A imprensa livre também sofre na Argentina de Cristina
Kirchner.
Policiais argentinos ocuparam nesta terça-feira a sede da
emissora Cabletelevisión no bairro de Barracas, em Buenos Aires, em uma ação
praticamente sem precedentes. A empresa de televisão a cabo pertence ao grupo
Clarín. A ação ocorreu após uma ordem de busca e apreensão emitida pela Justiça
argentina com base em uma denúncia apresentada pela empresa concorrente
Supercanal, do grupo Vila-Manzano, alinhado com o governo de Cristina Kirchner.
Na manhã de hoje, mais de 50 policiais chegaram à sede da Cablevisión e da
Fibertel em companhia de funcionários da Justiça e câmeras do programa
pró-governo "6, 7, 8", do canal de TV estatal. A operação durou cerca
de três horas. Membros do Judiciário e policiais se retiraram do local depois
que os advogados da empresa reclamaram que eles não tinham jurisdição para tal
ação, embora não esteja claro quem ordenou a retirada da polícia, órgão
dependente do Ministério da Segurança. A equipe de policiais requisitava a
apresentação de documentos aos executivos da companhia e revistavam bolsas e
mochilas de todos os funcionários que chegavam à sede. A ordem de busca foi
emitida pelo juiz Walter Bento, da região de Mendoza, com base em uma denúncia
do Supercanal. O juiz também designou um interventor e coadministrador para a
emissora. De acordo com o "Clarín", o grupo de multimídia
Vila-Manzano, a que pertence o Supercanal, é um aliado fundamental do governo
argentino. Não foram divulgados detalhes sobre os motivos da denúncia. A
ocupação desta terça-feira é mais um capítulo da longa batalha que o governo de
Cristina Kirchner trava com a imprensa independente da Argentina.
PAPEL-JORNAL
Na última quinta-feira (15), a Câmara dos Deputados
argentina aprovou o projeto do governo federal que declara de "interesse
público" o papel-jornal, cuja única fábrica tem a participação do Estado
mas é controlada pelos jornais La Nación e Clarín, em conflito com a presidente
Cristina Kirchner. A iniciativa, que ainda seguirá para votação no Senado,
recebeu 134 votos a favor, 92 contra e 13 abstenções. O projeto busca
"assegurar para a indústria nacional a fabricação, comercialização e
distribuição regular e confiável da pasta de celulose para o papel de
jornal", tanto a pessoas físicas como jurídicas com domicílio no país. O
texto estabelece critérios de preços, comercialização e produção para atender à
demanda interna dos jornais, através de um aparato regulatório a cargo do
ministério da Economia. Atualmente, a empresa Papel Prensa, controlada pelo
Clarín (49%), La Nación (22%) e pelo Estado (27,46%) é a única fornecedora do
país de papel para jornal, com uma produção anual de 170 mil toneladas. Durante
o debate, a oposição denunciou que a lei faz parte de "uma longa série de
ações dirigidas a controlar os meios de comunicação". O projeto acendeu o
sinal vermelho na Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), cujo presidente
da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação, Gustavo Mohme, o qualificou
de "manobra do governo para controlar os jornais". A decisão é mais
um capítulo no confronto entre o governo e os jornais Clarín e La Nación, que
no ano passado foram acusados de crimes contra a humanidade por supostas
manobras para assumir o controle da Papel Prensa durante a última ditadura
militar na Argentina, entre os anos de 1976 e 1983.
SAIBA MAIS
A intenção do governo argentino de legislar sobre a
fabricação e a distribuição do papel para jornais e o estabelecimento da Lei de
Serviços Audiovisuais, que determina a abertura do setor, são algumas das
questões de disputa entre Cristina Kirchner e os donos dos principais jornais
do país. A fábrica Papel Prensa foi fundada em 1972 e adquirida pelos
principais jornais argentinos, "Clarín" e "La Nación",
durante a ditadura, fato que está sendo investigado pela Justiça por conta das
denúncias de que foram cometidas violações aos direitos humanos neste processo.
Para a Adepa (Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas), os últimos
dois anos foram os mais difíceis para os meios de comunicação argentinos desde
a retomada da democracia em 1983. A entidade alega que jornalistas e diretores
de meios de comunicação vêm sofrendo "danos pessoais e injúria" por
parte de funcionários ou setores ligados ao governo.
Informações do jornal FOLHA DE SÃO PAULO.