Dos R$ 5 bilhões que o Ministério do Esporte destinou ao
esporte desde 2003, quando foi criado, R$ 881,08 milhões foram entregues a
convênios com prefeituras, municípios e ONGs, para o Programa Segundo Tempo - o
centro do escândalo de um suposto esquema de desvio de verbas que derrubou o
ministro Orlando Silva.
Boa parte desse dinheiro foi destinada a entidades
controladas pela PCdoB, partido de Orlando Silva e do sucessor, Aldo Rebelo, de
acordo com reportagens publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo desde fevereiro.
Uma das ONG, a Bola pra Frente, da vereadora Karina Rodrigues, do PCdoB de
Jaguariúna, recebeu R$ 27,83 milhões do Programa Segundo Tempo desde 2004. Em
2010, a entidade de Karina obteve R$ 12,97 milhões. Em 2011, com a sequência de
reportagens sobre o desvio de verbas, a Bola pra Frente saiu da planilha de
pagamentos do Ministério do Esporte.
De acordo com levantamento feito a pedido do Grupo Estado
pela ONG Contas Abertas, só em 2004 e 2005 os convênios para o Programa Segundo
Tempo não ultrapassaram a casa dos R$ 100 milhões ao ano. Em 2004, foram R$
44,4 milhões; em 2005, R$ 64,6 milhões. Já em 2006, ano em que Agnelo Queiroz
(então no PC do B, tendo migrado para o PT) deixou o Ministério do Esporte e
foi substituído por Orlando Silva, o Segundo Tempo recebeu R$ 109,9 milhões; em
2007, R$ 102,5 milhões; 2008, R$ 143,6 milhões; 2009, R$ 112,7 milhões; 2010,
R$ 184,9 milhões; e 2011, até 31 de outubro, R$ 118 milhões.
Levando-se em conta a sucessão de escândalos no Ministério
do Esporte, a presidente Dilma Rousseff suspendeu na última segunda-feira pelo
prazo de um mês os convênios com todas as ONGs. Só em 2011 mais de R$ 2 bilhões
foram destinados a esse tipo de entidade, a maioria sem licitação. Os contratos
terão de ser revistos em 30 dias. O pagamento às ONGs só voltará a ser feito
quando for atestada a regularidade da parceria. O ministro da Pasta terá de dar
o aval para a continuidade dos convênios, quando estes forem restabelecidos.
Depois das denúncias de irregularidades que levaram à saída
do ministro Orlando Silva, o Ministério do Esporte havia suspendido os
convênios com sete entidades responsáveis por ações do Programa Segundo Tempo,
sob a alegação de que elas descumpriram regras de parcerias. Mas isso só foi
feito depois das seguidas reportagens sobre os repasses a entidades fantasmas,
que declararam ter sedes em locais improváveis, como oficinas mecânicas ou
bares.
Uma análise nos termos dos convênios do Ministério do
Esporte mostra que diversos deles foram feitos da forma mais genérica possível.
Em 2010, por exemplo, foi fechado um com a Secretaria do Trabalho, Renda e
Esporte da Bahia, no valor de R$ 390 mil, que não explicita do que se trata nem
qual é o local em que será executado. Diz simplesmente: "Implantação e
modernização de infra estrutura (sic) para esporte recreativo e de lazer. a
definir".
Além desse aí fechado com a Bahia e com toda a verba já
liberada, os que se referem ao Segundo Tempo não têm nenhuma objetividade. Um
convênio assinado entre o Ministério do Esporte e a Prefeitura de Santana (AP)
no dia 31 de dezembro de 2009 - último dia do ano, quando todo mundo corre para
apresentar projetos e pegar o dinheiro daquele ano a tempo -, está escrito
nestes termos: "Implantação de núcleos do Programa Segundo Tempo no
município de Santana". O valor é de R$ 686,4 mil e já foi totalmente
liberado. O convênio termina no dia 10 deste mês.
Líderes do PCdoB receberam do Esporte via consultoria
Dois dirigentes do PCdoB receberam recursos públicos por
meio de uma empresa de consultoria, a Casa de Taipa Comunicação Integrada,
criada para atuar em projetos ligados ao Ministério do Esporte, comandado pelo
partido. Um dos donos da empresa é Júlio César Filgueira, ex-secretário do
ministério e filiado ao PC do B. Seu sócio, Oswaldo Napoleão Alves, é também do
partido e coordenador do núcleo de ensino e pesquisa da Escola Nacional da
legenda comunista. Em agosto, a empresa deles recebeu R$ 825 mil da
Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU) para cuidar da
promoção da candidatura de Brasília aos Jogos Mundiais Universitários -
conhecidos como "Universíade" - de 2017, dentro de um projeto
financiado pelo governo do DF e apoiado oficialmente pelo Esporte. A engenharia dos repasses e as relações entre
os envolvidos indicam a formação de um circuito fechado que começa nos
gabinetes apoderados pelo PCdoB na Esplanada e acaba na empresa dirigida pelo
quadros do partido. Em 2009, quando ainda estava no ministério, Filgueira
assinou dois convênios que somam pelo menos R$ 1,1 milhão com a mesma CBDU, que
viria a contratá-lo dois anos depois, agora com dinheiro do governo do DF, como
"consultor" por valor semelhante. Ele abriu a empresa de consultoria
em dezembro de 2009, dois meses depois de deixar o ministério, onde era responsável
pelo programa Segundo Tempo.
