Por que a Finlândia tem a melhor educação do mundo?

                                    Do portal TERRA
Ministra finlandesa explica os pilares da educação no país. 98% da população tem acesso à educação gratuita na Finlândia, e todos professores têm mestrado. A ministra da Educação e Ciência da Finlândia, Krista Kiuru, conversou por e-mail sobre questões relativas ao sistema educacional do seu país.
Krista Kiuru - Ministra da Educação e Ciência da Finlândia
(foto:www.mtv.fi)
Líder do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, na sigla em inglês), ranking internacional de avaliação da educação, a Finlândia chama a atenção da comunidade pedagógica pela eficiência do seu modelo educacional. O país nórdico conseguiu desenvolver uma educação gratuita e de qualidade, sustentada pela valorização do professor em um sistema igualitário e de acesso universal. Mesmo sem uma grande avaliação nacional, o governo finlandês consegue manter uma qualidade homogênea em todas as regiões do país.
Em passagem pelo Brasil no ano passado, quando participou do Bett América Latina Cúpula de Liderança (evento que ocorre nos dias 31 de outubro e 1º de novembro, em São Paulo), a ministra da Educação e Ciência da Finlândia, Krista Kiuru, 39 anos, conversou por e-mail sobre questões relativas ao sistema educacional do seu país. Representante do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, Krista trabalhou no Ministério do Transporte e Comunicações entre 2011 e maio de 2013, quando assumiu seu atual posto. A ministra estudou filosofia, teologia e sociologia, na Universidade de Turku. Atuou como professora de Filosofia, Religião e Artes na escola secundária. A seguir, confira a entrevista exclusiva feita por e-mail pelo Terra.
Terra - Como a Finlândia atingiu um nível tão bom na educação, liderando o ranking do PISA?
Krista Kiuru - Nós estamos muito felizes e honrados com os bons resultados conquistados no último ranking do PISA. Mas também somos um pouco modestos para explicar as razões por trás do nosso sucesso. Não há um simples truque ou uma resposta fácil para essa pergunta. A sociedade finlandesa valoriza a civilização e a educação e, portanto, tem uma atitude muito positiva em relação à educação. Qualquer mudança na política de educação cria sempre um debate público intenso, que reflete o forte compromisso com o assunto na Finlândia.
Para destacar três elementos em nossa educação, menciono os bons professores, a qualidade uniforme na educação e também um claro compromisso com a igualdade. O investimento na formação de professores levou a uma situação em que as diferenças na qualidade do ensino são muito pequenas entre 'uma região e outra. No ensino fundamental, todos os alunos têm acesso garantido à escola mais próxima.
O foco hoje em dia é colocado muito na tecnologia moderna, mas eu gostaria de lembrar a importância da leitura, fundamental para a aprendizagem. Na Finlândia, temos uma rede de bibliotecas de alto padrão, em que nenhuma taxa é cobrada para empréstimo ou uso das coleções. O índice de quase 100% de alfabetização garante o sucesso em diferentes disciplinas e nos diferentes estágios da educação.
Eu tenho enfatizado a boa educação de qualidade uniforme, mas eu gostaria de mencionar também as necessidades individuais. As necessidades dos alunos desempenham um papel importante no currículo nacional. Muita atenção tem sido destinada em apoiar individualmente o aprendizado e o bem-estar dos alunos.
Terra - Como a senhora acha que a tecnologia deve ser usada em sala de aula? É essencial introduzi-la nas escolas?
Krista - A tecnologia é parte da vida das crianças mesmo antes de entrar na escola, de modo que, às vezes, elas são mais experientes com a tecnologia do que os seus professores! A tecnologia moderna pode ampliar tantas possibilidades na sala de aula que não podemos nem mesmo reconhecê-las ainda. Ela é principalmente uma ferramenta para aprender vários assuntos. Sinto-me honrada em dizer que, na Finlândia, temos alguns desenvolvimentos interessantes, como jogos educativos móveis criados com base em pesquisa acadêmica.
A habilidade de usar a tecnologia da informação é essencial para a sobrevivência no mundo de hoje. As escolas desempenham um papel importante para levar as mesmas possibilidades para todas as crianças.
