Marcelo Pellegrini – da revista CARTA CAPITAL
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Moradores do semiárido do Piauí vão buscar água com baldes em regiões distantes. Foto: FTP
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Com o início do segundo semestre de 2012, gradualmente as
atenções passam a se concentrar nas eleições para prefeito e vereador em todo o
Brasil. No entanto, não são planos de governo e propostas de melhoria de
serviços públicos que podem determinar os rumos dos pleitos em mais de mil
municípios brasileiros, mas sim um elemento inusitado: a seca. Castigados pela
pior estiagem dos últimos 30 anos, muitos dos 1.133 municípios do semiárido
brasileiro ainda vivem um problema crônico de abastecimento de água, que muitas
vezes é usado como moeda eleitoral. Para evitar o círculo vicioso em que má
gestão pública gera seca e vice-versa, a Articulação do Semiárido (ASA) lançou a
campanha ‘Não troque seu voto por água. Água é direito seu’. Formada por cerca
de mil organizações da sociedade civil que atuam na gestão e no desenvolvimento
de políticas para o semiárido, a ASA já visitou mais de 1100 municípios do
semiárido e convocou as organizações locais para fiscalizar e denunciar os
abusos no uso eleitoreiro da água nas eleições municipais 2012. “O poder
político foi mantido por muito tempo através de medidas assistenciais urgentes
contra a seca, que são entendidas como uma bondade e não como um direito”,
afirma Naidson Baptista Quintella, coordenador executivo da Articulação no
Semiárido (ASA), na Bahia. “Esse tipo de política gera gratidão e um
cabrestamento político”, conta. Atualmente, os municípios do Nordeste e de
Minas Gerais possuem 1533 cidades em situação de emergência, segundo a
Secretaria Nacional de Defesa Civil. Ao todo, o País tem 2442 municípios em
situação de emergência e 3 em estado de calamidade pública.
Indústria da Seca
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Mesmo barrenta, água tem valor de ouro no sertão piauiense. Foto: FTP
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O quadro denunciado pela ASA revela uma chantagem política
comum dos tempos do coronelismo. Muitos políticos, segundo a entidade,
aproveitam as medidas de emergência e socorro às vítimas da estiagem – como
carros-pipa, distribuição de alimentos e de sementes – para comprarem votos e
manterem-se no poder. “As secas sempre foram uma oportunidade para alguns
enriquecerem ou se elegerem às custas da fome, sede e miséria de outros”,
afirma Quintella. Exemplo disso é o estado do Piauí, que teve 54 prefeitos
cassados por irregularidades nos últimos quatro anos e já recebeu, neste ano,
31 denúncias de irregularidades eleitorais, segundo o Comitê de Corrupção
Eleitoral do Piauí. No entanto, ao contrário do que se imagina, muitas vezes, o
problema não diz respeito à falta de água, mas sim à sua distribuição. “É um
quadro surrealista. Temos um monte de água cercada de seca”, diz o coordenador
da Força Tarefa Popular (FTP) do Piauí, Arimateia Dantas. Segundo ele, o Piauí
não sofre com falta de água represada, mas sim com as obras das adutoras que
andam a passos lentos. “A estrada da política no semiárido sempre foi a
concentração. As grandes obras sempre beneficiaram os coronéis e raramente
chegam às comunidades carentes”, reforça o coordenador da ASA, Naidson
Quintella. Para Dantas, da FTP, quanto mais longe o cidadão está da água, mais
fragilizado fica.”Uma moradora do município de Francisco Macedo, no Piauí,
vizinho à barragem de Estreito, disse que perdeu as esperanças quando a caixa
d’água chegou à porta de sua casa, há um ano, mas a água não chegou até hoje”,
revela. Enquanto isso, grande parte das cidades que a Força Tarefa Popular
percorreu continua dependente de carros-pipas e cestas-básicas distribuídas
pelo governo. “Vimos muitos carros-pipas circulando pelas cidades e quando
perguntamos sobre a paralisação das obras muitos moradores não sabiam
explicar”, conta Arimateia Dantas. “Além disso, obras do governo federal são
vistas como obra do prefeito ‘X’, ou seja, uma distorção”, completa. Apenas
este ano, o governo federal já investiu 15,6 bilhões de reais em ações de
combate à seca no Nordeste.
Solução
Uma das iniciativas da campanha ‘Não troque seu voto por
água’ é mostrar que políticas assistencialistas e periódicas, como distribuição
de cestas básicas e carros-pipas, não resolvem o problema. Segundo Naidson
Quintella, da ASA, somente a construção de cisternas e adutoras, somadas às
linhas de crédito e programas do governo federal, como a Bolsa Família e a
Bolsa Estiagem, podem resolver o problema da seca no semiárido. No entanto,
Arimateia Dantas não é tão otimista. Para o líder da FTP do Piauí, não há
interesse político para que o problema seja resolvido com celeridade. “Isso não
é um castigo de Deus, é um castigo nosso mesmo”, lamenta. Desde 1999, a Lei de
Combate à Corrupção Eleitoral configura como crime o oferecimento de benefícios
em troca de água. “A situação não está como era há 30 anos, melhorou bastante
por sinal. Mas temos que agir para evitar que esses coronéis retornem”, conclui
Quintella.