mesmo sem saber por quem,
repetiu o que virou hábito: fugir de olhares de pessoas que possam se lembrar
de seu passado criminoso. Em dezembro completam-se 20 anos que Paula e Pádua
assassinaram com 18 tesouradas a atriz Daniella Perez, então com 22 anos, crime
que chocou o País. Duas décadas depois, Paula agora mora em um apartamento de
180 metros quadrados, com quatro quartos e uma suíte, localizado a duas quadras
da praia de Copacabana e a quatro quarteirões da praia de Ipanema. Frequenta o
sofisticado shopping Cassino Atlântico, em Copacabana. Lá fica o salão
Copacabana Coiffeur, onde ela corta o cabelo (R$ 130) e faz as unhas (R$ 51).
Para cuidar dos dois filhos menores ela conta com a ajuda de uma babá. O mais
velho estuda em faculdade particular. Ela costuma levar os três às respectivas
instituições de ensino em seu carro novo, um Dobló, com filtro escuro nos
vidros.
FIEL Guilherme de Pádua tornou-se evangélico, vive em Minas Gerais e não tem contato com o filho que teve com Paula |
O medo de ser reconhecida faz
sentido. “Uma vez, ela estava na areia da praia com o pai e as pessoas que
estavam perto juntaram seus pertences e se afastaram, ficou um clima
esquisito”, disse à ISTOÉ uma ambulante de Copacabana. Nos fins de semana,
costuma ser vista num parquinho perto de seu apartamento em companhia do filho
mais novo. “Eu conheci a Paula aqui nesse parque quando ela era uma criança.
Também fiquei chocado quando li nos jornais sobre o crime. Ela só tocou no
assunto uma vez comigo, logo depois que saiu da prisão. Disse apenas que já
estava tudo resolvido com a Justiça”, contou um frequentador do parque. Ninguém
sabe de um trabalho fixo de Paula, que chegou a ingressar, em 2000, no curso de
direito da Faculdade Candido Mendes, em Ipanema. Mas, hostilizada pelos
colegas, trancou a matrícula após um ano de estudos. A vida confortável não
resolve todos os problemas. Uma das festinhas de aniversário de um filho, por
exemplo, ficou praticamente vazia e, segundo a mãe de um coleguinha, até os
garçons que a reconheceram se recusaram a servi-la. “Meu neto tem a mesma idade
do filho dela de 9 anos e, pelo que sei, nenhum deles sofre bullying, o que
seria um absurdo, já que as crianças não têm culpa de nada”, afirmou uma
senhora.
No ano passado, Paula pediu e
obteve sua insolvência civil e escapou, assim, de pagar uma indenização
estimada em R$ 1,4 milhão a título de danos morais a Glória Perez e Raul
Gazolla, que era marido de Daniella. Ela assinou uma declaração de pobreza e
pediu a concessão de benefício da gratuidade da Justiça, designado a quem
realmente não tem nada — mais um paradoxo. Paula sempre negou o crime, embora
Pádua tenha afirmado que fora ela a autora dos golpes mortais contra Daniella.
Ao sair da cadeia, ele tornou-se evangélico e casou-se novamente com uma mulher
que também se chama Paula, com sobrenome Maia, de 28 anos. Prestes a completar
43 anos, Pádua é obreiro da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, em
Minas Gerais, onde mora. Também trabalha na área de tecnologia da informação da
Igreja e em projetos de proteção a animais com a atual mulher. Não teve mais
filhos e também não tem contato com o filho que teve com Paula, que nasceu na
prisão. Procurado por ISTOÉ, não quis dar entrevista. Mas em junho falou com o
jornal “Correio da Cidade”, da mineira Lafaiete, sobre o que considera sua
missão. “Vim mostrar para as pessoas como um cara tão desviado e tendente às
coisas vazias tornou-se tão apaixonado por Jesus Cristo”, disse. Também falou
da rejeição social: “Cheguei a levar cuspida na cara.” E afirmou que “sempre
ora pela vida de Glória Perez .”
