VANESSA CORREA – da FOLHA DE
SÃO PAULO
Sob sol forte, um homem passou
20 horas caído na calçada do pequeno pronto-socorro da Barra Funda, à vista de
todos os funcionários do lugar, sem ser atendido.
Miguel Centurion padeceu por 20 horas em frente a um pronto-socorro |
Miguel Centurion, 37, é morador de rua, como o
homem que morreu em abril do ano passado na frente do mesmo pronto-socorro,
depois de passar o fim de uma tarde e uma noite inteira na calçada. No
pronto-socorro Álvaro Dino de Almeida, um atendente disse que o local não pode
pegar pessoas da via. Ele afirma que pacientes que estejam na rua precisam chegar
com o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Fernando Nascimento, 33,
que mora ao lado do pronto-socorro, diz que ligou para o Samu para pedir que
levasse o homem até dentro da unidade. A resposta foi negativa, porque o
paciente estava no local de destino. O mesmo problema ocorreu no ano passado. Uma
funcionária do Samu, que levava outro paciente ao local, disse que "é um
absurdo ter que chamar uma ambulância para pegar um homem que está na porta do
pronto-socorro". O porteiro do prédio ao lado, Gilvan José dos Santos, 34,
diz que pela manhã pediu a um dentista da unidade, que fumava na calçada, para
tentar ajudar o homem. Mas, segundo Santos, o dentista disse que seria melhor
dar gasolina para ele. Por falta de interesse da equipe da unidade, Miguel só
foi atendido às 16h26, quando a reportagem da Folha, ao se passar por moradora
do bairro, disse que ficaria responsável por ele. Ao ser questionado pela
equipe médica, ainda na calçada, se gostaria de receber atendimento, Miguel
acenou que sim com a cabeça, o único movimento que conseguia fazer. Ele também
não era capaz de falar. Os enfermeiros colocaram o paciente na cadeira de
rodas, sem antes checar se ele tinha fraturas e com o único cuidado de colocarem
luvas neles próprios. Miguel gemeu muito de dor e não tinha forças para ficar
sentado. Segundo funcionários do pronto-socorro, ele já havia sido atendido no
dia anterior, com fraqueza e inapetência, mas depois foi liberado. Procurada, a
Santa Casa de Misericórdia, gestora do local, não respondeu ontem por que o
homem não foi atendido. A Secretaria Municipal da Saúde afirma que irá apurar
as responsabilidades. A reportagem tentou encaminhar Miguel para atendimento
social. Não conseguiu. Os Cras (Centros de Referência em Atendimento Social) só
funcionam em dias úteis, assim como a assistência social do pronto-socorro.