Do portal de VEJA
Ministro Cardozo critica
situação das prisões, mas levantamento do Contas Abertas revela: governo não
investe dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional
Superlotação na delegacia do município de Serra, no Espírito Santo, transformada em cadeia (foto: CLAUDIO GATTI ) |
Em encontro com empresários na
última terça-feira, em São Paulo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
qualificou como "medieval" o sistema prisional brasileiro – e chegou
a dizer que preferia morrer a ficar preso no país por um longo período. De
fato, a situação nas cadeias brasileiras é precária. E o déficit de vagas no
Sistema Penitenciário chega a 200.000. Apesar do quadro – e do ministro ter
tentado justificar a escalada da criminalidade pela situação nas prisões -, o
governo federal não investe a verba disponível para o Fundo Penitenciário
Nacional. É o que mostra levantamento da ONG Contas Abertas divulgado nesta
quinta-feira.
Nesta quarta, Cardozo, insistiu
que o sistema penitenciário nacional é "indigno". Disse, ainda, que a
situação "resulta de anos de descaso" e reconheceu que tanto a União
quanto os governos estaduais têm responsabilidade na questão. "O primeiro
passo para solução de um problema é jamais escondê-lo debaixo do tapete",
defendeu. "São tão péssimas as condições dos presídios que cumprir pena em
muitos deles é mais pesado do que a própria a morte", comparou.
Apesar de o ministro reconhecer
que o problema também cabe à União, levantamento revela que só 35,8% dos
recursos previstos para o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) em 2012 foram
reservados para futuros pagamentos - o que representa a primeira fase da
execução orçamentária. Os valores efetivamente pagos representam somente 20%,
ou 86,5 milhões de reais, do total. Ao todo, 435,3 milhões de reais estão
orçados para o Funpen em 2012.
A tese de Cardozo ecoou até
mesmo no Supremo Tribunal Federal. Após fazer carreira como advogado do PT, o
ministro Dias Toffoli provocou reação da corte ao defender abertamente e de
forma exaltada que os mensaleiros condenados não sejam presos. Para levantar
sua tese que ignora o Código Penal brasileiro, Toffoli evocou a declaração do
ministro da Justiça. A manifestação de Toffoli ocorreu na primeira sessão da
corte após a fixação de das penas aos réus petistas do núcleo político do
mensalão: José Dirceu, para quem o ministro já advogou, José Genoino e Delúbio Soares.
Também coincidiu com a sessão na qual a corte definiu a pena para o banqueiro
José Roberto Salgado, defendido pelo mais ilustre dos advogados que atuam no
mensalão, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos.
José Eduardo Cardozo: reclama, mas não investe |
Legislação - O Fundo foi
instituído pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a
finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as
atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário
Brasileiro. Os recursos, segundo a legislação, deveriam ser aplicados na
construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais, na
manutenção dos serviços penitenciários e na formação, aperfeiçoamento e
especialização do serviço penitenciário.
Do montante total previsto para
2012, 84,9 milhões de reais (19,5%) estão embutidos no orçamento como “Reserva
de Contingência”. Esses recursos inflam o orçamento do Funpen, mas não são
utilizados, pois ficam esterilizados para auxiliar na formação do superávit
primário. Além disso, existem diversas ações com execução orçamentária baixa. A
construção da quinta Penitenciária Federal, que será localizada no Distrito
Federal, tem dotação de 27,6 milhões de reais, mas só foram empenhados 21.000
reais. As outras quatro penitenciárias federais estão em Campo Grande (MT),
Catanduvas (PR), Mossoró (RN) e Porto Velho (RO).
Considerado não apenas o que foi
autorizado para o orçamento de 2012, mas também as atuais
"disponibilidades" do Funpen, o saldo hoje contabilizado chega a
quase 1,4 bilhão de reais. Do total, 1,3 bilhão de reais estão alocados no
Departamento Penitenciário Nacional e 39 milhões de reais na Coordenação Geral
de Programação Financeira do Ministério da Fazenda.
A maior parte das
disponibilidades contábeis possui como origem 3% do montante arrecadado nos
concursos de prognósticos, sorteios e loterias da Caixa Econômica Federal.
Cerca de 938,6 milhões de reais do montante contabilizado no Fundo são
provenientes dessas fontes. Os recursos do Funpen são oriundos ainda de
convênios, contratos ou acordos firmados com entidades públicas ou privadas,
multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado e
50% das custas judiciais recolhidas em favor da União Federal.
Outro lado - O déficit de vagas
em penitenciárias é um dos principais focos de críticas da Organização das
Nações Unidas (ONU) sobre desrespeito a direitos humanos no Brasil. Ao ser
submetido no meio do ano à Revisão Periódica Universal, instrumento de
fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, o país recebeu a
recomendação urgente de melhorar as condições das prisões e enfrentar o
problema da superlotação. O Ministério da Justiça afirmou ao Contas Abertas que
o governo federal pretende investir 1,1 bilhão de reais para construir 42.000
novas vagas até 2014. Em 2012, segundo a Pasta, foram entregues 3.300 vagas com
recursos do Funpen.