Antonio Gustavo Rodrigues - presidente do Coaf |
O presidente do Centro de
Controle de Atividade Financeira (Coaf) – Antonio Gustavo Rodrigues – deu entrevista
semana passada para a revista ISTOÉ, edição 2200, e revelou a angústia que
atormenta aqueles que combatem a corrupção no Brasil. Há investigação, mas a
coisa mais difícil é colocar o bandido na cadeia. Ele reafirma, com outras
palavras, aquilo que o juiz federal Odilon de Oliveira disse: “As leis protegem
os corruptos no Brasil.” Veja a entrevista na íntegra:
Antonio Gustavo Rodrigues:
"Tem corrupção todo dia"
O presidente do Coaf diz que em
2011 foram investigadas 12 mil pessoas e que este ano vai fiscalizar o comércio
de veículos para evitar a lavagem de dinheiro
por Adriana Nicacio e Izabelle
Torres
ALERTA
"O grande problema do
Brasil é mandar o bandido para a cadeia" diz o presidente do Coaf
No comando do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf) desde 2004, Antonio Gustavo Rodrigues
conquistou prestígio na cúpula do governo e virou referência de discrição e
poder. Em suas mãos estão informações fiscais e bancárias de qualquer
brasileiro e é com esses dados que ele se dedica a rastrear o caminho dos
recursos desviados em esquemas de corrupção. O Coaf tem a tarefa de identificar
movimentações financeiras do crime organizado e até de averiguar o súbito
enriquecimento de políticos. Mas, apesar de ser peça-chave para investigações
do Ministério Público e da Polícia Federal, o Coaf, segundo Rodrigues, sofre
com uma estrutura limitada e a falta de integração com outros órgãos de
fiscalização. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, ele conta que em 2011 o Coaf
teve mais de 1,2 mil relatórios enviados e 12 mil pessoas fiscalizadas. Para
aprimorar a ação em 2012, o presidente do Coaf quer fechar um importante
gargalo para a lavagem de dinheiro: o comércio de veículos. Nos próximos meses,
o órgão vai editar uma resolução obrigando as revendedoras de automóveis a
informar sobre transações acima de R$ 50 mil feitas em dinheiro vivo. Um dos
maiores desafios, segundo Rodrigues, é conseguir a aprovação no Senado do
projeto sobre lavagem de dinheiro, que já passou pela Câmara.
ISTOÉ - O sr. está satisfeito com o
trabalho do Coaf?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Há
marchas e contramarchas. O mecanismo de prevenção funciona. Recebemos gente do
mundo inteiro para conhecer o nosso sistema, que é todo informatizado. Até o
FMI tem o Coaf brasileiro como referência. A nossa maior dificuldade não está
na investigação. O grande problema do Brasil é mandar o bandido para a cadeia.
O Ministério Público investiga, a Polícia Federal prende, mas cai num processo
judicial travado. O Grupo de Ação Financeira (Gafi), que é um organismo
internacional, menciona na sua avaliação a lerdeza do processo judicial
brasileiro. Até para homicídio, com arma e com corpo, o réu confesso fica 15
anos para ser julgado.
ISTOÉ - O Coaf não tem capacidade
de mudar esse quadro?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Nossa
competência é bem delimitada. Somos uma unidade de inteligência financeira com
padrão internacional. A nossa função é receber as comunicações das instituições
financeiras e encaminhá-las para as autoridades competentes, a PF e o MP. No
fundo, o conselho trabalha passivamente: se eu não recebo informações, não
trabalho. Não somos delegacia do crime financeiro.
ISTOÉ - Quais são seus alvos
principais?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Qualquer
pessoa pode parar nos bancos de dados do Coaf, basta fazer uma transação com
alguém que tenha negócios suspeitos. Mas isso não quer dizer que o cidadão
citado seja bandido. Não é ilegal, por exemplo, comprar uma casa do Fernandinho
Beira-Mar. Se aparecer, porém, uma transação vultosa com ele, mandamos um
relatório para o MP investigar. Em muitos casos suspeitos, há crimes mesmo.
