Com base na análise de casos
recentes, ÉPOCA lista as modalidades de corrupção mais comuns no Brasil.
MARCELO ROCHA – Revista ÉPOCA –
edição 715.
A mais comum forma, hoje em dia, de furtar o dinheiro público: fazer FESTAS (Foto: Letícia Pontual/Ag. O Globo) |
O livro Arte de furtar foi
concluído em 1656. Atribuído ao Padre Antônio Vieira (mais tarde essa autoria
seria contestada), o documento era endereçado ao rei de Portugal, Dom João IV,
um dos primeiros representantes da Casa de Bragança. Com o intuito de alertá-lo
sobre os malfeitos de seus súditos no além-mar, a obra lista as diversas
maneiras encontradas pelos representantes da coroa portuguesa para desviar
dinheiro público na colônia. Uma breve passeada pelos títulos de alguns de seus
70 capítulos mostra como a “arte” já se manifestava e se aperfeiçoava no Brasil
do século XVII: “Dos que furtam com unhas invisíveis”, “Dos que furtam com
unhas toleradas”, “Dos que furtam com unhas vagarosas”, “Dos que furtam com
unhas alugadas”, “Dos que furtam com unhas pacíficas” e até “Dos que furtam com
unhas amorosas” são alguns deles.
O livro Arte de furtar é uma
amostra de como a discussão sobre a corrupção é antiga no Brasil – e a leitura
diária dos jornais atesta que o assunto continua presente. Na semana passada, O
Globo publicou que o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o DNOCS,
teve um prejuízo de R$ 312 milhões em contratações irregulares e gestão de
pessoal. No dia seguinte, a presidente Dilma Rousseff – que popularizou a
expressão “malfeito” durante um encontro com Barack Obama, dizendo que não os
toleraria em seu governo – teve de mostrar mais uma vez que dizia a verdade. A
partir da reportagem, ela decidiu, em mais um lance de sua bem-vinda “limpeza”,
negociar com o PMDB para retirar Elias Fernandes Neto, diretor do DNOCS, da
direção do órgão. Na quinta-feira, ele saiu.
Não existe sociedade cuja
população seja mais ou menos propensa ao roubo. Uma pesquisa científica feita
anos atrás mostrou que, diante de uma situação de dilema ético, cerca de 10%
das pessoas agem de acordo com rígidos princípios morais, outros 10% agem de
forma a tirar o máximo de vantagem, mas a maioria absoluta, cerca de 80%, se
pauta principalmente pela possibilidade de ser apanhada. Esse resultado se
repete de forma praticamente idêntica em diferentes nações. Portanto, o que faz
diferença no nível de corrupção de cada sociedade não é a ideologia, a
religiosidade ou a classe social de origem de seus dirigentes, mas as formas
com que suas instituições vigiam e punem os responsáveis.
Quem estuda o tema corrupção
sem recalque moralista ou interesse partidário costuma dizer que é impossível
medir com precisão o tamanho da roubalheira em cada cidade, Estado ou nação. O
que alguns rankings internacionais costumam mostrar nada mais é que a percepção
da corrupção, uma ideia tão imprecisa quanto a percepção do medo, da saudade ou
do amor. Quem rouba não deixa recibo. Tudo o que se conhece, portanto, não é o
que foi efetivamente roubado, mas apenas a fração correspondente ao que foi
denunciado, flagrado ou investigado.
Técnicos do governo
encarregados do combate à corrupção dizem que, nos últimos anos, os mecanismos
de controle avançaram, as investigações se tornaram mais profissionais e os
órgãos de fiscalização trabalham mais em parceria. No ano passado, a
Controladoria-Geral da União (CGU) apurou desvios que chegam a R$ 1,8 bilhão. A
soma é resultado de investigações que envolveram licitações fraudadas,
cobranças indevidas de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) e verbas
que seriam empregadas em atividades esportivas para crianças carentes. Desde
2002, quando a CGU passou a consolidar os números, os desvios somam R$ 7,7
bilhões. Esses valores representam o montante que deve ser cobrado dos
responsáveis por essas irregularidades, mas, sabidamente, está longe de ser o
montante que foi roubado no Brasil.
