Primeira mulher a ocupar um cargo
de ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro, Eliana Calmon
Alves é uma jurista nascida em Salvador, Bahia. Ela ocupou uma cadeira no STJ
entre os anos de 1999 e 2013, onde foi corregedora-geral de Justiça e
diretora-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
Ministro Sálvio de Figueiredo (Efam).
Eliana Calmon - pré-candidata ao senado na Bahia pelo PSB/REDE |
Sua carreira no judiciário
começou em 1974, quando foi aprovada no concurso público para o cargo de
procuradora da República pelo estado de Pernambuco. Em 1976, foi para a
Subprocuradoria Geral da República. Tornou-se juíza federal após aprovação em
concurso público do ano de 1979 e atuou no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia
entre 1983 e 1984 e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) a partir
de 1989. No início de 2014 aceitou um novo desafio: o convite da Aliança
PSB-REDE como pré-candidata ao Senado pelo estado da Bahia. A ex-ministra
conversou conosco, contou um pouco da sua experiência como jurista, os desafios
de ser uma desbravadora num ambiente machista e suas perspectivas sobre a
política. Confira abaixo.
“Para mim, era um ideal
inatingível chegar ao Superior Tribunal de Justiça”
No início da década de 1980
estávamos ainda no governo militar e eu era Procuradora da República no
Ministério Público, que era quase que um “subórgão” do Ministério da Justiça.
Isso fazia com que o Procurador Geral, premido por interesses políticos,
fizesse determinações dentro do Ministério Público que o amesquinhava. Foi
quando resolvi que naquele lugar não haveria espaço pra quem é independente.
Resolvi sair e fazer o concurso para juiz federal. Passei, indo para a Bahia.
Com a Constituição de 1988, veio
a criação dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), e terminei sendo promovida
para o Tribunal da Primeira Região, em Brasília. Foi interessante, pois esse
tribunal era para a Bahia, coincidentemente meu estado de origem e onde eu
trabalhava há dez anos. Eu imaginava que viveria nesse tribunal por muito tempo
e acabaria me aposentando. Para mim, era um ideal inatingível chegar ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mas, a partir de 1989, com a
criação dos TRFs, fiz algumas críticas no tribunal que chamaram a atenção:
artigos denunciando alguns equívocos do poder judiciário de um modo geral, em
especial no TRF, onde eu estava vivendo algumas coisas que não aceitava. E isso
criou um certo mal-estar, pois meus colegas diziam que não se falava dos males
do poder judiciário. Eles queriam manter essa cultura do “abafa” que era normal
acontecer. Eu achava que isso ia me criar dificuldades se quisesse progredir na
carreira, mas continuei com meu posicionamento.
“Não foi difícil ser corregedora.
Eu já tinha uma ideia de que isso era necessário e imprescindível”
Fiquei no STJ por 14 anos. Fui
tudo o que tinha de ser dentro da sequência de antiguidade do tribunal,
inclusive corregedora nacional durante dois anos. É um cargo que tem sede
constitucional e tem a aprovação do Senado, fazendo com que o corregedor não
seja afastado sem autorização dos senadores. Essa é uma forma de proteger o
corregedor.
Para mim, não foi difícil ser
corregedora. Eu já vinha de uma ideia de que isso era necessário e
imprescindível. Emocionalmente eu já estava preparada. Antes da Corregedoria,
eu tive que investigar dois colegas meus dentro do STJ. Então já cheguei ao
cargo com certa bagagem. Foi uma surpresa pra mim, pois não esperava que o
poder judiciário estivesse tão desarrumado administrativamente. Existia uma
péssima gestão naquela época. Fui caminhando nesse sentido e terminei por
assumir o papel de Diretora Nacional da Escola de Formação de Aperfeiçoamento
de Magistrado (Efam).
“O poder judiciário se desgastou
muito, o que leva a sociedade a duvidar da sua credibilidade”
As pessoas não acreditam muito na
justiça em razão da insegurança jurídica, pelo tempo de espera, pelas respostas
que o judiciário dá, por que não existe previsibilidade de qual vai ser a
decisão… Isso causa uma instabilidade muito grande na relação com a população.
