Bruno Daniel se refugiou na
França por seis anos após assassinato do então prefeito de Santo André
Fausto Macedo, de O Estado de
S.Paulo
Bruno Daniel |
Bruno José Daniel Filho está de
volta ao Brasil após um duro exílio de seis anos na França, que em 2005
outorgou a ele o título de refugiado, porque reconheceu que sua vida aqui
corria riscos. O retorno foi discreto, no início de novembro. Bruno, a mulher e
os três filhos buscam se readaptar à rotina de seu País. Irmão mais novo de
Celso Daniel - prefeito do PT eliminado à bala em 20 de janeiro de 2002 -,
Bruno, de 59 anos, professor de economia, está retomando as atividades
profissionais. Dez anos depois, o medo ainda espreita a família. A ferida não
fecha, mas a vida é preciso reconstruir. "O recomeço é complicado",
ele diz, à mesa de um café em Pinheiros. "O Brasil mudou, preciso voltar a
conhecer o País." Relata as dificuldades que enfrentou longe da sua gente
e clama por Justiça - porque até aqui apenas um acusado pela morte de Celso
está condenado e o suposto mandante jamais foi para o banco dos réus. As
intimidações que o levaram à longa jornada da expatriação parecem ter cessado. Bruno
Daniel é graduado em Engenharia Civil, mestrado em Administração de Empresas,
doutorado em Ciências Sociais e pós-doutorado na École des Hautes Études en
Sciences Sociales, em Paris. Técnico da Fundação do Desenvolvimento
Administrativo (Fundap) e professor do Centro Universitário Fundação Santo
André. Filiou-se ao PSOL em 7 de outubro, ainda no exterior, e o partido agora
o corteja para concorrer à cadeira que um dia foi de seu irmão. Ele afirma que
em seu horizonte não há espaço para a aventura da eleição. Despede-se já na
calçada. Vai a um cartório de notas na Rua Augusta.
O que o fez retornar?
Não consegui integração
profissional estável na França, com tudo o que decorre disso. Trabalhos tinham
caráter precário, período muito ruim. E também em função de sentir muita falta
de meus parentes, amigos e das instituições onde eu trabalhava, todos muito
solidários.
Recapitule os momentos críticos que o fizeram sair.
As maiores dificuldades que
sentimos antes de nossa partida deveram-se a ter que lidar com ameaças, especialmente
quando começaram a se dirigir a nossos filhos e após a morte do médico legista
Carlos Del Monte Printes, em 2005. Resolvemos não arriscar mais e continuar
nossa luta pela elucidação do caso do exterior. Na história recente de nosso
País, várias pessoas conhecidas que receberam ameaças foram executadas.
Como foram esses anos longe da sua gente?
Foram muito mais difíceis do
que poderia imaginar. Obtivemos refúgio estatuário do Estado francês. Pudemos,
em função dele, viver praticamente como os cidadãos desse país que tem tantas
coisas boas e ao qual tanto devemos. Mas está muito longe do que costumamos
idealizar. Além disso, está em crise desde meados da década de 70, agravada a
partir de 2008. Isso dificultou nossa integração ao país e tornou nossa vida
muito penosa. Recebemos solidariedade também de amigos que lá fizemos, mas
ficar longe de nossa gente, de nossa cidade, do Brasil, é terrível. Os laços
antigos são fortes demais. Os novos laços construídos são ótimos, mas têm
características diferentes. Não se substituem.
Qual é a sua rotina?
Não há um ato específico a
destacar após meu retorno. Há um conjunto de providências adotadas para
reconstruir nossas vidas após tanto tempo, como, por exemplo, a retomada de
contatos com parentes, com nossos antigos amigos e instituições e a retomada de
trabalho. Não há como não ficar emocionado e grato com a acolhida que tenho
tido. Não tenho rotina definida e procuro evitá-la.
Ainda recebe ameaças?
Se voltarmos a recebê-las,
vamos refletir sobre o que fazer.
A Justiça condenou apenas um acusado. O mandante apontado pela
promotoria, Sérgio Sombra, não foi julgado.
A condenação desse acusado é
altamente auspiciosa, pois o júri popular tomou essa decisão acatando as teses
do Ministério Público, não as do Departamento de Homicídio. Há ainda nossa
expectativa de que os demais indiciados sejam encaminhados a júri popular e
novamente prevaleçam as teses do Ministério Público. Se isto ocorrer, novos
fatos podem vir à tona, quem sabe dando origem inclusive a novos indiciamentos
e condenações, até aqui inesperados para muitos. Mas tudo isto tem sido lento
demais.
A que atribui essa situação?
Nossas instituições precisam
ser reformadas, leis precisam ser aperfeiçoadas. O direito de defesa é sagrado,
mas parece que certas leis e ritos permitem àqueles que podem pagar "a
peso de ouro" certos escritórios de advocacia, postergar julgamentos
indefinidamente. Justiça que tarda não é Justiça. Por que tantos outros casos
já chegaram a seu final e este tem demorado tanto?
Como vê agora o País?
Embora tenha acompanhado de
longe o que tem ocorrido no Brasil, tenho que voltar a reconhecê-lo. Tenho me
encontrado com pessoas bastante contentes com a evolução do País, mas outras
muito descontentes, algumas delas até sem ação, especialmente em caráter
coletivo, apresentando um grande sentimento de mal-estar, apesar de poderem
usufruir de bons níveis de consumo. Sinto que tais sentimentos opostos podem
ser compreendidos por grandes ordens de questões.
Quais?
Do ponto de vista
institucional, algumas coisas pioraram, fazendo com que parte das pessoas perca
a esperança de um futuro melhor. Os desequilíbrios entre os Poderes da
República são imensos. Talvez tenham se aprofundado e parece-me que o crime
organizado tem avançado; nossa mídia é, em geral, de qualidade bastante
discutível e tem atingido níveis ainda inferiores. Parte dela é concessão do
governo. Os Poderes Legislativo e Judiciário estão em crise e piores. Poderes
Executivos atropelam decisões de instâncias participativas, ferindo a
Constituição. Desviam recursos públicos, contratando ONGs e empresas
irregularmente. Separa-se pouco o público do privado. Altos funcionários
públicos enriquecem supostamente prestando consultorias ao setor privado. O
Estado funciona mal, apesar de termos eleições regulares e imprensa formalmente
livre.
O que o frustra mais?
O assassinato de meu irmão e a
evolução das investigações são emblemáticos. Dez anos depois, muitos morreram,
o trabalho da polícia foi muito ruim e apenas um dos indiciados foi a júri
popular. A investigação e os indiciamentos do Ministério Público sobre a
obtenção ilícita de recursos para financiar campanhas e enriquecer a alguns
ilicitamente não deram lugar a qualquer condenação. De lá para cá, nenhuma
mudança no sistema de financiamento de campanhas surgiu e os escândalos não
param de ocorrer.
Questionam no STF o poder de investigação do Ministério Público.
Vivemos um risco iminente de
retrocesso institucional ligado a uma decisão ainda pendente no STF relativa ao
questionamento dos poderes de investigação do Ministério Público. Conclamo a
todos a ficarem vigilantes em torno desse tema. Não é somente o caso do Celso
que está em jogo. É possível verificar melhoras pontuais e às vezes
significativas para grande parcela de brasileiros em outros campos, mas me
parece que continuamos com gravíssimos problemas.
Não há avanços?
As desigualdades continuam
abismais. Apesar da lenta melhora do índice de Gini, não é possível esconder a
dramática situação da distribuição funcional da renda e das demais
desigualdades. A despeito de certos avanços, entre os quais se destacam o
aumento do salário mínimo, acesso a crédito, a programas de transferência de
renda e, consequentemente, melhoria nos padrões de consumo de muitos, nossos
sistemas de educação, saúde, habitação e transportes continuam muito precários.
O País se desindustrializa, investe pouco e inova muito menos do que o
necessário. Nossos problemas ambientais se agravam, crescemos muito menos do
que outros países emergentes.
São conflitantes as versões sobre o assassinato de Celso.
Concordo com as provas do
Ministério Público que indicam crime planejado, que houve mandantes e que havia
na cidade um esquema de arrecadação ilícita de recursos para financiar
campanhas eleitorais, fato aliás relatado a mim e a meu irmão João Francisco
por Gilberto Carvalho (hoje ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência),
como declarei na CPI dos Bingos, em 2005. Creio também que Celso não admitia
que tais recursos fossem utilizados para enriquecimento pessoal.
João Francisco denunciou à promotoria que ouviu de Gilberto Carvalho a
revelação de que dinheiro da corrupção era levado ao então presidente do PT,
José Dirceu.
Trata-se de algo que, sem dúvida,
deveria ser investigado.
O PT os abandonou?
Tivemos que resolver o problema
de duas mortes. A morte do Celso e a morte simbólica da maioria dos nossos
antigos companheiros do PT. Apesar de todas as evidências, o PT sustentou a
tese do crime comum. As promessas e os compromissos de agir nunca foram concretizados.
Cito três honrosas exceções de lideranças petistas: Ricardo Alvarez
(ex-vereador em Santo André, hoje no PSOL), Hélio Bicudo (sem partido) e
Eduardo Suplicy (senador).