O ministro do Supremo defende as investigações do Conselho
Nacional de Justiça sobre os Tribunais dos Estados
Eumano Silva e Leonel Rocha - da revista ÉPOCA.
SEM PRECONCEITOS: O ministro Dias Toffoli, na biblioteca de sua casa em Brasília. Ele diz que o Supremo agora se preocupa mais em garantir os direitos dos cidadãos (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA) |
Aos 44 anos, o ministro José Antonio Dias Toffoli é o mais
jovem integrante do Supremo Tribunal Federal. Sua presença na mais alta corte
de Justiça do país se tornou um dos símbolos das mudanças no Judiciário que
tornaram possíveis decisões, impensáveis no passado, como a aprovação da união
civil entre pessoas do mesmo sexo. “O Supremo não tem preconceitos”, diz Dias
Toffoli. Na polêmica em torno dos poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
Dias Toffoli se alinha com os defensores da atuação do órgão no combate a
abusos cometidos por juízes e desembargadores. Ele diz que é a única maneira de
evitar que as cúpulas dos Judiciários locais barrem as investigações das
omissões e irregularidades. Toffoli se sente à vontade ao falar sobre a
questão, sem parecer que está antecipando o voto, por já ter tomado uma decisão
sobre o assunto no julgamento de um mandado de segurança.
ÉPOCA – O que estará em jogo no julgamento que o Supremo vai
fazer em fevereiro sobre os poderes do Conselho Nacional de Justiça?
Dias Toffoli – O CNJ foi criado para trazer para o âmbito da
nação a análise do funcionamento dos Judiciários estaduais. Há duas grandes
questões a ser decididas em razão das liminares proferidas (pelos ministros
Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski). A primeira é se a gestão do
Judiciário e a investigação de seus quadros devem ser feitas pelo Judiciário
local ou, também, pelo CNJ. Sobre esse tema, fico à vontade para falar sem
parecer que estou antecipando meu voto, porque já me manifestei na decisão de
um mandado de segurança. Penso que o CNJ subtrai das elites judiciais locais a
decisão final sobre a administração, a gestão e a correição do Poder
Judiciário. O CNJ pode atuar se houver, por exemplo, suspeita de venda de voto.
A outra decisão diz respeito a acesso a informações de caráter sigiloso: se
podem ser transferidas de uma instância pública para outra instância pública ou
se elas só podem ser transferidas com a mediação de um juiz.
ÉPOCA – A corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon, disse
que existem “bandidos de toga”. O que o senhor acha disso?
Toffoli – Vejo nessa frase o uso da retórica para chamar a
atenção para algo que pode existir. Já fui advogado, hoje sou juiz e posso
dizer que nunca deparei em minha vida profissional com um juiz desonesto. Atuei
em situações adversas. Por exemplo, atuei em casos contra advogados filhos de
ministros (do Judiciário) e ganhei as causas. O que resolve o problema é
investigar, fazer o devido processo legal e punir de modo que as decisões
depois não caiam na (instância superior da) Justiça. O importante não é sair
alardeando “fiz isso, vou fazer aquilo”. O importante é fazer e fazer bem
feito. Frase de efeito não resolve nada.
ÉPOCA – A Constituição diz que o CNJ deve agir “sem prejuízo
da competência disciplinar e correcional dos Tribunais”. Isso não limita a
atuação do CNJ?
Toffoli – Penso que a competência é concorrente. Pode haver
a investigação simultânea da Corregedoria local e do CNJ. O CNJ atua nos casos
mais sensíveis, quando eventualmente o Judiciário local estiver envolvido.
ÉPOCA – O ministro Luiz Fux trabalha numa proposta
intermediária, em que os Judiciários locais teriam um prazo antes de o CNJ
começar a investigação. Essa ideia não resolve o problema?
Toffoli – Não acho necessário. O que o CNJ não pode é deixar
de proceder dentro das regras do jogo. Não pode fazer um processo
administrativo que não respeite o devido processo legal.
ÉPOCA – A composição do Supremo teve muitas mudanças nos
últimos anos. Qual a importância dessas alterações nas decisões tomadas pelo
Tribunal?
