Ministra expõe ainda mais a crise do Judiciário ao afirmar
que acusações feitas por associações de magistrados e até por integrantes do
STF são reação corporativista
Mariângela Gallucci (reportagens) e Wilson Pedrosa (foto) - de O Estado de S.Paulo
A baiana Eliana Calmon na luta pela melhoria do Judiciário! |
BRASÍLIA - No mais recente capítulo do entrave que expôs a
divisão e o clima de guerra do Judiciário brasileiro, a corregedora nacional de
Justiça, Eliana Calmon, afirmou na quinta-feira, 22, que quase metade dos
magistrados paulistas esconde seus rendimentos e que por trás da crise está um
movimento corporativista para enfraquecer o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em resposta às associações de magistrados, ela disse que essas entidades são "maledicentes
e mentirosas". "Este é o ovo da serpente", disse. Eliana Calmon
negou que cerca de 270 mil pessoas estariam sob investigação do CNJ. Segundo
ela, em São Paulo foi descoberto que 45% dos magistrados descumpriram a
legislação que obriga os servidores públicos a apresentarem todos os anos sua
declaração de renda para que eventualmente ela seja analisada por órgãos de
controle, como o CNJ. Em Mato Grosso do Sul, ninguém entregou. Eliana Calmon
repudiou informações divulgadas pelas entidades dos magistrados de que cerca de
270 mil pessoas estariam sob investigação do CNJ. De acordo com a corregedora,
foram identificadas "bem menos" do que 500 transações atípicas
realizadas por integrantes do Judiciário, sendo que 150 delas foram detectadas
em São Paulo. "Como é que eu estou devassando 270 mil pessoas? Não há
mínima possibilidade de isso acontecer", afirmou. Ainda de acordo com a
ministra, o presidente do Supremo Tribunal Federa (STF), Cezar Peluso, e o
ministro Ricardo Lewandowski, não são investigados pela corregedoria do CNJ. No
passado eles integraram o Tribunal de Justiça de São Paulo e durante esta
semana chegou a ser divulgado que eles teriam recebido até R$ 700 mil relativos
a auxílio moradia não pago na época. "A folha de pagamento examinada é a
de 2009 e de 2010. Só. E os ministros do STF já não faziam mais parte do
Tribunal de São Paulo nessa época", disse Eliana. Além disso, a
corregedora observou que pela Constituição Federal o CNJ não pode investigar
ministros do Supremo.
Sigilos. Em nota divulgada na quarta-feira, 21, Peluso
sugeriu que magistrados tiveram seus sigilos quebrados. A ministra negou.
"Não houve quebra de sigilo fiscal ou bancário e muito menos devassa e
vazamento de informações sigilosas", garantiu a corregedora. Segundo ela,
as inspeções são realizadas há quatro anos e que apenas agora, quando a
vistoria foi feita em São Paulo, a Associação dos Magistrados Brasileiros
reclamou. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Amapá já passaram pelo
processo. "As investigações patrimoniais começaram na época do ministro
Dipp (ex-corregedor) e o problema só surgiu quando chegou em São Paulo",
afirmou. "Esse estardalhaço que estão fazendo de uma decisão eminentemente
técnica e que os senhores poderão acessar e verificar, isso é para tirar o foco
do que está realmente em jogo, que é a sobrevivência com autonomia do CNJ. Isso
é que o foco do corporativismo", disse. A ministra ganhou visibilidade e
contribuiu para organizar a reação quando disse que havia "bandidos de toga"
na magistratura. De acordo com a corregedora, nas inspeções os técnicos não
analisam transações bancárias. Ela disse que são examinadas as folhas de
pagamento e as declarações de Imposto de Renda. As apurações começam a partir
de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que
informa a existência de transações atípicas (no caso de desembargadores, são
consideradas as superiores a R$ 250 mil por ano). Eliana Calmon disse que não
conversou com Peluso e Lewandowski sobre a polêmica. "A questão está
judicializada. Eticamente não se deve questionar ou conversar como se fosse um
clube de amigos, disse, ressaltando que o tribunal terá de examinar o mérito de
uma ação movida pela AMB contra as investigações da corregedoria. As apurações
foram suspensas na segunda-feira por uma liminar concedida por Lewandowski.
Juízes pedem à PGR investigação sobre quebra de sigilo pelo
CNJ
Três associações de magistrados solicitaram ao
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, uma apuração sobre a suposta
violação de informações pela Corregedoria Nacional de Justiça
Três associações representativas de juízes
pediram nesta sexta-feira, 23, ao procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, que abra uma investigação para apurar o suposto vazamento de dados
sigilosos de juízes durante inspeção da Corregedoria Nacional de Justiça. "Os
fatos narrados estão a sugerir a possibilidade de ter ocorrido algum ilícito
penal que caberá a V. Exa, como titular da ação penal, promover a devida
apuração e eventual responsabilização", sustentam em uma representação
protocolada na sexta-feira as associações dos Magistrados Brasileiros (AMB),
dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Nacional dos Magistrados Trabalhistas
(Anamatra). As entidades afirmam que a Corregedoria estaria usurpando funções
investigativas que são da Polícia Federal e do Ministério Público ao realizar
as inspeções em tribunais. Segundo as associações, ocorreram quebras de sigilo
bancário e fiscal sem autorização judicial, o que seria ilegal. Para tentar
comprovar essa posição, as entidades argumentam que após o ministro Ricardo
Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), ter concedido na segunda-feira
uma liminar para suspender as investigações, surgiu uma notícia que confirmaria
o vazamento de dados. Essa notícia seria a informação de que o ministro estaria
na lista de investigados por ter recebido valores do Tribunal de Justiça (TJ)
de São Paulo. As associações insistem que ocorreu a quebra de sigilo de 216 mil
pessoas. Mas a corregedora, Eliana Calmon, afirma que não houve quebra. Segundo
ela, técnicos estariam analisando folhas de pagamento e declarações de bens
após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter detectado 150
transações atípicas realizadas por integrantes do TJ paulista. "Não pode
determinar ou promover a 'inspeção' das 'declarações de bens e valores' dessas
pessoas, porque tais declarações são sigilosas e não poderiam ser objeto de
qualquer exame por parte da Corregedora Nacional de Justiça ou de seus
auxiliares", acusa a representação. A reportagem do Estado entrou em
contato com a assessoria de imprensa do procurador-geral em Brasília para saber
quais providências ele tomará em relação à representação das associações de
juízes. No entanto, até o fechamento desta edição, ele não tinha se pronunciado
a respeito do assunto.