Envelhecimento fará número
aumentar nos próximos anos, afirma o oncologista Paulo Hoff, diretor do
Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e médico do ex-presidente Lula
Pablo Pereira, de O Estado de
S.Paulo
Dr. Paulo Hoff |
Ele nasceu em Paranavaí (PR),
viveu em Passo Fundo (RS), graduou-se em Brasília e foi médico residente na
Universidade de Miami e em Houston. Paulo Marcelo Gehm Hoff, 43 anos, é hoje
uma das principais autoridades brasileiras em câncer, professor da USP, e está
encarregado de cuidar da saúde do ex-presidente Lula, que trata de um tumor na
laringe. Diretor do hospital Sírio Libanês e do Instituto do Câncer do Estado
de São Paulo (Icesp), tem entre seus pacientes a presidente Dilma, além do
ex-vice-presidente José Alencar, que lutou contra a doença até março.
Em novembro, um dia
após a divulgação da estimativa do Inca (Instituto Nacional de Câncer) de um
aumento no número de casos da doença no país em cerca de 1 milhão de novos
pacientes nos próximos dois anos, Hoff disse que a estimativa é conservadora.
"Temos no Brasil ainda uma falta de dados exatos do número de câncer, mas
acredita-se que a estimativa do Inca esteja muito próxima da realidade",
afirma.
Ele explica que o
envelhecimento da população deve levar o quadro da doença a níveis dramáticos
nos próximos anos. Para combater isso, segundo Hoff, é preciso investir agora
em prevenção e conscientização dos jovens sobre hábitos saudáveis de vida.
"A conta será cobrada daqui a algumas décadas". Ele afirma que 60%
dos pacientes com câncer têm cura, que há medicamentos para reduzir o
desconforto da quimioterapia, e critica a Resolução 196, que restringe a
pesquisa científica no Brasil desde a gestão do ex-ministro Adib Jatene.
"A agenda da pesquisa é dependente da indústria. É preciso mudar
isso", diz. Hoff afirma que Lula reage bem ao
tratamento do câncer na laringe. O prognóstico do ex-presidente, segundo o
médico, "é bom" e que as informações sobre o tratamento são
"absolutamente transparentes".
Filho de um ex-dono de
laboratório de análises clínicas em Paranavaí, o oncologista é casado com uma
médica, tem três filhas, torce para o Internacional (RS) e é um apaixonado por assuntos
de defesa, como aviões e navios de guerra. Perguntado se aceitaria ser ministro
da Saúde, responde: "Eu? Nunca fui convidado".
Abaixo, os principais trechos
da entrevista no Icesp.
O Inca diz que há uma
estimativa de um milhão de novos casos de câncer nos próximos dois anos no
País. O que significa do ponto de vista da saúde pública?
O Inca talvez seja hoje uma das
instituição mais sólidas em termos de estudos e investigação epidemiológia do
câncer na América Latina. Então nós temos de acreditar nesses dados. Se nós
quisermos ter alguma dúvida em relação a esses números é que eles podem ser até
um pouco conservadores. Temos no Brasil ainda uma falta de dados exatos do
número de câncer, mas acredita-se que a estimativa do Inca esteja muito próxima
da realidade. Os números liberados agora têm algumas nuances importantes. No
ano passado, o número da estimativa era de 500 mil casos. Neste ano, 520 mil.
Um aumento substancial. Infelizmente a expectativa sobre esse número é de que
continue a aumentar. Na pergunta foi mencionado qual era a expectativa de um
milhão de casos nos próximos dois anos. Eu iria mais longe: nos Estados Unidos
haverá um milhão e meio de casos em um ano - e o Brasil tem um terço da
população americana. Se nós seguirmos nesta projeção ascendente, que se
confirmou entre as estimativas de 2011 para 2012, nós teremos no futuro um
número muito maior de casos. Não é impossível que cheguemos a ter um milhão por
ano, quando a nossa população realmente atingir seu estado mais maduro e tivermos
uma população elevada acima dos 60 anos.