Delegação
Em agosto, o governador do DF, Agnelo Queiroz, e o
secretário nacional de Esporte Educacional do Ministério do Esporte, Wadson
Ribeiro, estiveram nos Jogos Mundiais Universitários de 2011, na China, para
defender a candidatura de Brasília para 2017. O ministério foi quem bancou a
participação da delegação CBDU no evento da China com R$ 2 milhões. Desde 2005,
pelo menos R$ 13,5 milhões do ministério foram parar na conta da entidade
desportiva. O repasse de R$ 825 mil para uma empresa de membros do PC do B num
projeto apoiado pelo Ministério do Esporte mostra, pela primeira vez, o vínculo
direto de integrantes do partido com o destino final de recursos públicos para
a área. Reúne também, num mesmo caso, a legenda comunista, o Ministério do
Esporte e Agnelo Queiroz, ex-ministro da pasta, ex-filiado ao PC do B e hoje no
PT. O episódio revela ainda que o partido pode ter montado um esquema não só
por meio de organizações não governamentais (ONGs), mas também com entidades desportivas.
O site do Ministério do Esporte registra uma foto de Wadson Ribeiro, Agnelo
Queiroz e Luciano Cabral (presidente da CBDU) com o chefe do comitê organizador
do evento na China em agosto. Na época, o secretário do Ministério do Esporte
ressaltou o desejo brasileiro de sediar os jogos de 2017. "O Brasil se
empenhará para fazer uma excelente apresentação de Brasília como candidata a
cidade-sede dos Jogos de 2017", disse Wadson. Ele só não contou que a
empresa escolhida para preparar a candidatura pertence a um de seus
antecessores no cargo. O policial militar João Dias Ferreira, autor das
denúncias que derrubaram Orlando Silva do ministério na semana passada, acusou
Filgueira de participar do esquema de desvios do programa Segundo Tempo.
Ferreira disse ter gravações que comprometeriam o agora consultor de
comunicação.
Sócios
Segundo dados da Junta Comercial, a Casa de Taipa tem sede
em São Paulo e capital social de R$ 10 mil. É formada por duas empresas: FN
Gestão Estratégica de Ativos e GEA Gestão Estratégica de Ativos. O contrato de
R$ 825 mil da Casa de Taipa com a CBDU, vinculado ao Comitê Olímpico Brasileiro
(COB), foi fechado no dia 8 de agosto. Três dias antes, a entidade desportiva
celebrou convênio de R$ 2,8 milhões com o governo do DF e, no dia 1.º de
agosto, recebeu R$ 2 milhões do Ministério do Esporte para custear a delegação
brasileira nos jogos da China, quando apresentaram a candidatura brasileira. A
Federação Internacional do Desporto Universitário (Fisu) programou para esta
semana uma vistoria em Brasília para avaliar suas pretensões em sediar os jogos
de 2017. O sócio de Filgueira na consultoria, Oswaldo Napoleão Alves, é figura
conhecida do PC do B paulista. Foi da comissão nacional de organização e do
comitê financeiro nas eleições de 2008. No diretório em São Paulo, é ligado ao
secretário nacional de Organização, Walter Sorrentino, este casado com Nádia
Campeão, presidente do PC do B em São Paulo e cotada para trabalhar com o novo
ministro do Esporte, Aldo Rebelo. Na semana passada, Orlando Silva deixou o
comando do Esporte após acusações de envolvimento em esquema de corrupção na
pasta. A crise envolveu os repasses do governo para ONGs para execução de
projetos sociais.
Concorrência
O presidente da Confederação Brasileira de Desporto
Universitário (CBDU), Luciano Cabral, disse que a Casa de Taipa Comunicação
Integrada foi escolhida por ter oferecido o menor preço numa concorrência.
Segundo ele, não há vinculação entre esse contrato e a participação do sócio da
empresa Júlio César Filgueira como diretor do comitê da candidatura de Brasília
à sede dos Jogos Mundiais Universitários de 2017.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo e de A
TARDE.