Terra - A Finlândia provou que é possível ter educação gratuita e de qualidade. Como foi esse processo?
Krista - Desde o início do século XIX, a educação popular tem sido uma parte fundamental do projeto de identidade nacional. No século XX, os movimentos políticos compartilharam amplamente esta atitude positiva para a educação. Serviços básicos bons e gratuitos são o coração da sociedade de bem-estar finlandesa. De acordo com este pensamento, todas as pessoas têm o direito a ter serviços de qualidade, não importando a sua origem familiar ou o local de residência. A educação de qualidade desde a educação infantil até o nível universitário é uma parte importante desses serviços básicos.
Há ainda um forte consenso na Finlândia sobre educação gratuita; este valor é amplamente compartilhado pela população e por todos os partidos políticos finlandeses. Como os recursos naturais do nosso país são limitados e localizados longe das principais áreas de mercado, a boa educação das pessoas e o investimento no capital humano são prioridades.
Terra - Como vocês fizeram para formar bons professores e valorizá-los?
Krista - Historicamente, os professores têm sido altamente valorizados na sociedade finlandesa. A profissão de professor ainda é muito popular, por isso as nossas universidades que formam professores podem escolher o melhor entre os melhores candidatos. Nossos professores têm uma formação acadêmica baseada em pesquisa e todos têm mestrado. A formação inclui vários períodos de práticas pedagógicas, por isso mesmo os jovens professores têm experiência no ensino logo que graduados. Eles conhecem o assunto e são pedagogicamente bem treinados.
Como os professores são altamente qualificados, confiamos neles e há total independência para organizarem o seu trabalho. Acho que confiar no seu profissionalismo é a melhor maneira de mostrar o apreço. Por exemplo, os materiais didáticos não são inspecionados em nível nacional (esta prática foi abandonada no início da década de 1990), então as escolas e os professores têm a liberdade de escolher o material que desejam utilizar, bem como os métodos de ensino.
Terra - Qual é o papel do governo na educação? As escolas são absolutamente livres para decidir como ensinar e avaliar os alunos?
Krista - Nosso sistema educacional se baseia em autogestão das escolas, currículos escolares desenhados a partir de metas nacionais e auto avaliação. Flexibilidade na governança quer dizer que a responsabilidade pela educação repousa nas autoridades locais, ou seja, muito perto dos jovens e de suas famílias.
O governo determina os objetivos gerais da educação e a distribuição de horas de aula. O Ministério da Educação e Cultura elabora a legislação e decisões relativas à educação. O Conselho Nacional de Educação estabelece os objetivos concretos e conteúdos fundamentais do ensino nas diferentes disciplinas e é responsável pelo currículo nacional. As autoridades locais são responsáveis pelo arranjo prático de escolaridade e por compor o currículo municipal. Cada escola, em seguida, escreve o seu próprio currículo baseado tanto no currículo nacional quanto no municipal.
Terra - Que medidas implantadas na educação finlandesa poderiam ser aplicadas para um país com uma realidade diferente como o Brasil?
Krista - É sempre bom aprender com as experiências de outros países - isso é o que há de melhor na cooperação internacional. Mas dar conselhos ou copiar algo não é a abordagem correta. Cada sistema de ensino reflete a cultura e a história de seus países - é por isso que boas experiências e práticas não podem ser transferidas diretamente de um país para outro. Mas o que pode ser dito é que o compromisso com a educação como um direito humano básico à disposição de todos, a igualdade entre os alunos - o que significa que você deve ver o potencial de todas as crianças -, a escolaridade como um serviço público e professores altamente qualificados têm funcionado bem na Finlândia.
Desejo encorajar o Brasil a ter um debate nacional forte e aberto sobre a política de educação, e, com base nesta discussão, dar passos determinados na aplicação das reformas que são consideradas necessárias. Fico feliz que o Brasil e a Finlândia estejam tendo uma cooperação tão intensa na educação, para que possamos compartilhar nossos pensamentos e trabalhar em conjunto para uma melhor educação em ambos os países.
Fonte: Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra.