A menina loirinha e magrinha,
como muitas de sua cidade, é uma das melhores alunas da sala. Ela teve a ideia
após uma conversa com a irmã mais velha sobre uma estudante escocesa que fez um
blog para reclamar da merenda escolar
Priscila Chammas – do CORREIO
Adolescente de 13 anos criou página no Facebook |
Isadora não está no Canadá, não
estrelou um clipe caseiro de ‘Para Nossa Alegria’, não estampa uma caixa de
palitos há 65 anos, nem tampouco restaurou por conta própria uma obra de arte
do século XIX. A estudante de 13 anos é a nova celebridade da internet por um
motivo bem mais nobre: expôs no Facebook, para quem quisesse ver, alguns dos
problemas do ensino público no país, a partir de fotos e comentários sobre a
Escola Básica Municipal Maria Tomazia Coelho, onde estuda, em Florianópolis
(Santa Catarina).
A página, intitulada Diário de
Classe, foi criada pela estudante Isadora Faber em 11 de julho e até a noite de
ontem já havia sido curtida por 120 mil pessoas. A menina loirinha e magrinha,
como muitas de sua cidade, é uma das melhores alunas da sala. Ela teve a ideia
após uma conversa com a irmã mais velha sobre uma estudante escocesa que fez um blog para reclamar da merenda escolar.
Isadora também reclamou da
merenda. Mas não ficou só nisso. Nesses quase dois meses em que a página está
no ar, ela já publicou fotos de janela quebrada, paredes pichadas, fiação solta
nas paredes, goteiras, vaso sanitário sem tampa, fechadura danificada, e
comentários sobre o fraco desempenho dos professores auxiliares. Também foi
postado um vídeo da bagunça dos alunos durante uma aula de Matemática, o que
lhe trouxe problemas com a direção da escola, que solicitou a retirada das
imagens.
Se todos os alunos reclamassem das condições das escolas.... |
“Eu e a Melina (amiga que
ajudava nas postagens) paramos na diretoria e ligaram pros nossos pais e
mandaram bilhete pedindo a presença deles na escola (...) pediu para tirar o
vídeo do professor”, explica Isadora em uma das postagens. O vídeo foi retirado
após a promessa de que o professor seria substituído, mas, como isso não
aconteceu, as imagens logo voltaram pro site.
Resultados
Até esta terça (28), o professor
ainda não tinha sido demitido, mas o protesto on line da aluna da 7ª série já
rendeu frutos. “Já consertaram umas portas, maçanetas e bebedouros”, contou a
menina ontem ao CORREIO. A entrevista, aliás, foi disputada. “Estou meio
cansada, muita gente está querendo me entrevistar. Já fiz mais de 20
(entrevistas) hoje (ontem)”, contou, ainda surpresa com a repercussão de suas
denúncias.
“Eu sempre reclamei, mas nunca
adiantou. Pensei que publicar poderia fazer com que a prefeitura se
sensibilizasse. Mas não tinha noção do que estava por vir”. Durante uma
entrevista na fan page de um jornal local, ela acrescentou que “esperava ter só
uns 100 curtidores”. Dias antes, no ‘Diário’, escreveu: “Nós queremos chegar
mais adiante do que isso, queremos chegar na PREFEITURA, quero que vejam isso”.
Conseguiu. A repercussão foi tão
grande que motivou uma entrevista
coletiva da secretária municipal de Educação de Florianópolis, Sydneia Gaspar
de Oliveira, para falar sobre os problemas apontados por Isadora. “A escola
recebe R$ 4 mil mensais para resolver esses problemas pequenos. A gestão
deveria ter informado, mas eles nem perceberam que os bacios (banheiros)
estavam quebrados, por exemplo. A aluna foi nossa ouvidoria, só podemos elogiar
atitudes assim”, disse a secretária.
A diretora da escola, Liziane
Díaz Farias, reconheceu que a instituição passa por dificuldades e garantiu:
“Estamos resolvendo os problemas apontados”.