Hoje temos no mundo em torno de
25, 26 milhões de casos.
Mas esse número vai aumentar
bastante. E o número que é dramático é que até 2030 esta incidência deve
aumentar em mais 15 milhões. E esse aumento se dará predominantemente em países
em desenvolvimento cujas populações estão envelhecendo agora. Nos Estados
Unidos, Europa etc, esta fase de amadurecimento já aconteceu há alguns anos. A
pirâmide populacional mudou e as incidências subiram muito em anos passados e
agora começam a estabilizar. Para nós, as curvas ainda são ascendentes.
O envelhecimento projeta um
aumento importante dos casos.
A maior parte dos tumores tem
mais de um fator que leva à formação da doença. Mas entre todos os fatores de
risco o que é mais comum a todos os tumores é o envelhecimento. Porque o
envelhecimento faz com que as células tenham mais tempo expostas a fatores que
possam transformar as células normais em cancerosas. O envelhecimento faz com
que haja mais pessoas sob risco, e consequentemente um aumento na incidência.
Mas gostaria de dizer que se abrem oportunidades. O câncer não é doença que se
forma do dia para a noite. As pessoas têm a impressão de que o câncer se forma
de um ano para o outro. Na realidade, o processo é muito longo, com exceção dos
tumores associados a síndromes familiares, que são muito rápidos, em geral os
tumores levam de uma a duas décadas para se instalar. Então, se nós já sabemos
que a estimativa atual é que haverá um envelhecimento da população e que essas
pessoas terão um risco maior, nós temos a oportunidade de atuar na juventude
agora para fazer com que ela minimiza a exposição. Você nunca vai conseguir
eliminar o risco. Mas você pode reduzir a chance. Mais ou menos como alguém que
está dirigindo a 140/150 quilômetros um carro e baixa essa velocidade para 80
quilômetros por hora. Ele ainda tem o risco de um acidente, mas é menor do que se
ele continuasse naquela velocidade.
Daí a iniciativa do trabalho
com escolas do Icesp.
Justamente. Temos uma
preocupação muito grande de como nós, no Icesp, Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, podemos colaborar na redução dos casos de câncer a
longo prazo. É importante não só se pensar no tratamento e diagnóstico precoce,
que são soluções a curto prazo, mas nas soluções a longo prazo. Sabendo do
tempo de formação do tumor, nós achamos que o momento no qual teríamos mais
impacto é a conscientização do jovem. O jovem sempre pensa que é invulnerável,
que não tem alta incidência de câncer, de outras doenças, e tende a ser um
pouco mais solto em relação a hábitos. No entanto, o que ele faz agora vai
cobrar a conta daqui a algumas décadas. Nossa iniciativa visa a conscientizá-lo
de que hábitos saudáveis agora podem evitar que ele enfrente esse problema
daqui 20 anos.
Doutor, o que é o câncer?
O câncer, na realidade, não é
uma doença. Há centenas de doenças que têm características similares, que
agrupamos com nome de câncer. Hoje a gente sabe que mesmo câncer de um órgão
específico são doenças diferentes. Por exemplo: você pode ter duas mulheres com
câncer de mama e um tumor não ter nada a ver com o tumor da outra. O que leva a
nós chamarmos de câncer são algumas características em comum. Primeira delas: o
câncer é doença que advém de alteração no código genético de uma célula
afetada. Isso é comum a todas elas. Aconteceu alguma alteração naquele código
que rege as funções e o desenvolvimento da célula fez com que ela se tornasse
anormal. Segundo ponto: ele tem a capacidade de invadir estruturas adjacentes e
mais, ele consegue viajar e se instalar a longa distância. A junção dessas
características é o que nos leva a chamar uma doença de câncer.
O que é apoptose?
