Privatização da gestão das vistorias veiculares no País é
considerada irregular pelo Ministério Público. O negócio que movimenta R$ 5
bilhões foi articulado pelo senador Ciro Nogueira
Claudio Dantas Sequeira – da revista ISTOÉ.
PADRINHO O senador Ciro Nogueira foi quem indicou o diretor do Denatran, Júlio Arcoverde |
Há sete anos, o PP controla o Ministério das Cidades. Mas o
partido não é homogêneo. Na lógica partidária de loteamento da pasta, o
Denatran tornou-se feudo do senador piauiense Ciro Nogueira. Toda resolução
emitida pelo órgão é antes discutida a portas fechadas num escritório de
advocacia em Brasília. No fim do ano passado, o senador teve um encontro com o
diretor do Denatran, Júlio Arcoverde, o ex-deputado Inaldo Leitão, o
coordenador-geral de informatização Roberto Craveiro e o lobista Gil Pierre
Herck, afastado em dezembro, após ISTOÉ denunciar que ele trabalhava em
benefício de ex-sócios e integrantes da Associação Nacional das Empresas de
Perícias e Inspeção Veicular (Anpevi). O objetivo da reunião era discutir a
evolução do processo de privatização das vistorias no País. Foram debatidas
estratégias para tornar a vistoria veicular também obrigatória para a emissão
do licenciamento anual dos veículos e maneiras de garantir o controle sobre a
administração de um negócio de legalidade suspeita e que movimenta R$ 5 bilhões
por ano, as chamadas UGCs, Unidades de Gestão do Cadastro Veicular.
O negócio, questionado pelo Ministério Público e alvo de
investigação da Polícia Federal, foi idealizado no início da gestão do PP nas
Cidades e posto em prática a partir da publicação da resolução 282, de 2008,
que passou à iniciativa privada a competência para a realização de vistorias –
antes exclusivas dos Detrans. Para a gestão dos laudos de vistoria, foi criado
um sistema operado pelas UGCs, que passaram a agir como intermediárias entre as
empresas de vistoria e o Denatran. Hoje, para a empresa de vistoria operar ela
precisa estar credenciada à UGC, que cobra uma taxa pelo acesso ao banco de
dados do Renavam. O problema é que, ao criar as UGCs, a turma de Ciro Nogueira,
além de não ter recorrido à licitação, como previsto em lei, numa canetada
concedeu a um grupo seleto de cinco empresas o direito de comercializar
informações do poder público.
Os atos administrativos que criaram as UGCs são questionados
na Justiça Federal em vários processos movidos pelo Ministério Público, Detrans
e sindicatos de despachantes. Numa ação acolhida pela Justiça Federal em Minas
Gerais, por exemplo, o procurador Tarcísio Henriques Filho exige a suspensão
das vistorias em território nacional e a intimação da cúpula do Denatran. Alega
que vistoria é “exercício do poder policial” e deveria continuar sendo prestado
pelos Detrans. O Tribunal de Justiça do DF, em decisão da Quarta Turma Cível,
questiona também a concessão do serviço às UGCs sem licitação. Em outra ação
que corre na Justiça Federal do DF, o advogado Everton Calamucci, presidente da
Federação Nacional dos Despachantes, denuncia que haveria uma única UGC
vendendo o acesso a outras quatro. As suspeitas recaem sobre a Oxxy.Net, conhecida
no mercado pelo nome AutoConsulta. Ela foi credenciada no ano passado junto com
as empresas Compuletra, Praxis, Otimiza e TAN.
A PF tem informações de que a Oxxy teria o lobista Gil Herck
como sócio oculto. Um “termo de compromisso” foi assinado em 8 de dezembro de
2008 entre Herck e os empresários Humberto Celina, Vagner Caovila, Marciano
Nascimento e Carlo Cigna. Um mês depois, foi constituída no número 404 da rua
Sete de Abril, em São Paulo, a Oxxy.Net Consultoria. Curiosamente, no mesmo
endereço funcionam a Oxxygenium Digital Technologies, que desenvolve a
plataforma usada pela Oxxy para credenciar as empresas de vistoria, e as
empresas ClickConsult e ClickAuto. Esta tem como sócios Caovila, presidente da
Anpevi e advogado de Herck, e a empresa Checkauto Informações Veiculares,
investigada pela PF por venda de dados do Renavam. Apesar de estar na mira do
MP, Ciro Nogueira garante que não participa de encontros em escritórios de
advocacia e que só passou a ter influência no Denatran com a nomeação de Júlio
Arcoverde. “O antecessor era da cota do
Mário Negromonte. As investigações são da gestão deles.”