Antes disso, porém, a estudante
teve alguns percalços pelo caminho. “Muita gente ficou brava. Recebi indireta
de professora na sala de aula, dizendo que ninguém podia ficar falando mal dos
outros na internet. Estou sofrendo repressão até das merendeiras. Quando passo
perto delas, elas falam: ‘Lá vem a fotógrafa, tirar uma foto’, e começam a
rir”, conta.
Corajosa, Isadora até postou uma
mensagem debochando de uma tentativa de intimidação que recebeu ‘in box’: “Se
existisse realmente uma lei (que proibisse tirar foto da escola), por que
deixar o recado só pra mim, e não publicar na minha página?”, provocou a
estudante, que sempre teve apoio da família.
Estudantes da Bahia aprovam
ideia
Protesto bem-humorado, 'Vida de Estudete" |
Como para a internet não há
distância, estudantes soteropolitanos também ‘curtiram’ a iniciativa da fanpage
Diário de Classe. “(O Facebook) é uma rede que quase todo mundo tem, está
bombando, é uma forma dos nossos problemas se transformarem no problema de
todos”, diz o estudante Anderson Conceição da Silva, 17 anos. “É o melhor meio
hoje em dia, os alunos veem, compartilham e chega mais rápido aos ouvidos de
quem tem que resolver a situação”, completa a presidente da Associação de
Grêmios e Estudantes de Salvador (Ages), Raquel Barbosa, 20.
E se houvesse um ‘Diário de
Classe’ que relatasse os problemas das escolas públicas de Salvador, quais
reclamações chegariam na página? Foi essa a pergunta que o CORREIO fez a
estudantes de Salvador.
Aluno do 3º ano do ensino médio
do Colégio Estadual Deputado Manoel Novais, no Canela, Tiago Jesus da Silva,
18, afirma que a principal queixa em relação a unidade é a falta de
professores. “O problema tem sido muitas aulas vagas, por causa da falta de
professores, como da disciplina Português. E isso tem acontecido depois de toda
essa greve que enfrentamos. A escola passou por reforma, então quanto a estrutura
física não tenho o que reclamar”, relata.
O mesmo não pode dizer Raquel
Barbosa, que estuda no Colégio Estadual Landulfo Alves, na Cidade Baixa.
Rachaduras, ferrugens, infiltrações, falta de bebedouros e o mau cheiro do
esgoto estão entre as queixas dos estudantes.
“Recentemente, um PVC do teto
caiu no ombro de um aluno, os elevadores estão quebrados e os cadeirantes são
obrigados a subir em uma rampa que até
alaga quando chove, por causa de buracos. Minha escola está em uma situação
abominável”, diz Raquel.
A situação do Landulfo Alves é
compartilhada por alunos do colégio, através do Facebook. O perfil da Ages, que
tem quase 2 mil amigos, compartilha notícias que envolvem a educação no Brasil.
Alunos do Colégio Estadual
Marquês de Maricá, no Pau Miúdo, contam que no seus diários relatariam algo que
tem dificultado os estudos ultimamente: “A escola está sem ventilador, é um
calor dos infernos. Assim fica difícil”, diz o estudante do 3º ano do ensino
médio Anderson Silva.
Estudetes de Itaparica chamaram
atenção para greve
Cheias da greve dos professores
da rede estadual, que começou em abril e durou 115 dias, as primas Bruna e
Jamile Moreira, 18 e 19 anos, junto com
a amiga Isabele Alcântara, 20, se tornaram exemplo de webcelebrities na Bahia.
A fama foi conquistada com um
vídeo divulgado no site Youtube em que o trio aparece dançando a música Vida de
Estudete, parodiando o repertório das protagonistas da novela Cheias de Charme
(Globo/TV Bahia).
As estudetes de Itaparica, como
ficaram conhecidas, são alunas do Colégio Estadual Democrático Jutahy
Magalhães, onde foi solicitado o trabalho escolar por uma professora que não aderiu ao movimento
- que veio a dar no vídeo.
O vídeo, que chegou a ter quase
400 mil visualizações, fala da greve e também chama atenção para a educação no
estado. Após a greve, elas continuam
apresentando um programa na Rádio Tupinambá FM, de Itaparica, onde dão dicas de
vestibular.
Colaborou Alexandro Mota.