Cidades do Velho Chico: Casa Nova e o Massacre de Pau de Colher

Vindo de Remanso, trafegando pela BR 235, exatos 103 kms depois chegamos a Casa Nova, mais uma cidade que margeia o lago de Sobradinho. Como referência também mais próxima, temos a cidade de Sobradinho, distante 55 kms. Neste novo episódio da série Caminhos do Brasil – Cidades do Velho Chico, vamos retratar a hoje moderna cidade de Casa Nova e seu principal distrito, Santana do Sobrado, além de fatos que ajudaram a construir o município que é hoje.

Como várias das cidades que surgiram por aqui, o povoamento iniciou-se na primeira metade do século XIX. Diferente dos seus vizinhos, Casa Nova deve seu crescimento inicial à exploração das minas de sal. Com a finalidade de explorar o cloreto de sódio nasce um povoado na fazenda Riacho da Casa Nova. O arraial desenvolveu-se em função do comércio do sal para as Províncias de Minas Gerais e Piauí. Em 1873, nasce a freguesia com o nome de São José do Riacho da Casa Nova, pela lei provincial nº 1.265, de 03 de abril daquele ano, subordinado ao município de Remanso do Pilão Arcado.

Seis anos depois passa à categoria de município com a denominação de São José da Casa Nova, pela lei provincial nº 1873, de 20 de junho de 1879, desmembrado de Remanso do Pilão Arcado. Em 1º de maio de 1890, são criados os distritos Pau a Pique, Santana do Sobradinho e São José do Campo Formoso e anexados ao município de São José da Casa Nova. O nome foi simplificado em 1931 para ficar apenas Casa Nova. Com a criação do distrito de Bem-bom, em 1933, Casa Nova passa a ter os distritos de Casa Nova (sede), Bem-Bom, Pau a Pique, Santana do Sobradinho (Hoje denominado Sobrado) e São José do Campo Formoso, que passou a se chamar, a partir de 1938, de Luiz Viana. Mais recentemente, um distrito merece destaque pelo seu crescimento: Santana do Sobrado, o mais populoso de Casa Nova, e que já tentou se emancipar pelo menos por duas vezes.  

Dois acontecimentos vão colocar Casa Nova no centro das atenções. O primeiro aconteceu em 1938 e seu povo não sente nenhum orgulho. A história começa um pouco antes, segundo o Blog Ensinar História – de Joelza Ester Domingues, em 11 de maio de 1937, três anos após a morte de Padre Cícero, centenas de sertanejos, seguidores do beato paraibano José Lourenço, foram massacrados pela Polícia e pelo Exército na fazenda denominada Caldeirão, situada no Crato, Ceará. O episódio ficou conhecido como Massacre do Caldeirão. A terra havia sido doada aos romeiros pelo Padre Cícero no final da década de 1920. Conhecida como Caldeirão dos Jesuítas, passou a ser chamada de Caldeirão da Santa Cruz do Deserto pelos romeiros. Para Caldeirão iriam os moradores da localidade de Pau de Colher, localizada a cerca de 95 kms de Casa Nova, ainda dentro de seu território, e próximo da divisa com o Piauí. Com a notícia dos cerca de 700 mortos de Caldeirão, os moradores ficaram em Pau de Colher e resolveram seguir a mesma trilha de José Lourenço.

O movimento de Pau de Colher guarda várias semelhanças com a Guerra de Canudos, embora o número de mortos tenha sido bem menor. No início dos anos 1930, José Senhorinho passa a reunir em sua casa pessoas interessadas na leitura de textos bíblicos. Seguidor do beato Severino Tavares, um dos principais líderes da comunidade do Caldeirão, e de Padre Cícero, Senhorinho permitiu que reunisse uma grande quantidade de seguidores, transformando sua fazenda em um lugar sagrado e livre de exploração. A formação dessa comunidade incomodou os grandes proprietários de terra da região e a igreja católica, que viam nesse tipo de movimento messiânico uma contestação contra autoridades. Após a destruição de Caldeirão, no Ceará, o número de fiéis cresceu mais ainda e acabou por gerar conflitos dentro da hierarquia mantida por Senhorinho, inclusive com assassinatos de fazendeiros que não viam com bons olhos os penitentes. Os opositores ao movimento se intensificaram porque passaram a questionar autoridades de Casa Nova, fazendo com que os moradores de Pau de Colher passassem a ser vistos pelas autoridades como infratores da lei, além de serem acusados de comunistas, em função da organização coletiva do trabalho e da divisão igualitária daquilo que produziam.

