Como chegamos a este ponto?
É inaceitável que policiais militares transformem os
cidadãos em reféns. A anarquia nos quartéis deve ser combatida com firmeza
pelas autoridades
TERRORISMO Policiais militares exibem armas em salvador depois de sequestrar ônibus e fechar avenida. A delinquência dos PMs não pode ficar impune (Foto: Almiro Lopes/Correio-BA) |
Às vésperas do Carnaval, estabeleceu-se um ambiente de
anarquia nos quartéis das polícias militares, mais adequado a blocos que
invadem as ruas do que a corporações onde o respeito à lei, à ordem e à
hierarquia deve ser a norma. Até o fechamento desta edição, greves de policiais
militares estavam em curso na Bahia e no Rio de Janeiro. Também havia sinais de
que o movimento poderia se alastrar para Alagoas, Distrito Federal e Espírito
Santo. Em 2010 e no começo do ano, já houvera paralisações de PMs no Maranhão,
no Ceará, em Rondônia e no Piauí. Agora, foi necessário chamar o Exército
porque a baderna transbordou dos quartéis. Em Salvador, o número de homicídios
triplicou em uma semana.
Repete-se, assim, um cenário que tem ocorrido desde, pelo
menos, 1997. Naquele ano, uma greve selvagem começou em Minas Gerais, cuja
polícia era vista como modelo, e espraiou-se por vários Estados. O texto da
Constituição é cristalino na proibição à “sindicalização” e à “greve” entre os
militares. Por que então esse tipo de movimento – que só pode ser qualificado
como motim – vem se repetindo com frequência preocupante?
Há três motivos centrais para isso. O primeiro é o
comportamento delinquente de alguns policiais, constatado agora na Bahia.
Palavras de incitação ao vandalismo foram flagradas na boca do líder do movimento
da PM baiana, Marco Prisco. Policiais sequestraram e incendiaram ônibus,
interromperam o trânsito e aterrorizaram a população. A Polícia Federal
descobriu a articulação de vários grevistas para estender o movimento ao Estado
do Rio de Janeiro e, felizmente, líderes foram presos antes que o terror se
espalhasse mais.
O segundo motivo é a politicagem em torno da questão. A
presidente Dilma Rousseff acertou ao dizer que não deve haver anistia para
“crimes contra a pessoa e a ordem pública”. Mas o governo Lula, de que ela fez
parte, sancionou uma anistia a policiais militares e bombeiros insubordinados.
O próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a declarar, nas greves
de 2001: “A Polícia Militar pode fazer greve. Todas as categorias de
trabalhadores consideradas atividades essenciais só podem ser proibidas de
fazer greve se tiverem também salário essencial”. Trata-se de um absurdo
evidente – e Lula está longe de ter sido o único a explorar politicamente as
greves policiais. A principal consequência do desleixo dos políticos é a falta
de uma lei para regular as greves no setor público, quase 24 anos depois da
promulgação da Constituição.
O terceiro motivo, que se soma à delinquência policial e à
irresponsabilidade eleitoreira, é a leniência e a negligência com que os
políticos brasileiros têm tratado a questão da segurança pública. Sucessivos
governos foram incapazes de formular uma política nacional de segurança, que
articulasse a ação da União e dos Estados – da qual as PMs e as polícias civis
seriam importantes braços operacionais. No vácuo de uma política nacional,
vicejam as propostas populistas e irrealistas, como a Proposta de Emenda
Constitucional 300, a PEC, que tem galvanizado os grevistas por propor um piso
salarial único para as PMs em todos os Estados. Todos estão de acordo que
oficiais, sargentos, cabos e soldados devem ter uma remuneração adequada a uma
profissão que implica cotidianamente riscos à vida. Mas a PEC 300, se aprovada,
não seria a solução. Ela trata desiguais como iguais e arrebentaria as finanças
estaduais.
As PMs são instituições com raízes na história do Brasil.
Para funcionar bem, devem estar submetidas ao controle democrático da sociedade
civil. Elas estão por trás de avanços recentes importantes na área de segurança
pública, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro,
cujo sucesso se tornou motivo de celebração. Seria uma pena que tais iniciativas
fossem contaminadas por policiais que apelam para a deliquência para que suas
reivindicações sejam ouvidas. Para isolar esses maus policiais, é preciso que
as autoridades ajam com severidade. Assim, não haverá espaço nos quartéis para
a anarquia. Nos dias de Carnaval, a algazarra deve se limitar apenas ao
ambiente alegre das escolas de samba e dos blocos de rua.