O poder judiciário se desgastou
muito, o que leva a sociedade a duvidar da sua credibilidade. E aliamos a isso
um número pequeno de magistrados que são visivelmente doentes pela corrupção,
graças a Deus uma minoria, mas que temos que combater com muita veemência, pois
se eles fugirem um pouco dessa investigação teremos um estrago muito grande
dentro do judiciário.
“Um conselho que dou a toda
mulher: invista na sua vida pessoal e lute pelos seus ideais”
Eu posso até dizer que quando
cheguei ao cargo de ministra, encontrei um STJ maduro para receber uma mulher.
Eles terminaram por atender muito bem essa parte, nunca me senti discriminada.
Se alguém quis me discriminar, eu nem olhei pra trás, pois eu tinha muita coisa
pra fazer. Não sei, não quero saber e vou seguindo o meu caminho. E esse é o
conselho que dou a toda mulher: invista na sua vida pessoal e lute pelos seus
ideais.
Fiz muito no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), por exemplo. Não me limitei só à atividade disciplinar. Tudo o
que pudesse melhorar o judiciário, eu fiz. E tudo aquilo que denegria a imagem
do judiciário, eu tentei retirar. Foi aí que chegou o caso dos aviões que
estavam espalhados pelo Brasil inteiro.
[Em seu mandato no CNJ, Eliana Calmon
relocou aviões apreendidos do tráfico de drogas, através do Programa Espaço
Livre – Aeroporto, para varas em todo o país. O funcionamento destas varas
estava ameaçado pela falta de transporte dos processos e dos magistrados. E, ao
contrário da afirmação de alguns, alegando que isso não é caso de Corregedoria,
é sim. O corregedor cuida da gestão do tribunal e isso eu fiz.
"Tudo o que
pudesse melhorar o judiciário, eu fiz. E tudo aquilo que denegria a imagem do judiciário,
eu tentei retirar."
“Eu só achava um sistema
partidário deficiente. Isso mudou quando eu recebi a visita da Marina”
Em primeiro lugar, quando
terminei minha gestão no CNJ, eu tinha conhecido as entranhas do poder
judiciário, tinha vivido dois anos em função política como arte de governar,
como corregedora, fazendo a política de gestão do judiciário, uma política
disciplinar do CNJ.
Foi quando eu voltei para o STJ,
para a atividade julgadora. Aí senti que eu não era mais a mesma. Aquele lugar
de julgar com serenidade, acreditando naquilo, me sentindo feliz em fazer
aquilo, não existia mais, não me cabia mais aquele lugar.
Foi então que comecei a fazer
sérias ponderações já pensando em uma aposentadoria. Mas aí os partidos
começaram a me convidar para ingressar neles pela notoriedade que eu tinha
assumido como corregedora. A princípio, repudiei. Não queria de maneira
nenhuma. Então comecei a me sentir um pouco fora do judiciário afetivamente.
Comecei a mudar de ideia por causa dos artigos e das coisas que eu lia. Foi
então que decidi que iria sentar pra conversar a respeito disso.
O problema é que quando eu
pensava em me filiar, não encontrava muita base e afinidade ideológica com os
partidos que me convidavam. Eu só achava um sistema partidário deficiente.
Isso mudou quando eu recebi a
visita da Marina. Ela ligou para o meu gabinete e a pedi para ela ir até minha
residência. Isso foi em 2013, na época que ela saiu do PV para criar a REDE. Eu
quis aprofundar a conversa. Comecei a me interessar e verificar, pelo fato de
ser magistrada, se a Rede Sustentabilidade ia ser oficializada ou não. Mas eu
já tinha algumas informações que dificilmente Marina conseguiria registrar o
partido.
“Os dois partidos que eu teria de
escolher se uniram e eu não tinha mais o porquê de me preocupar. Fui para o PSB
e lá encontrei Marina, filiada democraticamente.”
Quando eu perguntei para Marina
se ela tinha uma segunda opção, ela disse que não. Então eu, sabedora de que a
REDE dificilmente se oficializaria mediante o TSE, vi a possibilidade de sair
candidata pelo PSB. A minha relação com o PSB é de uma ideia romântica, pelo
partido ser fundado na Bahia pelas mãos de João Mangabeira. Isso só se acentuou
com uma visão muito positiva que construí de Eduardo Campos.
