Sete anos depois da denúncia, o
mensalão deve ser finalmente julgado este ano pelo STF. O resultado pode
representar um marco na luta contra a impunidade no País e mudar o sistema de
financiamento das campanhas políticas
Claudio Dantas Sequeira – da ISTOÉ
- Edição: 2199.
O ministro Joaquim Barbosa é o relator de um dos mais importantes processos da história do STF. |
O ano 2012 reserva um capítulo
especial na vida política do País. Quase sete anos depois de vir à tona, o caso
do mensalão, um dos maiores escândalos políticos da história do Brasil, deve ir
a julgamento. Nunca antes tantas autoridades de tão grosso calibre correram
risco real de ser condenadas pelo Supremo Tribunal Federal. A depender do
resultado, o julgamento do mensalão pode tornar-se um marco na luta contra a
corrupção e a impunidade. A sentença a ser proferida pelos ministros do STF
também terá o poder de definir como será o sistema de financiamento das
campanhas eleitorais daqui para a frente.
Por tudo o que está em jogo, o
clima no STF não anda nada bom desde 2009, quando os ministros Joaquim Barbosa
e Gilmar Mendes trocaram acusações publicamente. Por detrás das togas, o que se
vê é um poderoso jogo de pressões, cujos reflexos vieram à tona na segunda
semana de dezembro. Especialmente após declarações feitas pelo ministro Ricardo
Lewandowski de que teria pouco tempo para revisar o caso e alguns crimes
acabariam prescrevendo. A afirmação levou o ministro Joaquim Barbosa a anunciar
a conclusão do relatório sobre a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da
República contra 36 réus, entre políticos, empresários, funcionários públicos e
assessores. Eles são acusados de integrar o que o então procurador-geral,
Antonio Fernando Barros, chamou de “sofisticada organização criminosa”,
responsável por operar um esquema milionário de pagamento de propinas a
parlamentares usando dinheiro público. Ainda em reação a Lewandowski, o presidente
do STF, Cezar Peluso, determinou a distribuição imediata do relatório de
Barbosa aos demais integrantes do tribunal, o que o ministro relator considerou
um “lamentável equívoco”. Segundo ele, os autos teriam sido digitalizados há
quatro anos e, desde então, estavam disponíveis a todos os ministros. Como se
vê, o Supremo vai precisar de mais paz e menos vaidades para julgar um dos
principais processos da sua história.
De toda forma, concluído o
relatório, Barbosa continua a elaborar seu voto, no qual deverá apontar as
responsabilidades de cada um dos réus no episódio e pedir as devidas punições.
A partir da entrega do voto, caberá a Lewandowski, como revisor, avaliar se a
tramitação do processo obedeceu a todas as etapas previstas na legislação e se está
pronto para ir ao plenário da corte. Enquanto Barbosa acredita ser possível
julgar o caso a partir de abril ou maio, Lewandowski considera difícil que isso
ocorra no primeiro semestre, por causa do grande volume de informações a serem
estudadas por todos os ministros. Ele mesmo só poderá se dedicar ao caso após
deixar a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral em abril. Ainda assim, a
expectativa é de que o julgamento se estenda por várias semanas, invadindo o
período eleitoral – tudo o que o PT mais temia. “Se houver uma grande
quantidade de condenações de membros do PT, isso pode manchar um pouco a imagem
da legenda e interferir no resultado eleitoral de outubro”, avalia o cientista
político Antonio Lavareda. Desde que o STF aceitou a denúncia do Ministério
Público em 2007, a defesa dos principais réus do esquema tentou adiar ao máximo
o julgamento para conseguir a prescrição dos crimes. Contava-se ainda com a
possibilidade de que os ministros Cezar Peluso e Ayres Britto, cujos votos
devem ser pela condenação, ficassem de fora do julgamento. Os dois se aposentam
em 2012 e poderiam ser substituídos por magistrados menos rigorosos, aumentando
as chances de absolvição. Na estratégia para adiar o julgamento, a defesa de
alguns réus arrolou dezenas de testemunhas – algumas tiveram que ser ouvidas em
outros países. Tentou-se também desmembrar o caso, a fim de que alguns réus
fossem julgados em primeira instância, o que permitiria o uso de inúmeros
recursos e até evitar uma condenação definitiva. Mas nada disso deu certo.
No relatório do ministro
Joaquim Barbosa, de 122 páginas, ele detalha como funcionava o esquema de
desvio de recursos públicos por meio de licitações fraudulentas e empréstimos
fictícios. E aponta José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares como os
responsáveis por “organizar a quadrilha voltada à compra de apoio político”.
Eles respondem, nos autos, pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção
ativa. Conforme a denúncia, o esquema teria sido arquitetado durante as
eleições de 2002, a partir da aproximação com personagens obscuros, como o
publicitário Marcos Valério e executivos do Banco Rural – o mesmo usado em
fraudes no governo do tucano Eduardo Azeredo, em Minas Gerais. O caso só veio a
público com a divulgação de um vídeo, em 2005, em que Maurício Marinho, então
funcionário dos Correios ligado ao PTB, aparecia recebendo propina. Foi o que
levou o presidente da legenda, o ex-deputado Roberto Jefferson, a denunciar a
distribuição de dinheiro em troca de votos a favor do governo no Congresso. O
dinheiro era sacado na boca do caixa e transportado em malas. Todos os réus
negaram em seus interrogatórios ter cometido algum crime. Delúbio foi o único
que admitiu a prática de caixa 2 eleitoral, um crime menor que lhe daria no
máximo cinco anos de prisão.