ISTOÉ - Há muitos políticos sendo
investigados neste momento?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Existe
uma norma do Banco Central para que os bancos prestem mais atenção nas pessoas
politicamente expostas. Quando essa regra saiu, começaram a dizer que agora os
políticos seriam investigados. Não é nada disso. Um dos objetivos do sistema é
preservar os próprios bancos. Quando um deles se envolve num escândalo de
lavagem de dinheiro, a instituição sofre como negócio. E tem corrupção todo
dia.
ISTOÉ - O que o sr. acha do
projeto do deputado Cláudio Puty (PT-PA) que cria regras para a investigação de
pessoas politicamente expostas?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Virando
lei, dará mais força ao nosso trabalho, claro. Mas o maior problema no trabalho
de rastreamento de pessoas é identificar de quem é o nomezinho que está lá. O
mais importante, entre várias alternativas, é a aprovação do projeto sobre
lavagem de dinheiro no Senado. Com ele, o Coaf vai ampliar seu poder de
fiscalização.
ISTOÉ - Como o Coaf acompanha
as consequências práticas dos seus relatórios?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Normalmente,
nós temos o retorno pela imprensa. Não é raro a gente pesquisar uma ação da PF
e descobrir que mandamos um relatório há dois anos. Não existe ainda um
mecanismo formal para liberar informações ao Coaf. Mas estamos tentando
trabalhar com o Ministério Público Federal para construir esse mecanismo de
retorno, num ambiente informatizado.
ISTOÉ - Então o Coaf fornece a
informação e não sabe o que a PF e o MP fizeram com ela?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Isso.
ISTOÉ - Não é frustrante?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Não
há nada que possamos fazer. Quem decide se vai investigar é o MP e a PF. O que
fazemos é emitir um relatório com informações complementares quando vemos que
nada foi feito. Num caso em Brasília, do Instituto Candango de Solidariedade
(ICS), nós fizemos oito relatórios. Eles movimentavam tanto dinheiro em espécie
que mudou até a estatística do Distrito Federal. Mas a gente ficou uns três
anos mandando relatórios. O tempo entre a gente mandar um relatório e ver a
reportagem no jornal é de uns dois anos. Quando vemos que nosso trabalho ajudou
a disparar uma investigação, ficamos satisfeitos. Mas o trabalho do Coaf é
anônimo.
"Na operação Boi Barrica, da família do senador Sarney, o juiz concedeu quebra de sigilo e o STJ anulou. Não sei se está certo ou errado. Nosso papel é alertar" |
ISTOÉ - Essa falta de
integração com a PF e o MP gera prejuízos?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Às
vezes, a pessoa que apareceu no relatório do Coaf pode não ser punida nunca.
Recentemente, saiu uma resolução superbadalada do Superior Tribunal de Justiça
sobre a operação Boi Barrica, envolvendo a família do senador José Sarney. O
juiz concedeu a quebra de sigilo bancário, a pedido do Ministério Público, com
base no nosso relatório. O STJ anulou. Disse que houve vício de iniciativa e o
MP não poderia ter feito pedido. Se está certo ou errado, não sei dizer. Mas
também não quero saber. O meu papel é continuar fazendo os relatórios. Nosso
papel é alertar.
ISTOÉ - Quantas comunicações o
Coaf recebeu dos bancos no ano passado?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Foram
51 mil comunicações, citando 12 mil pessoas. Elaboramos mais de 1,2 mil
relatórios com indícios de corrupção. Foi mais que em 2010. Não recebemos dados
somente dos bancos. Também as seguradoras e empresas de cartões de crédito e de
factoring são obrigadas a nos informar sobre transações financeiras suspeitas.
Há milhares de pessoas citadas todos os anos.