Toffoli – A Constituição de 1988, feita na transição
democrática depois da ditadura, era uma Constituição nova com um Supremo velho.
O contraponto foi aumentar os poderes do Ministério Público de uma forma jamais
vista em qualquer país. Só que o MP, da maneira como se organizou, com cada
membro sendo uma instituição, não se mostrou apto a dar efetividade à
Constituição. O Supremo vindo da época dos militares tinha a visão de que o
Judiciário não podia entrar nas áreas do Executivo e do Legislativo. Isso só
mudou com as nomeações de ministros do Supremo pelos presidentes eleitos pelo
povo. O Supremo julgou, por exemplo, que a Justiça pode decidir que o Estado
deve garantir a pacientes acesso a tratamento de saúde ou a medicamento, em
caso de omissão. Isso, na época dos militares, era interpretado como uma
invasão do Judiciário no orçamento de outro Poder. Podemos dizer que o Supremo
agora é mais garantista e social, no sentido de garantir os direitos dos
cidadãos.
ÉPOCA – O STF vai decidir neste ano se o uso de drogas é
crime ou se deve ser tratado como um direito individual. O Supremo pode
autorizar o consumo de drogas hoje consideradas ilegais?
Toffoli – Ainda não firmei convicção sobre o tema. Algumas
questões como aborto e uso de drogas ainda são tabus na sociedade, mas o
Supremo não tem preconceitos. Do ponto de vista do Estado, a grande questão é
refletir se as políticas do Executivo e do Legislativo para combater as drogas
são eficazes. Ao Judiciário cabe analisar se essas políticas são compatíveis
com os direitos individuais do cidadão. A criminalização é compatível com o
direito individual de alguém usar ou não uma substância entorpecente? É compatível
ou não com uma mãe não querer ter uma criança?
ÉPOCA – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lidera uma
campanha pela descriminalização do uso da maconha. As opiniões dele podem
influenciar a decisão do Supremo?
Toffoli – É evidente que isso ajuda a quebrar o tabu. O tema
entrou na pauta, deixou o Supremo mais à vontade para debater se o consumo de
droga é ou não crime.
ÉPOCA – Deixou de ser assunto de maconheiro, então?
Toffoli – Deixou de ser uma maluquice.
ÉPOCA – Foi isso que aconteceu no caso da aprovação da união
civil entre pessoas do mesmo sexo?
Toffoli – Sim. O voto do relator do caso, o ministro Ayres
Britto, mudou a opinião de alguns ministros, e a decisão foi unânime.
ÉPOCA – As trocas de governo provocam mudanças nas relações
com o Judiciário?
Toffoli – Sobre o governo Dilma, não posso falar muito
porque ainda está no início. Mas posso dizer que os presidentes Fernando
Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula demonstraram enorme
respeito pelo Judiciário. Collor cumpriu todas as decisões do Judiciário e saiu
por um impeachment sem recorrer a alguma tentativa de se manter no poder que
não fosse da regra do jogo. Então, desde a Constituição de 1988, há uma
tradição no Poder Executivo de dar cumprimento às decisões judiciais.
ÉPOCA – O que mudou em sua vida depois que entrou para o
Supremo?
Toffoli – É evidente que o cargo limita muito a vida
pessoal. Hoje, penso duas vezes antes de ir a certos lugares, porque você está
sempre sujeito a críticas.
ÉPOCA – O senhor foi criticado por ter ido ao casamento do
advogado Roberto Podval na Itália (com as despesas de hotel pagas). O senhor
tirou alguma lição desse episódio?
Toffoli – Ele é meu amigo há mais de 20 anos, de meu tempo
de faculdade. Essa amizade não influencia em nada em meus julgamentos em que
ele é advogado. Tanto que houve um caso, defendido por ele e julgado na
primeira turma, em que votei com a maioria, por três a dois, que negou o habeas
corpus para o cliente dele. Isso não interfere nas convicções, porque, senão, o
juiz não poderia ter família, não poderia ter amigos, teria de ficar recluso
num convento de Carmelitas Descalças.