“O meu herói é um corrupto!”

                                                  Landisvalth Lima
Foram mesmo condenados os mensaleiros? (Ilustração de luizberto.com)
As condenações judiciais foram criadas no estado democrático republicano destinadas a duas finalidades: para o condenado pagar sua dívida com a sociedade e para que ele possa ressocilializar-se, reaprender o seu papel no mundo que o cerca. Embora saibamos que tudo aqui no Brasil tem uma vertente para o povo e outra para os poderosos, chego à conclusão de que as duas finalidades nunca chegaram a ser práticas plenas no nosso medieval sistema carcerário.
Não preciso aqui ir muito longe para referendar a falsa ideia de que bandido bom é bandido morto. Empilhamos nossos ladrões de galinhas em cárceres análogos ao inferno. Carandiru, Lemos de Brito e tantas outras penitenciárias eram ou são escolas formadoras de doutores em bandidagem. O sujeito sai de lá preparado para uma guerra, sem ter medo de matar ou morrer. A própria sociedade que o condenou rega bestialmente uma bomba social no jardim da sua casa. Isso porque a nossa Justiça está mais preocupada com o condenar por condenar, quando isso é possível, sem prever as consequências do ato no sistema social perverso em que nos encontramos.
A coisa é tão catastrófica que os nossos gênios superiores, encalacrados nas pastas burocráticas do poder, num passe de mágica, acham que a solução é simplesmente grana. Então criam uma espécie de bolsa-condenado, com o nome pomposo de auxílio-reclusão, que hoje está na faixa dos 915 reais. Se incluirmos aqui outros gastos, como alimentação e manutenção das estruturas carcerárias, um preso no Brasil custa algo em torno de 1.800 reais por mês. Já para manter um aluno na escola, os governos gastam cerca de 230 reais mensais. Aí está a equação absurda! E não estamos aqui levando em consideração que um trabalhador rala trinta dias suando a camisa para receber 724 reais, se tiver a sorte de estar empregado e gozando de plena liberdade.
Nossos presos pobres ficam anos sem fazer nada e tem muito tempo para orquestrar coisas ruins. Minha mãe dizia que cabeça vazia é laboratório do diabo. Nossas prisões deveriam ser colônias agrícolas, de manufaturas, tecnológicas e educacionais para até justificar o auxílio-reclusão e verdadeiramente ressociabilizar o condenado. São, na verdade, depósitos de marginais, em sua maioria, ou laboratórios para cientistas do crime organizado. Está aí o PCC. Outras siglas estão e virão até o dia em que descobrirmos que nós é que estamos condenados.
E para piorar o que já está ruim, quando pensávamos que estávamos colocando os grandões na cadeia, e que eles pagariam com a reclusão toda malversação contra a sociedade brasileira e contra o estado republicano, surge então a cadeia especial, quase um faz-de-conta, para os nossos mensaleiros. Eles têm direito a visitas sem o devido registro, psicólogos e até podólogos. E ainda, para que não tenham seu patrimônio diminuído, abriram uma conta bancária na Internet para doações generosas. Todos tiveram suas dívidas condenatórias pagas pelo contribuintes que foram lesados pelos condenados. Um chegou até o cogitar trabalhar como gerente de hotel e receber a bagatela de 20 mil reais mensais. São inúmeras as regalias. E quem se negar a permiti-las poderá ser demitido. Afinal, são heróis que lutaram contra a elite brasileira, representada pelo negro Joaquim Barbosa, que chegou ao Supremo pelas mãos trabalhadoras de Luís Inácio Lula da Silva.
Há algum tempo li numa revista semanal que um homem mofava numa cadeia por ter roubado um galo do vizinho para comer. Pegara dois anos de cadeia e já cumpria cinco. Foi descoberto por um repórter. Ao sair, um advogado resolveu pegar a causa e exigiu uma indenização do Estado pelos três anos a mais de pena. Como a Justiça é lenta, principalmente para os pobres, o sujeito morreu sem a causa ter sido julgada. Um direito líquido e certo para um preso comum, do mundo dos pobres, só é conquistado quando se atravessa um deserto inteiro. Para os condenados do colarinho branco, as regalias estão garantidas, sem ser um direito. Não faz muito tempo, foi noticiada a morte de um prefeito de outrora na Bahia. Morreu esquecido e pobre. Sempre fora um homem simples. Ficou famoso por tratar o dinheiro público como público. No velório, comentavam sua austeridade com os recursos. Um rapaz que ouvia tudo, resolveu retrucar: “Um otário, isso sim! Ele foi um otário! Fosse eu, metia a mão!”.  Para este, e para os que contribuíram com os mensaleiros, pode bater no peito com orgulho e dizer: “O meu herói é um corrupto!”.