No início de janeiro de 1938, soldados vindos do Piauí fizeram uma investida na região e Senhorinho foi morto. A tropa foi massacrada a paus. Se a comunidade de cerca de 4 mil almas ainda enfrentou os primeiros soldados, pouco pode fazer quando os cem soldados pernambucanos, liderados pelo capitão Optato Gueiros e alimentados por metralhadora, chegaram em Pau de Colher para acabar com aquilo. O livro O massacre de Pau de Colher, de Marcos Damasceno, edição da Produtora Sertão, edição já esgotada, traz um relato preciso do movimento, que também chegou a ser conhecido como Guerra dos Caceteiros. Toda a tragédia durou os dois meses iniciais daquele 1938 e está na relação dos episódios sangrentos da Era Vargas, que não aparecem nos livros de História. Dados oficiais falam em exatos 197 mortos, mas populares sobreviventes informaram que morreram cerca de mil pessoas, desde os combatentes até mesmo aqueles que fugiram feridos para a caatinga e morreram de fome. Entre estes mortos, um deles, José Camilo, viveu até perto dos 100 anos. Se negava a contar a história para evitar perseguições. Não se casou no civil, não registrou seus filhos e não se aposentou como trabalhador rural. Não existia para o Estado.  

O segundo acontecimento central de Casa Nova foi a mudança, em 1976, da localização da cidade devido à construção da barragem de Sobradinho e a consequente inundação da área original da cidade, com a formação do lago. Como já se sabe, o lago formado com a barragem cobriu as cidades originais de Casa Nova, Pilão Arcado, Remanso e Sento Sé. A mudança das cidades e das populações ribeirinhas por causa da barragem inspirou a criação da música Sobradinho, de Sá e Guarabira, além de obras da literatura de cordel e trabalhos que circularam no meio acadêmico. A partir da mudança, todas as cidades que sofreram mudanças de local passaram a ser de segurança nacional e seus administradores eram nomeados, só voltando a ter seus prefeitos e vereadores eleitos a partir de 1985.   

Hoje, Casa nova vive em função do lago de Sobradinho e já produz mais de 1 milhão de garrafas de vinho e colhe duas safras de uva por ano. Por ter uma área enorme de 9.657,505 km², onde vive uma população de 71.572 habitantes, morando 7,4 pessoas por km, Casa Nova tem o maior rebanho de caprinos da Bahia, com 403.410 cabeças, dados defasados de ainda 2005. O município também faz parte da Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina e Juazeiro e faz limites com Sobradinho, Sento Sé, Remanso – na Bahia; Petrolina e Afrânio, em Pernambuco; e Dom Inocêncio, no Piauí. Está diante de Salvador a 572 kms. A nova sede fica distante do local da velha Casa Nova por 37 kms. Também o seu crescente turismo está ligado ao Rio São Francisco, constituído principalmente de praias de água doce, como as Dunas do Velho Chico e a Ilha dos Moisés. As vinícolas também são fortes atrativos.

Depois de tanta luta de seu povo, Casa Nova pode se dizer hoje um lugar de progresso e pleno desenvolvimento. Sua estrutura é de uma cidade de porte médio e tem um comércio bem desenvolvido. Como está havendo uma corrida populacional para cidades com melhores perspectivas de crescimento e qualidade de vida, não será de surpreender ninguém números bem positivos nos próximos censos populacionais e econômicos sobre o município de Casa Nova.