A Polícia Federal investiga por
que Camilo Capiberibe (PSB), do Amapá, precisa de tantas delas, em quatro
bancos, para movimentar seu dinheiro
MARCELO ROCHA – da revista
ÉPOCA
Cerca de 40% dos brasileiros
ainda não têm conta-corrente em banco. Na Região Norte, metade da população
enfrenta essa limitação. Situação muito diferente vive o governador do Amapá,
Camilo Capiberibe (PSB). Uma investigação da Polícia Federal descobriu que
Capiberibe aparece como titular de 35 contas bancárias. ÉPOCA teve acesso a
dados do Banco Central que mostram que Capiberibe concilia a administração do
Estado com a de contas-correntes, poupança e investimentos em quatro
instituições financeiras diferentes. Em cinco dessas contas, sua mulher,
Cláudia Camargo Capiberibe, é cotitular. A polícia ainda não sabe explicar por
que o governador mantém tantas contas para movimentar seu salário – de R$ 24
mil mensais.
A polícia chegou a Capiberibe
por acaso. Em setembro de 2010, 18 pessoas foram presas pela Polícia Federal no
Amapá durante a Operação Mãos Limpas. Entre elas estavam o então governador,
Pedro Paulo Dias (PP), e o ex Waldez Góes (PDT), acusados de corrupção, fraude
em licitações e lavagem de dinheiro. Na ocasião, Camilo Capiberibe era deputado
estadual. Entre o material apreendido pela polícia havia indícios de que
Capiberibe e alguns colegas desviavam recursos públicos. Eles apresentavam
notas fiscais da agência de turismo Martinica como se tivessem gastado com
viagens aéreas – e recebiam reembolso por isso. Após investigar a Martinica, os
policiais concluíram que as notas eram frias. Os investigadores afirmam que
viagens eram inventadas para que os deputados recebessem um extra dos cofres de
um dos Estados mais pobres do país. Entre 2010 e 2011, os deputados estaduais
amapaenses aumentaram de R$ 12 mil para R$ 100 mil mensais a cota para gastos
com viagens, alimentação e combustíveis. Para saber se Capiberibe embolsou o
dinheiro das passagens, a PF pediu – e a Justiça concedeu – a quebra do sigilo
bancário do governador. Foi aí que apareceram suas 35 contas.
Trecho de relatório da Polícia Federal, que pediu a quebra de sigilo bancário do governador do Amapá, Camilo Capiberibe |
Antigo território, só em 1991 o
Amapá passou à condição de Estado, com direito a governador, Assembleia
Legislativa e bancadas de deputados federais e senadores no Congresso Nacional.
Por falta de uma classe política própria, ganhou de saída uma oligarquia. Com a
imagem desgastada ao deixar a Presidência da República em 1990, o ex-presidente
José Sarney preferiu evitar a concorrência em seu Maranhão e elegeu-se senador
pelo Amapá. Sarney instalou um grupo político no Estado – faltava apenas uma
turma de adversários. A família Capiberibe assumiu o papel de oposição a
Sarney. Com um histórico de perseguido político e ambientalista, João
Capiberibe, pai do governador Camilo, foi eleito governador em 1994 e cumpriu
dois mandatos. Em 2002, foi eleito senador, ao derrotar Gilvam Borges,
candidato de Sarney. Sua mulher, Janete, mãe do governador Camilo, foi eleita
deputada. A disputa custou caro: João Capiberibe e Janete foram cassados,
acusados de comprar votos por R$ 26. Numa ação cheia de reviravoltas, João
Capiberibe perdeu a vaga para Borges. Mas não se deu por vencido. Em 2010, o
casal Capiberibe foi eleito novamente, enquanto o filho Camilo se tornou
governador do Estado. O domínio do Amapá pela família estava concretizado,
mesmo que, devido à Lei Ficha Limpa, Janete e João tenham assumido seus
mandatos com meses de atraso, após decisão do Supremo Tribunal Federal.
Comunicado enviado à Caixa Econômica Federal para que sejam fornecidas informações sobre a movimentação bancária do governador do Amapá, Camilo Capiberibe |
As suspeitas de irregularidades
sobre os Capiberibes não se limitam ao filho do governador. O Ministério
Público Federal no Amapá apura uma denúncia de que a casa onde o senador João
Capiberibe mora, em Macapá, lhe foi dada pela empresa Engeform. O imóvel foi
transferido a ele por José Ricardo Dabus Abucham – representante e irmão do
proprietário da Engeform. No período de João Capiberibe (1995-2002) no governo
estadual, a Engeform recebeu R$ 17 milhões por uma obra na área de saúde, orçada
no início em R$ 12,3 milhões.
Capiberibe nega a acusação e
afirma ter pagado R$ 300 mil pela casa, divididos em uma entrada de R$ 40 mil e
26 parcelas de R$ 10 mil mensais. Capiberibe apresentou a ÉPOCA recibos que,
segundo ele, comprovam a transação. Parte dos papéis não traz seu nome como
depositante. O governador Camilo Capiberibe também rebateu as acusações. Disse
a ÉPOCA, por intermédio de sua assessoria de imprensa, desconhecer ser objeto
de qualquer investigação da Polícia Federal. Ele disse ser titular de apenas
três contas-correntes e duas de poupança. Sobre as suspeitas envolvendo gastos
com passagens aéreas, afirmou que os recursos “foram empregados dentro dos
parâmetros legais, integralmente movimentados através de conta bancária,
declarados ao Imposto de Renda e utilizados segundo as resoluções da mesa
diretora daquela casa”.
Ao assumir seu mandato no
início do ano, o senador João Capiberibe fez um pronunciamento na Tribuna do
Senado. Anunciou que pediria uma audiência ao procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, sobre os desdobramentos da Operação Mãos Limpas – aquela que,
em 2010, prendeu dois governadores do Estado. “É urgente que a
Procuradoria-Geral da República e o STJ prestem contas dessa operação à sociedade
brasileira e, em particular, ao povo do Amapá”, disse João Capiberibe. Com sua
ampla atividade no sistema bancário, seu filho, o governador Camilo Capiberibe,
poderá ser um dos primeiros a ter de “prestar contas” à sociedade brasileira.
Trinta e cinco contas.