A partir desta semana, ao longo
dos próximos meses, publicaremos reportagens de pessoas que tentaram melhorar
este país e não receberam o reconhecimento devido. São os nossos Heróis
Anônimos. Hoje, publicaremos a história de Gesio Rangel de Andrade, feita pela
Folha de São Paulo, que tentou, sem sucesso, impedir mais um rombo nas contas
da nossa Petrobrás. Só agora sabemos da existência deste engenheiro. Ele nos dá
a esperança de que é possível construir um Brasil melhor. Veja.
Petrobras puniu gerente que se
opôs à fraude, afirma viúva
RAQUEL LANDIM – da Folha de São
Paulo
Gesio Rangel de Andrade, engenheiro da Petrobras, acreditava que obra estava superfaturada |
O engenheiro Gesio Rangel de
Andrade foi "colocado na geladeira" na Petrobras por se opor ao
superfaturamento da obra do gasoduto Urucu-Manaus, na Amazônia. A afirmação é
de Rosane França, viúva de Gesio, que morreu há dois anos, vítima de ataque
cardíaco. Segundo ela, pessoas da estatal tentaram constranger seu marido a
aprovar aditivos para a obra. Ele não concordou e foi exonerado do cargo,
permanecendo por dois anos sem qualquer função. Os gastos com o gasoduto
Urucu-Manaus estouraram todas as previsões. A área técnica estimou a obra em R$
1,2 bilhão, mas o contrato foi fechado por R$ 2,4 bilhão, após pressão das
construtoras. O gasoduto demorou três anos para ficar pronto e o custo chegou a
R$ 4,48 bilhões. A estatal aprovou um aditivo de R$ 563 milhões para um dos
trechos, praticamente o valor daquele contrato. Com 663 quilômetros, o gasoduto
transporta gás natural produzido pela Petrobras em Urucu até as termelétricas
da Amazônia. O gás substitui parte do óleo diesel queimado pelas usinas,
reduzindo o custo da energia. Gesio era o gerente-geral da obra do gasoduto.
Segundo Rosane, o marido alertou Graça Foster, que ocupou o cargo de diretora
de gás e energia, dos problemas. A viúva não cita nomes, mas em e-mails
enviados aos seus superiores, aos quais a reportagem teve acesso, Gesio reclama
da diretoria de engenharia, comandava por Renato Duque, que negociava com as
empreiteiras. A Petrobras informou em nota que o gasoduto é um
"empreendimento lucrativo" e que foi preciso "alterar a
metodologia de construção devido às condições adversas na Amazônia". As
construtoras não se manifestaram. O TCU investigou o caso, mas não encontrou
indícios de superfaturamento por conta da dificuldade de compará-lo com obras
semelhantes. O órgão detectou falhas graves no projeto feito pela engenharia da
Petrobras. O caso ainda está em análise.
ENTREVISTA
Ex-funcionária da Petrobras,
Rosane França, 56, diz que não sabe de casos de corrupção na estatal, mas que
"sempre tinha alguém recebendo uma herança". A família move ação
trabalhista contra a Petrobras. Leia trechos da entrevista:
Qual é a relação da sua família
com a Petrobras?
Entrei para a companhia em 1980 e
o Gesio já trabalha lá desde 1976. Casamos em 1986 e tivemos três filhos. Gesio
fez carreira na Petrobras e se tornou referência na área de gás natural. Até
que foi convidado para ser o gerente do gasoduto Urucu-Manaus.
O que aconteceu?
Foram realizadas três licitações.
Duas foram canceladas por preços excessivos cobrados pelas construtoras, e a
terceira foi feita à revelia do Gesio. É claro que tinha a pressão das
empreiteiras, mas quando profissionais da sua empresa dizem que você tem que
aceitar, é pressão interna. Ele recebia recados de que o projeto não andava por
causa dele e algumas decisões foram impostas.
Por que Gesio era contra aditivos
para a obra?
O preço que a Petrobras aceitou
já estava superfaturado. Era mais caro do que fazer gasoduto na Europa com
alemão trabalhando. Como ele ia assinar algo que seria contestado pelo TCU?
Quem estava pressionando o Gesio
dentro da Petrobras?
Não vou citar nomes.
Ele soube de corrupção?
É claro que eu ouvia desabafos.
Nunca soubemos de um caso de corrupção, mas é lógico que você percebe que
fulano viaja com os filhos para fora do país três vezes por ano. Sempre tinha
alguém recebendo uma herança.
Gesio foi exonerado do comando da
obra do gasoduto no fim de 2007. Por quê?
Ele foi exonerado no meio da
noite, quando o diretor de gás e energia [Ildo Sauer] saiu e antes do sucessor
[Graça Foster] entrar. Ele ficou como consultor informal da nova diretoria por
alguns meses até que foi afastado de vez.
Gesio alertou seus superiores
–Ildo Sauer e Graça Foster– do que estava ocorrendo?
Sim. O primeiro fazia parte da
tropa de choque que queria brechar o superfaturamento da obra. Depois, ele
informou o que estava ocorrendo para a nova diretoria.
O salário dele caiu? O que
aconteceu com o padrão de vida da família?
Foi muito duro. No final, ele
recebia 50% a menos. Foi nessa época que entramos com um processo na Justiça do
Trabalho. Morávamos num apartamento alugado, mas tivemos que voltar para o imóvel
que ele vivia quando era solteiro. Não sobrava dinheiro para trocar de carro.
Ele chegava no estacionamento da Petrobras e o pessoal ficava sacaneando.
"E aí, Gesio? Não vai trocar de carro? Tá na hora."
Por que ele não preferiu ignorar
os problemas?
Ele era honesto. Era um homem
humilde, que foi educado para ser honesto e sofreu muito por isso. Encontrou
muitas pessoas que não eram assim. Ele queria fazer as obras pelo menor preço e
foi colocado na geladeira.
Você pretende mover outro
processo contra a Petrobras?
Ele pretendia processar a empresa
por danos morais quando se aposentasse. Como o caso começou a vir à tona,
estamos estudando essa possibilidade.