Corrupção e assassinato da mulher
COTIDIANO José Carlos Alves dos Santos é corretor de imóveis em áreas pouco nobres de Brasília, mas mora numa mansão |
A religião, o bloqueio dos bens e
os 20 anos que o separam da vida que levava antes de ser flagrado como
integrante da Máfia dos Anões do Orçamento e condenado pelo assassinato da
mulher (leia quadro ao lado) o transformaram. José Carlos Alves dos Santos,
economista aposentado do Senado, garante ser um novo homem. Alheio a questões
religiosas até amargar quatro anos de cadeia, Santos conta que encontrou a fé e
dá seu testemunho em igrejas. Apresenta-se como exemplo de conversão. “Nunca
tinha colocado a mão na ‘Bíblia’”, afirma. O pastor Adail Sandoval, que visitou
Santos na cadeia pouco depois de ele tentar suicídio, porém, não tem notícia do
economista nas igrejas presbiterianas há cinco anos. Na Comunidade Carisma do
Guará, congregação frequentada por ele antes de sair da condicional, os
pastores informam que há muito ele não aparece. Santos diz que mudou de igreja,
agora é fiel da Batista.
Não é a única mudança. Quando foi
preso, ele era um homem poderoso, de hábitos caros e dono de 12 imóveis nas
áreas mais valorizadas de Brasília. Com o patrimônio bloqueado por outros
processos que correm na Justiça, agora o economista ganha dinheiro como
corretor de imóveis e divulga seu celular em classificados de jornal,
intermediando aluguel de salas baratas. Conseguiu o emprego com ajuda de seu
ex-advogado Adahil Pereira, proprietário da imobiliária. A renda de corretor se
soma à aposentadoria de R$ 5 mil que conseguiu do Senado, depois de um processo
para validar o benefício que passou até pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Hoje, ele vive em uma confortável casa no Lago Norte, área nobre da capital. É
o mesmo bairro de sua antiga residência, quartel-general das negociatas da
Máfia dos Anões, mas não está registrado em seu nome. Lá, ele vive com a
mulher, Crislene Oliveira. Na época do escândalo, investigadores cogitaram que
Santos teria matado a mulher para ficar com Crislene, com quem mantinha
relacionamento extraconjugal. Mesmo durante a temporada na prisão, ela se
manteve ao lado do economista. No papel de advogada, representa o marido em
processos de execução fiscal que ainda tramitam na Justiça.
HOJE Antônio Novély trabalha na UTI de um hospital da periferia de Brasília |
A relação com os três filhos –
dois deles eram menores à época do assassinato da mãe – é distante, segundo a
empregada da casa de um dos herdeiros de Santos. O economista não gosta de
tocar no assunto. À ISTOÉ, ele afirma que sua versão nunca foi ouvida e que
suas palavras são sempre “distorcidas”. Por isso, insiste em se refugiar no
silêncio. “Sofri muito na mão da imprensa, eu não quero mais entrar nesse
assunto, pois aparecer prejudica meus filhos, minha família”, diz. “Foi uma
promessa que eu fiz a mim mesmo, de nunca mais falar nisso.”
Índio queimado vivo
Hoje eles são homens de 35 anos,
alguns são casados e têm filhos e usam terno e gravata ou jaleco para trabalhar
em Brasília. Em nada lembram os jovens que atearam fogo e mataram o índio
pataxó Galdino Jesus dos Santos há 15 anos (leia ao lado). Presos em 1997,
cumpriram seis anos de pena em regime fechado. Assim que passaram ao
semiaberto, investiram em cursos superiores e de pós-graduação. ISTOÉ entrou em
contato com quatro dos cinco responsáveis pela morte de Galdino – um deles era
menor de idade na época e não chegou a ser condenado. Deles, o único que
aceitou falar sobre o assunto foi Eron Chaves. Depois de tentar a sorte com uma
pizzaria, ele resolveu se especializar em direito trabalhista. Chaves diz que,
apesar de ter quitado o que chama de dívida jurídica com a sociedade, nunca
poderá apagar o mal que causou. “Não posso dizer que tenho a consciência limpa,
mas sou tranquilo, porque consegui pagar todas as penas. E não tem mais nada
que eu possa fazer para ressarcir o prejuízo que causei. Aceitei tudo que me
foi imposto porque sei que errei.”
Segundo Chaves, 13 anos se
passaram até que a família de Galdino aceitasse fechar um acordo de pagamento
de indenização. Isso ocorreu há dois anos. Ele conta que, durante o curso de
direito, teve de assistir, em sala de aula, professores usando o processo pelo
qual foi condenado como estudo de caso, atraindo os olhares dos colegas. Na
época, cumpria pena em regime semiaberto. Max Rogério Alves, enteado de um
ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também se tornou um advogado
e tem um escritório na cidade. No currículo, apresenta-se como ex-estagiário da
Procuradoria-Geral e ex-consultor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). Casado com uma empresária, tem um filho de 10 meses.