É um mecanismo que o organismo
tem de eliminar células defeituosas ou que já tenham cumprido sua missão.
Seria, entre aspas, o suicídio da célula. Por exemplo: se você tem um indivíduo
que pega bastante sol e uma dessas exposições a radiação solar causou uma
alteração numa célula da pele, esta célula pode vir potencialmente a se
transformar em um câncer. Dentro da própria célula ela tem mecanismos que fazem
com que se ative a apoptose, e ela morre. Geralmente isso acontece quando há um
defeito no código genético que não pode ser reparado. A célula vem e tenta
reparar o problema. Não conseguiu, então, ela instruiu a célula para morrer
para que não cause câncer. Muitas vezes o câncer acontece porque temos defeitos
nesses mecanismos de gerar apoptose.
O que é angiogênese?
Angiogênese é um termo bastante
antigo. Foi cunhado por um cientista britânico chamado John Hunter, no Século
18, estudando feridas cirúrgicas. É a formação de novos vasos sanguíneos.
Porque é importante em termos de câncer: o câncer precisa de oxigênio , precisa
de uma via para receber alimentação e eliminar os produtos nocivos que são
gerados pelo metabolismo. Então, se a célula cancerosa não conseguir fabricar
um novo vaso, ela não consegue crescer. Se você consegue bloquear a angiogênese
dentro do tumor você faz com que o tumor pare de crescer ou até regrida.
Esse seria um ponto fraco da
doença.
É um dos pontos que têm sido
explorados nos tratamentos. É um dos pontos fracos do tumor.
O senhor tratou do
ex-presidente José Alencar, da presidente Dilma e do ex-presidente Lula. Qual
deles foi melhor paciente?
Todo paciente é especial.
O senhor votou em Lula?
O voto é secreto.
O caso de Lula é relacionado ao
fumo, câncer de laringe. Qual é o prognóstico?
O câncer de laringe tem sido
bastante estudado. E o tratamento tem evoluído bastante nos últimos anos. Diria
nas últimas décadas. Hoje a chance de sucesso de um câncer de laringe é
bastante alto, especialmente se ele é descoberto no momento em que ele está
confinado na região onde se iniciou. No caso do nosso ex-presidente, justamente
se identificou que a lesão estava localizada, ainda, não havia disseminação do
tumor. Então, o prognóstico é bom. Mas eu diria, se você me permitir, que mesmo
instituições que trabalham com o Sistema Único de Saúde (SUS) têm a
possibilidade de oferecer quimio e radioterapia que levam a uma chance de
sucesso bastante alta. Em diversas regiões do Brasil. É um dos tumores com
taxas de sucesso bastante boa.
Ele fez duas sessões, vai fazer
mais uma. Isso é o mais indicado para o caso dele, ou é procedimento para todo
paciente desse tipo de caso?
Não. Nós temos hoje em dia um
interesse muito grande em individualizar a terapia. Os tratamentos para os
diversos tipos de tumores são padronizados de acordo com o tipo de tumor a sua
apresentação e a condição do paciente. Se você imaginar, são três grandes áreas
que você trata a intersecção dessas três áreas. Tumor, paciente e o seu
tratamento. Esse tipo de tratamento oferecido ao nosso ex-presidente foi
desenhado especificamente para a situação dele. Existem tratamentos em que há
cirurgia imediata, outros em que há cirurgia, seguida de quimio e radioterapia,
e outros ainda quimio e radioterapia inicialmente. Esse foi o escolhido para
ele.
Uma das queixas do paciente com
a doença, nesta fase do tratamento, é o desconforto. Como fazer para reduzir os
danos da quimio?
Nós evoluímos muito em termos
de controle de sintomas no tratamento nos últimos 20 anos. Quando eu comecei a
tratar pacientes com câncer não era incomum que no dia do tratamento o paciente
ficasse fechado num quarto tomando soro, com as luzes apagadas, ar condicionado
ligado. O paciente vomitava, um desconforto excessivo. É claro que o tratamento
oncológico continua sendo um tratamento difícil. Mas evoluímos muito. Hoje nós
temos medicações que permitem que o paciente tenha qualidade de vida aceitável.
