Estado possui 82 municípios
entre os 500 piores na gestão das contas. O que o estudo não mostra é quanto o
nível de corrupção influencia na qualidade da administração.
Victor Albuquerque – do CORREIO
victor.silva@redebahia.com.br
Pelo menos 90% dos municípios
baianos não sabem administrar seus recursos financeiros. É o que aponta o
Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado ontem, pela Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Baseada em dados de 2006 a 2010, a
pesquisa afirma que 82 das 374 cidades baianas investigadas estão entre as 500
piores do país - um quinto das prefeituras (ver tabela ao lado).
Os elevados gastos com pessoal
e a dificuldade na administração dos restos a pagar, além dos investimentos
reduzidos explicam os péssimos resultados da Bahia, conforme o levantamento.
“As médias dos índices de liquidez, gastos com pessoal e investimentos dos
municípios baianos indicam uma situação difícil”, diz o relatório.
A constatação da Firjan não
surpreende o consultor de gestão pública Luis Otávio Borges. “Moramos, de fato,
em um estado pobre”, afirma. Para ele, a eficiência da máquina pública é
comprometida por fatores como informalidade, corrupção, tráfico de influência
e, em alguns casos, falta de vontade política.
Borges justifica que no quesito
de gestão de pessoal, por exemplo, em boa parte dos municípios baianos o poder
público é o grande empregador da região. “Com isso, mais de 50% da arrecadação
é comprometida com pagamento de pessoal, o que diminui os investimentos”.
Neste aspecto, diz o consultor,
o ideal seria a redução dos gastos, para que se aumentasse a verba de
investimentos, gerando,
consequentemente, mais emprego e renda para a população. “Mas não se pensa, por
exemplo, na profissionalização do serviço público. Cada um [prefeito] quer
colocar nos cargos pessoas do seu time. Este modelo é falido”.
Para o presidente da União dos
Municípios da Bahia (UPB), Luiz Caetano (PT), prefeito de Camaçari, outro grave
problema enfrentado pelos municípios é a inadimplência. “Muitos acumulam
dívidas de gestões anteriores e ficam na pendenga”.
Além disso, ele aponta que a
maioria dos municípios não tem arrecadação própria e dependem, basicamente, do
repasse do estado e da União. “É uma questão de crise mesmo. Os municípios são
deficitários. As despesas acabam ultrapassando o teto e ele se torna
ingovernável”, ressalta.
Tanto Caetano quanto o
consultor Borges concordam que, para reverter esse quadro, será preciso uma
reforma tributária. “É preciso ajustar a base de cálculo. A divisão dos
impostos é muito injusta. Enquanto o estado arrecada com o Imposto Sobre
Circulação de Mercadorias (ICMS), sobram as migalhas para o município”, diz
Borges.
Metodologia
Para chegar ao índice que
classifica a gestão fiscal de cada município, a Firjan utilizou dados oficiais,
declarados à Secretaria do Tesouro Nacional. O indicador considera cinco
quesitos: receita própria, referente à capacidade de arrecadação; gastos com
pessoal; liquidez, que verifica a relação entre o total de restos a pagar
acumulados no ano e os recursos disponíveis para cobrí-los; os investimentos
municipais; e o custo da dívida, que avalia o comprometimento do orçamento com
o pagamento de juros e amortização de empréstimos contraídos.
Salvador é mau exemplo de
gestão fiscal, diz estudo
No ranking estadual, entre os
10 melhores desempenhos (ver tabela acima), os municípios se destacaram por ter
apresentado elevado nível de investimento: nove dos 10 primeiros colocados
tiveram resultados muito próximos à nota máxima (0,8001). Em primeiro lugar no
estado e em 68º no ranking nacional, Jaborandi, no oeste da Bahia, foi o único
com conceito A, sendo exemplo de sucesso, mesmo com receitas próprias baixas.
Na outra ponta do ranking,
entre os 10 piores índices, chamaram atenção os nove zeros no IFGF Liquidez,
que foi o caso, por exemplo, de Ibirataia, que ficou com o pior resultado do
estado. Além disso, outros sete tiveram zeros no IFGF Gastos com Pessoal, entre
eles Ibicaraí e Canavieiras. Os números indicam que em 2010 nove cidades
terminaram o ano com mais restos a pagar do que dinheiro em caixa e sete
ultrapassaram o limite de 60% da receita líquida. Por sua vez, Salvador também
não obteve bom resultado.
