EDUARDO SCOLESE, com colaboração
de DIÓGENES CAMPANHA – da Folha de São Paulo
Vídeo mostra a barbárie em penitenciária do Maranhão |
"Tem que ajeitar o
foco", diz um preso a um colega que acabara de ligar a câmera do celular
em meio a um grupo de detentos rebelados. Vencida a discussão técnica, o que se
segue é um documento explícito do horror praticado no complexo de Pedrinhas, em
São Luís, no Maranhão, onde 62 presos foram mortos desde o ano passado. São
dois minutos e 32 segundos em que os próprios amotinados filmam em detalhes
três rivais decapitados. E se divertem exibindo os corpos –ou que restam deles.
O vídeo, gravado no dia 17 de
dezembro, começa com os presos caminhando por dez segundos dentro da
penitenciária. Para preservar suas identidades, tomam o cuidado de exibir
apenas os pés. No foco principal, um homem de chinelos pretos e bermuda branca
dá passos apertados, até que no oitavo segundo da caminhada o chão verde
molhado de água se transforma num piso ensopado de sangue. Dois segundos
adiante, a câmera se levanta abruptamente e mostra o saldo do motim no CDP
(Centro de Detenção Provisória) de Pedrinhas, um bairro da zona rural da
capital maranhense. Estão lá, diante da câmera e de comentários em tom de
comemoração, os corpos de Diego Michael Mendes Coelho, 21, Manoel Laércio Santos
Ribeiro, 46, e Irismar Pereira, 34. O gestão Roseana Sarney (PMDB) não quis
comentar o vídeo, enviado ao governo pela Folha. Disse apenas que imagens
supostamente registradas em Pedrinhas estão sendo divulgadas e poderão ser alvo
de inquérito para investigar a sua veracidade.
ATENÇÃO: imagens fortes
CABEÇAS
As imagens, encaminhadas à Folha
pelo Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Maranhão,
são chocantes. Nas costas de um desses corpos, de bruços, estão duas cabeças,
lado a lado. Elas são exibidas como troféus. Ao lado, o terceiro decapitado
ainda tem a cabeça encostada ao pescoço. Um dos presos grita: "Bota [o
corpo] de frente pra filmar direito". Outro pede: "Não puxa a cabeça
dele". Em vão. Um outro colega, também de chinelos, enfia os pés na poça
de sangue, se aproxima e, com a ponta dos dedos, ergue a cabeça, puxada pelos
cabelos. A cabeça escapa, cai no chão, mas é erguida novamente e colocada ao
lado das outras duas. Os presos mantêm o clima de comemoração. A câmera se
aproxima e foca as cabeças bem de perto. Os três parecem ter sido torturados
antes de terem as cabeças cortadas. Há marcas de cortes no rosto e por todo o
corpo, que parecem ter sido feitas com facas e estiletes. A câmera segue
filmando. Gira e mostra corpos e cabeças de diferentes ângulos. Um dos presos,
já descalço, coloca o pé sobre um dos corpos, em sinal de domínio sobre os
inimigos. Neste momento, o vídeo, que traz à tona o cenário de caos no sistema
penitenciário do Maranhão, chega ao segundo minuto. Um dos presos se abaixa,
pega uma das cabeças e a gira em direção à câmera. "Filma aí esse maldito,
desgraçado", diz um deles sobre um dos decapitados, com aparelhos nos
dentes e o rosto todo riscado. "Vira de lado, vira de lado", pede
outro. Nenhum rosto aparece no vídeo. Mas o chão molhado, de água e de sangue,
permite visualizar, no reflexo, uma meia dúzia de presos.
Segundo o governo do Maranhão,
que não quis comentar as imagens, as três mortes foram resultado de uma briga
entre membros da mesma facção criminosa. A maior rivalidade no complexo, porém,
é de presos da capital versus presos do interior do Estado. Eles formam duas
facções diferentes. Essa rivalidade é citada em relatório do CNJ (Conselho
Nacional de Justiça), que conclui que o governo tem sido incapaz de coibir a
violência. Foi de dentro do complexo que saíram as ordens para os atentados
ocorridos no último final de semana. O relatório cita a superlotação de
Pedrinhas (com 1.700 vagas, abriga 2.500) e relata casos de estupros de
mulheres que entram no presídio para visitas íntimas.