Ainda haverá dias em que os efeitos colaterais afetarão as atividades normais
do pacientes. Particularmente quando você está fazendo um tratamento em áreas
mais delicadas do organismo. como por exemplo a laringe, uma área extremamente
nobre do organismo, o que nós comemos, respiramos, bebemos passa por essa
região do pescoço. Mas existem outras áreas que são igualmente delicadas e, de
novo, os esforços têm sido não só em melhorar o tratamento, mas também em
diminuir o desconforto do paciente. Nós vamos evoluir eventualmente para
tratamentos muito mais específicos, que pouparão muito mais as células normais
e atuarão muito mais sobre as células cancerosas. Isso já está acontecendo, mas
nem sempre é possível.
Já há drogas específicas e
disponíveis?
Temos a primeira geração dessas
medicações. No entanto, elas não estão disponíveis para todos os tipos de
câncer. O mesmo essas drogas ainda não são perfeitas. Um cientista alemão, do
final do século 19, início do século 20, chamado Paul Ehrlich, cunhou um termo
'bala mágica', uma bala que quando fosse disparada e só acertaria o bandido,
poupando as outras pessoas ao redor. A ideia dele é que se pudesse desenvolver
um tratamento que matasse só a célula cancerosa sem atingir as demais. Ainda
não chegamos na 'bala mágica' de Paul Ehrlich, mas já andamos nesta direção. Eu
tenho muita convicção de que vamos chegar nesse ponto porque o tratamento mais
moderno já está muito mais próximo disse do que era. Novamente: infelizmente
ainda não é perfeito e nem está disponível para todos os tipos de tumores.
Novas gerações desses remédios terão de ser desenvolvidas para se atingir esse
objetivo.
Com o que se tem hoje, o câncer
tem cura?
Hoje nós conseguimos curar mais
de 60% dos pacientes com câncer.
Quando o senhor fala de cura é
eliminar completamente? A pessoa vai morrer idosa ou de uma outra doença?
Exatamente. Alguns tumores têm
mais chance de sucesso. Por exemplo: dos que temos grande chances, pacientes
com tumor de testículos, que é tumor importante porque atinge homens jovens.
Nós temos a chance acima de 90% de curar. Mesmo quando ela está mais avançada.
Maior exemplo é o ciclista americano Lance Armostrong, que teve um câncer de
testículo com metástase no cérebro, foi tratado e ficou não só curado como
ganhou o Tour de France várias vezes depois do tratamento. Um sucesso. Outros
têm taxa menor em termos de cura. Mas mesmo assim temos evoluído. Há um
sarcoma, incomum, chamado Gist, tumor do sistema gastro intestinal. Esses
tumores tinham expectativa de vida, quando já avançados, de menos de um ano.
Hoje, quando não é curável, a expectativa de vida é de mais de cinco anos. E
vem aumentando ano a ano. Graças a essas moléculas específicas que a gente
chama de terapia Alfa. Temos tido avanços, não na velocidade que gostaríamos,
mas hoje em muitas apresentações é curável.
Um médico salva muita gente,
mas também convive com as perdas. Como é perder um paciente?
É uma experiência muito
difícil. Ninguém aceita isso. O médico aprende a conviver com a perda, porque
se não ele teria de abandonar a profissão, especialmente um oncologista, porque
o número de pacientes que acaba falecendo da doença é muito grande. É um
momento de dor para todos os envolvidos. O tratamento oncológico é intenso. Nós
trabalhos com o paciente lutando juntos, com frequência grande, períodos
longos. Você vê o paciente muito. Se formam vínculos de amizade. Por outro
lado, procura-se ver o sucesso, aqueles que se curam. E mesmo aqueles que não
conseguem sobreviver nós procuramos ver se conseguimos fazer com que esse
paciente vivesse mais tempo, tivesse oportunidade de ver a formatura de um
filho, assistir a um casamento, coisas importantes para ele. E se a qualidade
de vida foi mantida da melhor forma possível até o fim.