Se é muito difícil medir com
exatidão quanto se rouba, bem menos complicado é saber como se rouba, como já
havia reparado o autor do livro de três séculos atrás. Furtar, de fato, é uma
arte. Não no sentido de ser algo louvável, mas no sentido de envolver uma
multiplicidade de técnicas. O roubo clássico é o desvio de dinheiro de obras
públicas, com fraudes em licitações e superfaturamento de preços. Em tempos
recentes, a “arte” se sofisticou, envolvendo operações mais imateriais, como
cursos e consultorias – serviços mais difíceis de quantificar em termos
monetários. Na reportagem que se segue, ÉPOCA listou sete das modalidades de
desvio mais comuns no Brasil atual, exemplificando cada uma com casos recentes
denunciados pela imprensa.
No ano passado, a Advocacia-Geral
da União (AGU) conseguiu recuperar R$ 330 milhões para os cofres públicos em
ações que tramitam na Justiça que envolvem, entre outros, casos de corrupção
contra a administração pública. Só em 2011, a AGU entrou com ações que pedem a
devolução de R$ 2,3 bilhões. É uma luta que vale a pena. Ao ler sobre corrupção
praticamente todos os dias na imprensa, é comum que o cidadão muitas vezes se
sinta perdido, confuso, desorientado. O guia a seguir visa mostrar que, de
maneira geral, a corrupção não é algo tão complexo e rocambolesco como muitas
vezes pode parecer. Como uma carta endereçada ao cidadão brasileiro, da mesma
forma que Arte de furtar se dirigia ao rei Dom João IV, o objetivo singelo
desse levantamento é mostrar como se rouba no Brasil atual. Sempre tendo em
vista que, entre estes cidadãos, está a presidente Dilma Rousseff, tão
preocupada com os “malfeitos”.
É o caso mais clássico de
usurpação. Por meio de uma licitação dirigida, determinada empresa ganha um
contrato com o governo. Às vezes, o preço inicial já sai superestimado. No
decorrer do serviço, aditivos encarecem a obra. A fartura, depois, é dividida
entre corruptos e corruptores. Como são muitas as obras e não há fiscalização
suficiente, o ambiente favorece a atuação da malandragem.
Por recomendação do Tribunal de
Contas da União (TCU), os órgãos passaram a contratar empresas supervisoras
para acompanhar a aplicação dos recursos. O que seria solução virou problema.
Auditores já acharam vários casos de promiscuidade entre quem supervisona e
quem faz obras. “Já estamos concluindo que é melhor não ter empresa
supervisora. Você só está gastando um dinheiro a mais”, diz Luiz Navarro,
secretário executivo da CGU. Na maioria dos casos, os
auditores só conseguem “visualizar” o rombo na prestação final de contas,
quando recebem notas fiscais e outros documentos. É tarde. A demora dificulta o
rastreamento de desvios, o que afasta a chance de recuperá-los. “Foram precisos
mais de dez anos para começar a recuperar recursos de um famoso escândalo de
corrupção”, diz o advogado Tércio Tokano, coordenador-geral de Defesa da
Probidade da Advocacia-Geral da União. O “famoso escândalo” é o do fórum
trabalhista de São Paulo, que envolveu o desvio de R$ 1 bilhão, em valores
atuais, e tornou conhecido o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau.
TRADIÇÃO
No início de 2011, denúncias
com obras derrubaram a cúpula do Ministério dos Transportes, com desdobramentos
no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e na Valec,
responsável pelas obras ferroviárias. O setor era feudo do PR, partido aliado
do Palácio do Planalto. As suspeitas jogavam dúvidas sobre uma série de
aditivos em obras de rodovias e ferrovias, todas do Programa de Aceleração do
Crescimento.
Aditivos encarecem obras porque
incluem providências inexistentes nos projetos básicos. Segundo o próprio
governo, os projetos básicos são insuficientes em 90% das obras. A fiscalização
identificou vários problemas nos contratos do Dnit e da Valec. Num deles,
referente à Ferrovia Oeste-Leste (do litoral baiano ao Tocantins), os valores
orçados estavam muito acima do necessário. Em apenas um lote da Oeste-Leste
houve um sobrepreço de R$ 35 milhões, mesmo após recomendações do TCU. Ao
analisar 17 licitações dos Transportes, auditores constataram prejuízo total de
R$ 682 milhões, 13,4% de R$ 5,1 bilhões fiscalizados.
São os que roubam fazendo festa.