Coincidentemente, trabalhei com
ele quando fui corregedora. No seu governo em Pernambuco, Eduardo solicitou à
Corregedoria que desse um jeito em Jaboatão dos Guararapes, pois estava havendo
muitos crimes de mando e ajustiça não estava dando respostas. Ele me deu todos
os meios necessários para que eu tomasse as correções devidas. Senti uma grande
simpatia pela forma transparente e aberta com que ele nos tratou. Mas na época
nem pensava num envolvimento partidário.
Quando veio ideia de me
candidatar, me lembrei desse fato. Aí foi quando eu decidi partir para o PSB,
mas só intimamente. Logo depois veio a situação da REDE não se oficializar e se
unir ao PSB. Eu sorri e disse que o destino resolveu por mim. Os dois partidos
que eu teria de escolher se uniram e eu não tinha mais o porquê de me
preocupar. Fui para o PSB e lá encontrei Marina, filiada democraticamente.
Marina me impressionou muito. E
até hoje me impressiona muito. Eu vejo Marina Silva quase como uma entidade.
Ela é uma pessoa de convicções tão fortes que termina passando isso pra gente.
Eu, por exemplo, olho a forma como ela diz que tem que ser feita a política e
não acho possível que aquilo possa dar certo. Mas quando eu converso com ela
saio convicta de que é aquilo que tem que ser feito. Hoje eu já me acostumei
com essa forma dela direcionar a política e já estou aderindo as suas ideias.
Concordo quando ela diz que não
estamos aqui para vencer as eleições. Vamos fazer tudo para vencer, mas não é
isso que importa, porque, de qualquer forma, nós já vencemos. Nós estamos aqui
para abrir e ensinar um caminho, porque só assim a gente pode mudar esse estado
de coisas.
Eu achei maravilhosa [a união
entre a Marina e Campos] porque ela termina contendo um pouco com o ímpeto do
jovem Eduardo Campos. E eu tenho essa compreensão, pois também tenho essa
ansiedade de resolver as coisas.
Marina é absolutamente perfeita
na manutenção do discurso, em razão de se manter fiel ao que acredita. E acho
que a filiação democrática ao PSB é interessante para a REDE. O PSB é um
partido estruturado, que tem mais de 60 anos com um passado ilustre e limpo,
com gente da melhor qualidade. Essa união foi muito bem feita.
“Para enfrentar o Otto Alencar,
cito a passagem bíblica do Davi e do Golias. Eu sou Davi.”
É um grande desafio ser
pré-candidata ao Senado. A política baiana é difícil. São 417 municípios, a
grande maioria são pequenos e muito pobres, fazendo com que o governo seja a
grande alavanca eleitoral, com um braço muito ativo dentro do estado. E isso é
o que favoreceu a criação desses guetos onde as pessoas ficam reféns da
situação. O governo sempre vence. Foi assim com o Antônio Carlos Magalhães
[ex-governador e ex-senador baiano] por mais de 40 anos. E agora o PT está há
mais de 10 anos, pois seguiu as mesmas pegadas.
Além disso, em razão desse
fisiologismo da política governamental, existe um recuo dos novos
representantes. São políticos de carteirinha, figuras carimbadas, que fazem a
mesma política há 70 anos. Desde que eu era criança os problemas não se
consertam e tudo é feito pra não se consertar. É pra manter isso. É um diálogo
miúdo, onde se faz a uma política quase de comadre e compadre, onde não se
discute teses políticas.
Eu sempre me perguntava: como é
que a gente vai vencer o poder econômico? A máquina toda está à disposição do
poder econômico. E Marina sempre me disse que vamos fazer diferente. Vamos
fazer com a militância, vamos fazer com os recursos que temos, com a
arrecadação das pessoas que acreditam na gente. A gente vai mostrar que é assim
que se faz. Eu tenho dito isso sempre desde então.
Para enfrentar o Otto Alencar
[vice-governador da Bahia e candidato ao Senado pelo PSD, com o apoio do PT],
que é poderoso e está com a máquina toda com recursos, eu cito a passagem
bíblica do Davi e do Golias. Eu sou Davi.
Do portal da Rede Sustentabilidade.