Os médicos fazem estatísticas
desse sucesso? O senhor mede?
Individualmente, não. Não tenho
esse hábito. Como instituição, acho muito válido e necessário que façam suas
estatísticas de sucesso. Para ter certeza de que está fazendo o melhor.
O senhor fez medicina nos EUA.
O que diria a um jovem que pretende cursar medicina no Brasil?
Eu sempre tive muito orgulho da
minha formação no Brasil. Os médicos brasileiros com os quais convivi nos
Estados Unidos sempre foram muito respeitados nos grupos. Eu diria a um aluno
que depende muito de seu esforço. Acho que no Brasil há todas as condições de
formarmos médicos excelentes, mas é necessário esforço pessoal. No passado,
quando eu fui aos Estados Unidos, havia uma discrepância muito grande entre a
infraestrutura disponível aqui e a de lá. A primeira vez que cheguei na Universidade
de Miami coloquei o jaleco e comecei a caminhar na direção do hospital, foi um
choque. Era muito diferente do que eu estava acostumado a ver. Hoje não é tão
diferente. Visitei recentemente a Universidade de Miami, visitei as clínicas, e
não há mais diferença. Em muitos aspectos o Icesp tem uma estrutura mais
acolhedora. Mas há que ter cuidado. O Brasil teve um aumento muito grande no
número de escolas médicas. Nem todas estão preparadas para formar um médico que
nós precisamos. É importante que haja um controle da qualidade dos médicos que
estão se formando.
É possível fazer boa medicina
com a pressão de custos do sistema hospitalar?
A pressão é nos médicos e
hospitais mundiais. Nos Estados Unidos, o presidente Obama passou lei de
atenção à saúde que está sendo questionada. É possível que ela seja desfeita. A
pressão de custos é universal. Se podemos fazer boa ciência? Podemos. Boa
medicina? Podemos. Mas vamos ter de aprender a racionalizar os recursos. Há, às
vezes, a impressão de que é possível se fazer tudo para todos sendo
estabelecido, experimental etc. Infelizmente a realidade não é essa. Há
limitações. Deveríamos ter mais verbas? Gostaria que tivéssemos. Mas também
ficar só mencionando isso é complicado. Acho que sim, temos que lutar por mais
verbas, mas temos que racionalizar o uso do que temos também.
O senhor dirige o Sírio
Libanês, privado, e o Icesp, público. Qual é a maior dificuldade na questão da
gestão?
São mundos bastante distintos,
mas que estão se aproximando. Acho que o sistema público, pelo menos as
instituição de mais qualidades, estão se aproximando mais do sistema privado.
mas sempre haverá diferenças, como entre dois hospitais privados. Aqui, no
Icesp, público, temos a dificuldade de financiamento da saúde maior do que o que
você tem numa instituição privada. O salário dos médicos não são exatamente o
que nós gostaríamos que fosse. É natural a dicotomia. Uma pergunta importante,
que ainda não foi feita, é qual seria o grande problema do atendimento
oncológico hoje no Brasil? Nós discutimos muito o acesso a novas drogas, a
novos equipamentos. É importante. Mas o grande problema é o acesso aos
serviços. Você precisa fazer com que o paciente que tem suspeita de câncer
tenha seu tratamento iniciado mais rápido. Como fazer? De duas maneiras:
aplicando na infraestrutura e racionalizando o uso do que você já tem. Por que
há filas e o paciente reclama? É importante esclarecer à população que não é um
porque os médicos do hospital x,y,z não estão atendendo, ou o hospital está de
má vontade. É que a demanda é maior do que o que os hospitais têm. Se tenta
fazer o melhor. O que precisamos é de um sistema que redistribua melhor essa
demanda.