A capital baiana ficou na 23ª
posição entre as capitais brasileiras; na 136ª no ranking estadual; e em 3.373º
lugar na classificação nacional. De acordo com o estudo, o quadro negativo é
explicado pelos baixos índices de investimento e custo da dívida, além da nota
zero em liquidez. “A capital baiana é um exemplo de que ter elevada geração de
receitas próprias não é garantia de uma boa gestão fiscal”, aponta o estudo. Da
mesma forma que Salvador, as outras maiores cidades do estado - Feira de
Santana, Vitória da Conquista, Camaçari e Juazeiro - apresentaram dificuldades
na gestão fiscal. A única com boa gestão entre os cinco maiores (conceito B),
Camaçari se destacou devido aos baixos gastos com pessoal e boa administração
de restos a pagar.
“Conseguimos eficiência nos
gastos, principalmente, com a profissionalização de nossa equipe técnica",
destacou o secretário da Fazenda de Camaçari, Paulo Cézar, que afirmou que o
município estuda maneiras de aumentar a receita com a revisão de alguns
impostos. O CORREIO entrou em contato com a Secretaria Municipal da Fazenda de
Salvador, mas o secretário Joaquim Bahia não foi localizado para comentar o
desempenho ruim da capital no ranking de gestão fiscal.
Norte e Nordeste: menores
índices
O estudo da Firjan mostra que
as regiões Sul e Sudeste do país concentram os municípios com melhor qualidade
de gestão fiscal, com 81 cidades entre as 100 melhores do Brail. Do lado
oposto, aparecem o Norte e o Nordeste, com 93 municípios entre os 100 piores no
que diz respeito à eficiência orçamentária das prefeituras. O município de
Santa Isabel, em Goiás, lidera o ranking nacional como a cidade com melhor
eficiência na gestão fiscal: 0,9747 pontos.
O estado de São Paulo tem mais
seis municípios entre os 10 melhores. Lista esta em que Paraná, Minas Gerais e
Pará também têm representantes. As cidades do Nordeste predominam na lista dos
10 piores resultados. No ranking, em ordem decrescente, estão Pindoba (AL),
Porto da Folha (SE), Conceição (PB), Lagoa de Dentro (PB), Buerarema (BA),
Teixeira (PB), Conselheiro Mairinck (PR), Ibirataia (BA), Piaçabuçu (AL) e Ilha
Grande (PI), com a pior gestão do país.
A região Sul aparece como
grande destaque do IFGF, no levantamento, respondendo por quase 47,6% dos 500
melhores resultados em 2010. O percentual é duas vezes superior à sua
representatividade em número de municípios (22,3%). O diferencial da região Sul
foi o menor enrijecimento das contas públicas com a folha de salário, o que
abriu mais espaço para os investimentos.
Situação é crítica em 65% do
Brasil
A situação fiscal é “difícil”
ou “crítica” para quase 65% dos municípios brasileiros, enquanto a excelência
na gestão está restrita a 2% das cidades do país. Segundo o estudo da Firjan,
83% de 5.266 municípios, do total de 5.565 existentes hoje no país — não
consegue gerar nem 20% da receita de seu orçamento. E só 83 prefeituras, 1,6%
do total, conseguem pagar a folha de pessoal com dinheiro próprio.
As outras 98,4% precisam de transferências da União e dos estados. “Existe uma dependência crônica dos repasses de outras esferas do governo. A maioria dos municípios não tem consciência dos recursos e fica difícil se programar”, afirmou Gabriel Pinto, da gerência de Estudos Econômicos da Firjan. De acordo com ele, este é um fato preocupante porque cidades com frágil sistema de gestão caminham eventualmente para a “falência”. Entre as capitais, apenas sete ficaram entre os 500 melhores resultados. Porto Velho (RO), Porto Alegre (RS) e Vitória (ES) foram as únicas avaliadas com excelência, seguidas por São Paulo (SP), Curitiba (PR), Campo Grande (MT) e Florianópolis (SC). Os três piores resultados foram de Natal (RN), Macapá (AP) e Cuiabá (MS).