Estados, municípios e ONGs recebem milhões do governo federal para promover
todo tipo de festividade popular. O dinheiro normalmente é liberado para
contratar estrutura de palco, equipamentos de som, artistas e material de
divulgação. Até foguetório entra no patrocínio. Sem realizar licitação, é comum
que a escolha de fornecedores seja pautada por critérios políticos. As
contratadas superfaturam os preços de produtos e serviços. E as prestações de
contas são fraudadas para acobertar o desvio de recursos. Em alguns casos, há
suspeita de que o dinheiro é desviado para os políticos.
Num levantamento recente, com
base em convênios firmados pelo Ministério do Turismo, o governo identificou
irregularidade em dezenas de contratos com municípios e entidades diversas,
inclusive para a realização das tradicionais festas de São João. Já são mais de
R$ 13 milhões sendo cobrados de prefeituras. Entre os municípios reprovados,
São João da Barra, no Rio de Janeiro, recebeu mais R$ 500 mil para organizar o
6o Circuito Junino. Os responsáveis, segundo a CGU, não apresentaram documentos
para comprovar o correto uso de todo o dinheiro.
Em outro levantamento, a CGU
mostrou que eram previstas a contratação de 66 bandas para a realização de
eventos para festejos juninos em 22 cidades de Pernambuco em 2008. Foram
liberados R$ 2,4 milhões. Quando os técnicos receberam a prestação de contas e
somaram as notas, identificaram que foram pagos aos artistas R$ 2,3 milhões.
Onde foram parar os outros R$ 100 mil? Às vezes, não é possível fazer nem esse
tipo de checagem simples, por conta de problemas prosaicos, como a falta de
notas fiscais.
BAILE
Outras dificuldades dizem
respeito a problemas inerentes aos eventos. Como é possível verificar que os 50
mil panfletos previstos no convênio para a divulgação foram efetivamente
impressos? Como saber se foram distribuídos 5 mil ou 50 mil cartazes? Em muitos
casos simplesmente não é possível checar. E é aí que os larápios costumam agir.
No fim de 2010, uma denúncia assim derrubou o senador Gim Argello (PTB-DF) da
relatoria geral do Orçamento. Havia indícios de que convênios patrocinados por
suas emendas estavam recheados de problemas, como superfaturamento e fraudes em
prestações de contas.
Em agosto de 2011, o então
secretário executivo do Ministério do Turismo, Frederico Costa, e outras 35
pessoas, entre empresários e servidores públicos, foram presos acusados de
participar de uma quadrilha que fraudava convênios da pasta. Os recursos deveriam
ser aplicados no treinamento em turismo no Amapá. Depois de colher indícios de
que pelo menos R$ 4 milhões foram desviados, a Polícia Federal realizou a
Operação Voucher. As fraudes, de acordo com as investigações, tinham como pivô
o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável
(Ibrasi), sediado em São Paulo. Tudo sugere que se trata do típico caso de
desvio por meio de simulação de cursos de qualificação profissional. Às vezes,
o mero bom-senso pode ser um aliado da investigação: “Chamou a atenção o fato
de uma entidade baseada em São Paulo promover treinamento de pessoas no
Amazonas”, diz Luiz Navarro, da CGU. “Foi sinal de que alguém a estava usando
para algum ilícito.”
A exemplo do que ocorre com os
patrocínios para eventos, os convênios para qualificação de pessoal são um
drama para os fiscais. Como comprovar que um determinado grupo de pessoas foi,
de fato, treinado pela entidade conveniada? Uma forma é agendar entrevistas com
os supostos treinados e conversar com os instrutores. Levantam-se dados como
horas de treinamento e o conteúdo aprendido em sala de aula. Dos instrutores, é
possível perguntar quanto foi recebido de salário e qual foi o material
didático usado. Ainda assim, é sempre muito difícil chegar a 100% de certeza
sobre a destinação correta dos recursos.
ESTRANHEZA
O ditado popular diz que o diabo
mora nos detalhes. Nas ocasiões em que os técnicos do governo conseguiram
rastrear e identificar irregularidades, muitos dos desvios foram constatados
nas particularidades do negócio. Num caso, o material didático apresentado na
prestação de contas não era exatamente o mesmo que foi distribuído aos alunos.
Em outro, a fiscalização encontrou pessoas inscritas em dois cursos realizados
simultaneamente, a mais de 1.000 quilômetros de distância. Piora o fato de ter
de correr atrás dessas informações depois que toda a estrutura para a
realização dos cursos já foi desmobilizada. Além do Turismo, pastas como
Esporte e Trabalho – neste caso com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador
– se valem de convênios para a qualificação de pessoal. É o caso da dilapidação
em dose dupla. Primeiro, pelo desvio de dinheiro público; segundo, pelo
desvirtuamento do princípio da atividade parlamentar.
