Vagner e Oberleide: relacionamento desfeito pela fatalidade (foto: arquivo familiar) |
A pergunta que titula esta
reportagem ainda ferve na cabeça dos parentes da quase garota que saiu do
povoado Angico, em Fátima-Ba, para tentar, ao lado do companheiro, ter uma vida
melhor em São Paulo. Oberleide Rosário de Jesus nasceu em Fátima, em 30 de maio
de 1996. Como quase todos desta região de fronteira, foi registrada em Cícero
Dantas e tem sua carteira de identidade de Sergipe. Era filha de Nailson
Rosário de Jesus e de Orleide Benevides do Rosário e convivia uma relação
estável com Vagner Santos de Menezes. O casal residia na rua Alécio Messiano,
nº 57, em Antártica, Praia Grande-SP.
A caminhada de Oberleide para a
morte começou quando sentiu fortes dores e seguiu para a UPA – Unidade de
Pronto atendimento de Quietude, também em Praia Grande. Lá foi medicada e
seguiu para casa. Como o paliativo que recebeu não resolveu, seu caso piorou e
foi socorrida e levada para o Pronto Socorro Municipal de Quietude, em Praia
Grande. Foi entubada e apresentava formação de grandes hematomas, com perda sanguínea.
Eram 18 horas do dia 31 de agosto deste ano quando a morte foi constatada.
O médico que assinou o Atestado
de Óbito, Dr. César Cileno Ponce, alegou como causa da morte hemorragia da
glândula suprarrenal bilateral. Na declaração dada pela Dra. Alba Blasotti, que
permite o embalsamento do corpo e a abertura para o ritual religioso, diz que
Oberleide não tinha nenhuma doença contagiosa. A questão é saber o que causou a
hemorragia que matou Oberleide. Foi o medicamento tomado na UPA? Foi a falta de
um encaminhamento melhor para realização de exames adequados ou foi mesmo uma
fatalidade?
Como não somos médicos,
procuramos informações de quem está no ramo. Encontrei esclarecimentos, mas a
pessoa pediu para não ser identificada. Disse, então, o especialista que este
tipo de hemorragia é muito rara e provoca insuficiência renal aguda. Quando
acontece de forma bilateral leva o paciente a óbito em pouco tempo. É
necessário o diagnóstico precoce da insuficiência para permitir a terapia
adequada em tempo hábil. Sim, e no caso de Oberleide, caso fosse detectado
ainda no atendimento na UPA, ela teria sobrevivido? Nosso informante afirma que
havia grandes possibilidades de ela não chegar ao óbito.
Chegada do corpo de Oberleide ao povoado Angico (foto: Jorge Souza) |
Mas o que causa a hemorragia? São
inúmeras as possibilidades: hemofilia, hipertensão arterial, infecção
generalizada, metástase de câncer hepática, pós-cateterismo cardíaco e até estresse.
Para aumentar ainda mais o mistério, a doença é mais comum em crianças
recém-nascidas. É muitíssimo raro atingir um adulto. E vale ainda dizer que
ninguém sabia que ela sofria de alguma doença. Teria sido o estresse? Oberleide
era manicure e pedicure. Seria um trabalho estressante? Ainda há questões que
podem ser levantadas. Embora seja uma doença rara, é curioso que o profissional
que a atendeu não atentou para os sintomas, embora não sejam específicos nem
característicos. O nosso informante chegou a dizer que, neste caso, o paciente
pode exibir sinais e sintomas de hemorragia interna, ou apresentar
insuficiência suprarrenal aguda. Havendo dor, a mesma se localiza em regiões
que podem apresentar sensibilidade à apalpação. Até mesmo um exame físico poderia
identificar massa palpável na região da hemorragia. Por fim, um exame
radiológico simples do abdômen poderia revelar opacidade na região lombar. Isso
identificaria a doença e as providências poderiam salvar a paciente.
Em suma, o que aconteceu com
Oberleide foi uma fatalidade, seguida de um atendimento questionável. Tivesse
ela sido socorrida no Sírio Libanês, Samaritano ou Oswaldo Cruz, talvez estivesse
viva hoje contando histórias. Não é só problema de erro de diagnóstico médico.
É que o Brasil tem duas medicinas: uma para quem pode pagar e o SUS. Se Jair
Bolsonaro tivesse tomado a facada e sido socorrido numa UPA teria tido o mesmo
destino? Duvidamos. Este país ainda é injusto com seu povo, mesmo que tenha
melhorado com a criação do próprio SUS.
Mas com o povo que temos, haverá
sim uma hora em que não será preciso fazermos bingos para que nossa gente seja
transportada para ser enterrada no seu local de nascimento. Amigos de
Oberleide, da Bahia e de São Paulo, em poucas horas, conseguiram toda a grana
para o translado aéreo do corpo até Aracaju-Se. A Prefeitura Municipal de
Heliópolis fez a parte dos serviços fúnebres e a vereadora Ana Dalva providenciou
o transporte da família. Uma união que mostrou o quanto Oberleide Rosário era
querida e o quanto de espaço deixará vazio nos corações dos seus amigos e
parentes da Bahia, São Paulo e Sergipe.
A multidão que compareceu ao sepultamento foi um
capítulo à parte. Teve até serviço de som pedindo às pessoas que abrissem
espaço para que os familiares pudessem dar o último adeus a Oberleide. Vai ser
difícil entender o que aconteceu e, principalmente, se convencer da fatalidade
do caso. O impacto foi tão grande que o marido, Vagner Menezes, após a
confirmação da morte da companheira, abandonou tudo em São Paulo e veio para
Fátima. Está cabisbaixo e vai demorar um tempo para perceber que a vida segue.
Nem mesmo tem ânimo para sua segunda paixão: o motociclismo. A mãe de
Oberleide, dona Orleide Benevides, ainda não se recuperou. Enquanto
terminávamos esta reportagem, a vereadora Ana Dalva informava que tinha
terminado de levá-la a um hospital. Já está em casa e segue doente de dor, dor
de perda irreparável, dor de ente querida arrancada dos braços e da vida aos 23
anos. Dor imensa, maior ainda que a multidão presente ao sepultamento na última
sexta-feira (02), no povoado Angico. Dor de um povo que luta, que batalha pela
sobrevivência em busca de um lugar ao sol, e que, muitas vezes, de repente,
como se fosse um castigo injusto, depara-se com a morte.