ISTOÉ - O que pode ser considerada
uma operação suspeita?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Depende
do juízo de valor da empresa que mandou. Por exemplo, o banco nos comunica
quando a movimentação é incompatível com a renda e o padrão. Se um cidadão
recebe R$ 1 mil, não pode fazer transações de R$ 500 mil de uma hora para
outra. Em outro caso, o cliente faz um saque ou um depósito de R$ 100 mil em
espécie sem comunicar a origem ao Banco Central. Ele pode ser o maior
milionário do Brasil, que é obrigado a comunicar suas operações. Nesse caso, o
banco nem pensa e nos avisa automaticamente.
ISTOÉ - O Coaf cobre todas as brechas
da lavagem de dinheiro?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Há
diversos setores regulados pelo Coaf que são difíceis de monitorar. No de joias
e metais preciosos, a colaboração é pequena, apesar de ter melhorado. As
informações são raríssimas também na área dos objetos de arte e antiguidades.
"Há setores difíceis de monitorar. No de joias e metais preciosos, a colaboração é pequena" |
ISTOÉ - Há planos para melhorar
o controle em 2012?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Estamos
fazendo uma regulação para pegar as revendedoras de veículos (carro, barco e
avião) com base na nova lei. Este sim é um grande gargalo. Veja no caso do assalto
ao Banco Central, em Fortaleza: a primeira coisa que o sujeito fez foi comprar
uma frota de picapes. A revendedora não tinha nenhuma obrigação de ficar
atenta, mesmo que ela achasse estranho alguém chegar com uma mala de dinheiro.
ISTOÉ - As concessionárias
serão obrigadas a informar tais negócios?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - A
desculpa de que não estava alerta deixa de ser aceitável. Se não comunicar, a
empresa pode ser processada por dolo eventual. A concessionária pode até não
fazer parte da quadrilha, mas aquela coisa de colocar a cabeça debaixo da terra
e fechar os olhos não vai colar. Se o cara fecha o olho e diz que não quer ver,
então, meu filho, você será acusado até de ser partícipe do crime, porque tem a
obrigação de enxergar.
ISTOÉ - Como será essa regra?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Além
da regra geral, de manter o cadastro do cliente atualizado, vamos pedir que
envie ao Coaf informações sobre qualquer compra acima de um determinado valor.
É basicamente isso. Também não dá para achar que a gente vai revolucionar o
mundo usando esse mecanismo, porque não vai. Pediremos providências factíveis
com a realidade. Estamos ainda estudando o valor. Acredito que compras de
veículos acima de R$ 50 mil deverão ser comunicadas.
ISTOÉ - O sr. não teme uma
enxurrada de informações? Hoje é fácil comprar um automóvel de R$ 50 mil.
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Ninguém
compra carro com uma mala de dinheiro. Normalmente faz um TED e o sistema
bancário é rastreável. Estamos olhando para o dinheiro em espécie, no saquinho,
na cueca...
ISTOÉ - O Coaf pretende mirar
outras atividades econômicas?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Temos
um problema: quando o setor não conta com um órgão regulador próprio, é o Coaf
quem fiscaliza. E nós somos apenas 50 pessoas. Os Estados Unidos têm 500 nessa
área. Não podemos aumentar a nossa carga porque não damos conta. Nós fazemos a
norma e criamos a penalidade para cada setor que fiscalizamos. Mas não temos o
fiscal de rua, como a Receita Federal, ou mesmo o esquema de fiscalização do
Banco Central. Quando um banco é formado, o banqueiro tem que ir lá pedir a
bênção do BC. Já uma empresa de joias ou de artes pode ser aberta em qualquer
esquina. É o nosso abacaxi.
ISTOÉ - Há praticamente oito
anos no cargo, qual a sua percepção em relação ao crime do colarinho-branco?
ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES - Acho
que tem de haver um esforço para punir as pessoas, porque no final o resultado
ficará para os nossos filhos e netos. Antigamente, os estrangeiros vinham para
ganhar dinheiro e voltar para um país decente. O meu avô veio de Portugal, mas
morreu aqui. O meu pai morreu aqui. Eu também vou morrer aqui. Então, vamos
fazer do Brasil um lugar decente. A gente está aqui mesmo, então, vamos arrumar
a casa.