Funciona assim: cada deputado
ou senador pode incluir até R$ 15 milhões por ano no Orçamento da União. O
parlamentar coloca o que quiser. Pode ser a construção de uma ponte, a
contratação de uma ONG ou a compra de um equipamento. Assim, considerando
quatro anos de mandato, cada um dos 513 deputados pode influenciar no destino
de R$ 60 milhões ao longo de uma legislatura. São, portanto, quase R$ 30,8
bilhões potencialmente manipuláveis. No Senado, com 81 parlamentares e mandato
de oito anos, o valor total potencialmente sob influência direta da Casa chega
a R$ 9,7 bilhões por legislatura. Total do Congresso: R$ 40,5 bilhões. É um
dinheiro e tanto para um poder cuja responsabilidade institucional não é
gastar, mas fiscalizar o governo e aprovar o Orçamento.
Ao direcionar gastos da União
por meio de emendas, parlamentares podem favorecer empresas que financiaram
suas campanhas, praticar clientelismo, fazer uso eleitoreiro de obras, entre
tantas outras delinquências éticas, políticas e legais. Foi por meio das
emendas parlamentares que nasceu, cresceu e floresceu a máfia das sanguessugas,
um dos maiores escândalos recentes do país. Em 2006, a PF investigou contratos
firmados entre Estados e municípios com uma empresa que atuava no comércio de
ambulâncias. A investigação encontrou irregularidades nas licitações, como
superfaturamento, e veículos recauchutados entregues como novos. As fraudes
somavam mais de R$ 110 milhões. Uma CPI foi instalada no Congresso e apontou o
envolvimento de mais de 90 parlamentares nas irregularidades. A comissão pediu
a abertura de processo de cassação contra 69 deputados e três senadores. Não
deu em nada. E, apesar do escândalo, as emendas parlamentares não deixaram de
existir. Pelo contrário, nos oito anos do governo Lula, elas saltaram de R$ 2
milhões para R$ 15 milhões por ano, por parlamentar.
Além das brechas para a
ladroagem, a possibilidade de alterar o Orçamento por emendas pode servir de
instrumento para o governo cooptar parlamentares para sua base de apoio. É o
segundo efeito nocivo das emendas. Para viabilizar a liberação dos recursos,
deputados e senadores precisam negociar com o Palácio do Planalto. Em tese, ser
integrante da base seria uma vantagem. A existência desse balcão possibilita
que o governo jogue com a conveniência de brecar ou liberar os recursos
dependendo da postura do congressista. É uma distorção completa da função
parlamentar.
A perversidade disso está em
usar um instrumento normalmente associado a práticas positivas para rapinar,
pilhar, subtrair. A parceria com organizações não governamentais é uma forma
encontrada pela administração pública para implementar políticas sociais no
Brasil com mais agilidade e maior capilaridade. Essas entidades têm uma
penetração impensável para os gestores públicos. A parceria, no entanto, muitas
vezes mostra-se extremamente frágil. As regras que regem essas entidades são
mais flexíveis. Até o final do ano passado, por exemplo, não era preciso fazer
licitações para escolher as ONGs que receberiam recursos públicos. É por essas
brechas que ocorre a gatunagem.
Somente em 2011, mais de 73 mil
entidades repartiram mais de R$ 2,7 bilhões de dinheiro público. O problema é
que não há garantia sobre a efetiva aplicação dos recursos. “Nada impede que
hoje uma prefeitura faça um convênio com uma ONG para tocar a Educação inteira
do município. Ou a Saúde inteira. Ou uma obra”, diz Luiz Navarro, da CGU. “Aí
caímos no problema real: quem escolheu a ONG? Por que ela foi escolhida? A quem
ela pertence? A gente vê coisas absurdas nas prestações de contas, como ONGs
ditas sociais que cuidam até de trânsito.”
Em 2011, duas ONGs de Brasília
que receberam verbas federais protagonizaram o escândalo que resultou na
demissão do ministro Orlando Silva da pasta do Esporte. As entidades pertencem
ao policial militar João Dias, acusado de desviar milhões dos cofres públicos
entregues a ele para oferecer atividades esportivas para crianças carentes. O
Ministério Público cobra de João Dias a devolução de mais de R$ 3 milhões. Ele
é acusado de forjar documentos para prestar contas ao ministério. As
autoridades apuram o pagamento de propina a políticos, incluindo o ex-ministro
e atual governador de Brasília, Agnelo Queiroz (PT).