Doutor, o senhor aceitaria ser
ministro da Saúde?
Eu? Nunca fui convidado.
É possível fazer boa formação
sem o apoio das corporações e indústria que financiam pesquisa?
No Brasil, nós tínhamos uma
falta de arcabouço jurídico da pesquisa clínica que estava sendo realizada. Na
gestão do ministro Adib Jatene, da Saúde, se criou um sistema nacional de controle
ético de pesquisa e se regulamentou como seriam as relações entre pacientes,
médicos, prestadores e patrocinadores. A espinha dorsal é a Resolução 196 da
Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisas). Temos que reconhecer que a
Resolução 196/96 foi um grande avanço. Regulamentou o que era feito sem
controle adequado. E estabeleceu marcos importantes em defesa dos pacientes. No
entanto, a Resolução 196 e as que se seguiram a ela criaram uma situação em que
a pesquisa clínica no Brasil ficou extremamente restritiva e extremamente cara.
Se você seguir ao pé da letra, fica quase impossível fazer pesquisa que não
seja patrocinada por indústria farmacêutica. Os tratamentos padronizados tem de
ser cobertos por alguém que não seja o SUS, seguros ou pacientes. Quem é que
tem dinheiro para pagar? A grande indústria. Hoje, a agenda da pesquisa ficou
altamente dependente da indústria farmacêutica.
Mas isso não gera uma questão
ética para o médico?
Depende de como ele se
relaciona. Gera é uma questão maior. Uma questão de desenvolvimento de
conhecimento para o país. É do nosso interesse que a pesquisa médica do país
seja dominada só pela indústria farmacêutica? Eu não sou contra a indústria.
Sou totalmente a favor do relacionamento com a indústria dentro de normas
éticas. Mas acho que deve existir outras formas de pesquisa. Mesmo porque
existem pesquisas clínicas relativamente simples que não são do interesse da
indústria. Um exemplo: se eu imaginar um tratamento com a droga Y e a dose é de
100 ml de aplicação e eu, estudando, imagino que 50 ml seja suficiente, para
fazer um estudo tenho de achar alguém que pague os 100 ml do braço de controle
e os 50 ml do experimental. Embora os 100 ml seja padronizado e se eu for
tratar o paciente, o que farei, será coberto. Pela lei atual tenho que achar
alguém que pague os dois braços. Será que a indústria vai ter interesse em
patrocinar um estudo que vai levar à venda da metade do que ela vende
atualmente? Difícil.
Qual a solução?
É você pensar melhor a questão.
Drogas novas têm de ter seu desenvolvimento patrocinado totalmente pela
indústria, sem dúvida. Mas acho que tem de haver flexibilidade para
instituições acadêmica, quando estiverem avaliando protocolos padronizados
possam fazer a cobrança na fonte usual. Não é aumento de despesa. Fico feliz
que a Resolução 196 tenha sido colocada em discussão agora. Estão recebendo no
Ministério comentários da comunidade científica para tentar aperfeiçoar a
resolução. Queremos manter a ética da pesquisa. É importante que o que for
experimental seja coberto por quem eventualmente vá lucrar, mas temos que ter
cuidado para não jogar o nenê junto com a água do banho. Temos que separar o
que tem de ser patrocinado pela indústria e o que tem de ser acadêmico, que vai
beneficiar o SUS, inclusive. Outro ponto é que o Brasil só perde em tempo de
aprovação de pesquisa para a China. Hoje nosso tempo médio é muito longo, que
faz com que sejamos excluídos de estudos importantes. Não queremos diminuir a
avaliação ética dos projetos. Mas precisa ser mais célere. Hoje temos duas
instâncias: a maior parte dos países tem uma instância de aprovação e uma de
supervisão.