Provocado pelos magistrados, Supremo até agora se posicionou
contra investigações nos tribunais e acabou se colocando no centro da polêmica
que ameaça sua credibilidade
Mariângela Galluci, BRASÍLIA, Gabriel Manzano e Lucas de
Abreu Maia, SÃO PAULO com fotos de Wilson Pedrosa/AE – do portal O ESTADO DE
SÃO PAULO.
Início de sessão no STF |
A crise do Judiciário brasileiro, escancarada na semana
passada pela liminar do ministro Ricardo Lewandowski que paralisou as
investigações da Corregedoria Nacional de Justiça, já é reconhecida nos
bastidores desse Poder como uma das maiores da história, pelos efeitos que terá
na vida do Supremo Tribunal Federal (STF). Estudiosos veem nela, também, um
divisor de águas. Ela expõe a magistratura, daqui para a frente, ao risco de
consolidar a imagem de instituição avessa à transparência e defensora de privilégios.
Ministros do STF ouvidos pelo Estado dizem não se lembrar de uma situação tão
grave desde a instalação da CPI do Judiciário, em 1999. Mas agora há também
suspeitas pairando sobre integrantes do Supremo, que teriam recebido altas
quantias por atrasados. “Pode-se dizer que chegamos a um ponto de ruptura,
porque muitos no Supremo se sentem incomodados”, resume o jurista Carlos Ari
Sundfeld. Na outra ponta do cabo de guerra em que se transformou o Judiciário,
Eliana Calmon, a corregedora nacional de Justiça, resume o cenário: “Meu
trabalho é importante porque estou certa de que é a partir da transparência que
vamos ser mais respeitados pelo povo.” O que tirou do sossego o Poder
Judiciário foi a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de mexer na
“caixa preta” dos tribunais, ao inspecionar as folhas de pagamento e
declarações de bens de juízes, em especial os de São Paulo. A forte reação dos
investigados leva o advogado e professor de Direito Constitucional Luiz
Tarcísio Ferreira, da PUC-SP, a perguntar: “Se há uma rigorosa vigilância da
sociedade sobre o Executivo e o Legislativo, por que o Judiciário ficaria fora
disso? Se esse Poder nada deve, o que estaria temendo?” Ferreira arremata: “Os
juízes sabem que quem paga os seus salários é o povo.”
Carlos Ari Sundfeld |
Interpretações. O ponto nervoso do episódio, para o jurista
Carlos Sundfeld, são as vantagens remuneratórias desses magistrados. “Antes do
CNJ, esse assunto sempre ficou a cargo dos tribunais e eles foram construindo
suas interpretações da lei. Montou-se então um sistema vulnerável. A atual
rebelião nasce dessas circunstâncias - o medo dos juízes, que são conscientes
dessa vulnerabilidade.” Ao longo da semana, a temperatura da crise cresceu com
novos episódios, como a concessão de liminares para suspender investigações do
CNJ e a revelação de que ministros do STF poderiam estar entre os investigados
por supostamente terem recebido altos valores relativos a passivos
trabalhistas. Um duelo de notas de ministros e associações de juízes se seguiu
e integrantes do Supremo se dividiram entre o CNJ e seus críticos. Integrantes
e ex-integrantes do CNJ observaram que esse tipo de inspeção do Judiciário não
é novidade, mas ganhou intensidade porque desta vez está voltada para o maior e
mais poderoso Tribunal de Justiça do País, o de São Paulo. Dizendo-se indignada
“em relação às matérias jornalísticas” que implicavam o ministro Lewandowski, a
Associação Paulista de Magistrados contra-atacou no ato, avisando: “A direção
do TJ-SP franqueou à equipe do CNJ todas as informações pertinentes”. Eliana
Calmon ressalva que o temor de muitos magistrados pode resultar de um
desconhecimento da situação. “O Judiciário, como um todo, desconhece a
gravidade da situação (de corrupção). Quem conhece? A corregedoria, porque a
ela são encaminhados todos os males. Tanto que os corregedores (locais) estão,
em sua grande maioria, ao meu lado e sabem que existem denúncias muito graves.
A magistratura desconhece. Por quê? Porque a gente não fala. As investigações
são todas sigilosas.”
Maior tribunal do País, TJ-SP sempre foi desafio do CNJ
Eliana Calmon |
Com mais de 60% dos processos da Justiça brasileira, mais de
45 mil servidores e dois mil juízes, segundo números divulgados pela
corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, o tribunal de São Paulo era
tido no CNJ como um desafio já em administrações anteriores, quando o
presidente do órgão não era Cezar Peluso, ex-integrante do TJ paulista. “As
investigações patrimoniais começaram na época do ministro Dipp (Gilson Dipp,
ex-corregedor) e o problema só surgiu quando chegou a São Paulo”, resumiu
Eliana Calmon na quinta-feira. Segundo ela, o mesmo trabalho foi realizado em
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Amapá sem que houvesse
estardalhaço. “As inspeções são uma rotina”, acrescentou um ex-integrante do
CNJ. A inspeção do CNJ em São Paulo começou após o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) ter informado a existência de 150 transações
atípicas, superiores a R$ 250 mil anuais.