VIDA NOVA Ricardo Peixoto tem uma academia na praia no Rio |
Antônio Novély, filho de um juiz
federal e apontado como o primeiro a atear fogo em Galdino, agora vê de perto o
sofrimento de pacientes na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital
Regional de Santa Maria, periferia de Brasília. Novély é fisioterapeuta e ganha
R$ 3,5 mil como servidor concursado da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Recém-casado, ele aumenta a renda familiar trabalhando numa clínica de Pilates.
Tomas Oliveira também recorreu aos concursos públicos. Foi nomeado para cargo
na área administrativa dos Correios e, para evitar a exposição de seu endereço,
destina suas correspondências para um número de caixa postal. Gutemberg Almeida
Júnior, que era menor na época e escapou da condenação pela morte de Galdino,
fecha a lista dos assassinos que trabalham em órgãos públicos. Ele é
funcionário terceirizado do Senado e presta serviço de manutenção de
equipamentos eletrônicos.
Jogada do sétimo andar
Na praia de Copacabana, o
professor de educação física Ricardo Sampaio, 49 anos, exibe um corpo bronzeado
e musculoso. Ele é querido pelos alunos – crianças, adultos e idosos que
praticam atividades em camas elásticas e outros equipamentos, numa área de
cerca de 100 metros quadrados delimitada por cones. Mas o professor Sampaio tem
um segredo. Ele também é o ex-modelo Ricardo Peixoto, condenado por ter matado
e ocultado o corpo da estudante Mônica Granuzzo, 14 anos (leia quadro abaixo),
morta após ser jogada ou cair do sétimo andar por tentar fugir de seu algoz.
Logo que deixou a cadeia, em 1994, Sampaio cursou a faculdade de educação
física da Universidade Estácio de Sá e, há cerca de dois anos, montou a
academia Beach Performance, na praia. Ao saber que a reportagem de ISTOÉ
pretendia falar sobre essa parte de seu passado, implorou para não ser
mencionado: “Deixa eu caminhar com a minha vida, pelo amor de Deus. Não vai
ficar mexendo no passado, deixa o passado quieto. Estou trabalhando, me formei,
deixa a minha vida em paz.”
O trabalho na praia vai de
segunda à sexta-feira, das 7h ao meio-dia, “chova ou faça sol”, como costuma
dizer. “Acordo todo dia às 5h. Minha vida é difícil”, disse. Sampaio não se
casou e nem teve filhos. Mora com a mãe, em Copacabana, e chegou a dizer que se
considera exemplar. “Com certeza, sou um exemplo. De 100% das pessoas que
cumprem pena, 99% voltam para o crime. Estou dentro desse 1%.” Ele se recusa a
falar sobre o episódio. “Eu não quero conversar. Não destrói o pouquinho que eu
estou fazendo para ajudar minha família e a mim mesmo”, desabafou, chorando.
Outra atividade é a manutenção do
site sobre sua academia. Na internet, ele exibe vídeos nos quais explica o
funcionamento da sua academia ao ar livre. Em nenhuma de suas propagandas faz
menção ao nome Ricardo Peixoto porque seu maior receio é de que as pessoas –
especialmente os alunos da praia – associem a figura do professor Ricardo
Sampaio ao assassino da adolescente Mônica Granuzzo. “Muita gente não me
conhece”, repetia. A razão de tanta insistência é que ele é um dos poucos
ex-detentos famosos que conseguiram até agora permanecer quase anônimo. Mas há
quem o reconheça. “Ver esse homem na praia, como se nunca tivesse acontecido
nada, me revolta”, diz o advogado Alexandre Moreira, morador de Copacabana, que
tinha uma filha da idade de Mônica, na época do crime. “É muita cara de pau.”
Fotos: Camila Viana/Jornal Correio da Cidade; Ag. O Globo; JORGE WILLIAM; Edivaldo Ferreira/Ag. O Globo; Lula Marques/Folhapress; ERALDO PERES/PHOTO AGENCIA/FUTURA PRESS; Reprodução/MB/Futura Press; Antônio Nery/Ag. O Globo.