A vulnerabilidade do sistema
começa na escolha das entidades que vão receber os recursos. Como não era
preciso fazer licitação, os critérios políticos muitas vezes prevaleciam em
detrimento do rigor ou da competência técnica. Uma vez contratada, a ONG tem
liberdade para subcontratar e escolher seus fornecedores fazendo apenas uma
cotação rudimentar de preços. A enorme pulverização dos recursos dificulta o
controle. Daria para dizer que é a modalidade da moda, talvez a mais
contemporânea. Ganhou incontestável notoriedade por ser considerada a fonte
primária do mensalão, a distribuição de dinheiro a parlamentares da base aliada
do governo Lula em troca de apoio político no Congresso.
No caso do mensalão, o dinheiro
público desviado seria proveniente de contratos de publicidade firmados pelo
governo com o empresário e publicitário Marcos Valério. Essa foi a conclusão da
Polícia Federal. A parcela mais significativa dos recursos, segundo a investigação,
saiu dos cofres do Banco do Brasil, de um fundo de publicidade chamado Visanet.
Esse Visanet é destinado a ações de maketing do cartão da bandeira Visa. As
agências de Valério produziram ações publicitárias, mas a maioria dos valores
repassados pelo governo teria servido para abastecer o mensalão. Caberá aos
ministros do Supremo Tribunal Federal, em julgamento previsto para este ano,
dizer se essa tese procede.
Numa manifestação sobre o caso,
o procurador Lucas Furtado, do TCU, disse que o grosso da corrupção migrou de
obras para contratos de publicidade, principalmente com as estatais. “Os
corruptos migraram de grandes obras públicas para contratos de publicidade
porque é mais difícil fiscalizar”, disse. Furtado afirmou que, desde o
escândalo de desvio de recursos do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo
(o escândalo do juiz Lalau), as grandes obras públicas passaram a ser mais
fiscalizadas, coibindo o aparecimento de irregularidades.
ELO
Auditorias do próprio TCU e da
CGU têm identificado problemas em ações publicitárias contratadas pelo governo.
Em muitos casos já apurados, os editais para escolher as agências de publicidade
são feitos para favorecer determinadas empresas. É comum as concorrentes
apresentarem preços fictícios nas propostas. Além disso, as agências
“vencedoras” subcontratam empresas ligadas a políticos para realizar serviços.
No ano passado, ÉPOCA publicou
uma reportagem sobre a contratação de serviços de consultoria pela Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) no Amapá. O órgão firmou um convênio de R$ 6 milhões
com a Associação dos Povos Indígenas do Tumucumaque (Apitu). As investigações
da CGU revelaram que pelo menos metade dos recursos foi desviada. A tramoia
envolveu serviços de consultoria que simplesmente nunca foram prestados. Das
contas da empresa contratada pela ONG para realizar estudos sobre a comunidade
indígena, o dinheiro saiu direto para o cofre dos comitês eleitorais do PMDB no
Amapá. Simples assim. No fim, a maracutaia acabou servindo para o financiamento
de campanhas eleitorais de prefeitos ligados ao partido. Casos como o do Amapá
têm se multiplicado pelos órgãos federais, estaduais e municipais. Como
estabelecer o valor justo de uma consultoria? Como comparar as relações de
custo-benefício de diferentes consultores? As respostas são sempre subjetivas,
terreno perfeito para a bandidagem.
Para começar, serviços de
consultoria somente deveriam ser contratados para a execução de atividades que,
comprovadamente, não possam ser desempenhadas por servidores permanentes da
administração pública. Mas não é bem isso o que se observa. Usa-se o critério
de “notória especialização” para justificar a contratação de consultores
(pessoas físicas ou jurídicas) sem fazer licitação, outro conceito nada
objetivo.
RISCO
Em muitos casos, as empresas
contratadas pertencem a pessoas ligadas ao político que determinou ou
influenciou a contratação. O desvio ocorre quando o serviço a ser feito não
existe ou, se existe, não é parcial ou totalmente executado. A empresa de consultoria
recebe o pagamento, apresenta uma papelada qualquer como se fosse produto de
muito estudo e análise e repassa o dinheiro arrecadado a políticos ou agentes
públicos envolvidos em sua própria contratação.