JOÃO BATISTA NATALI – da Folha
de São Paulo
Corrupção de hoje: Empresa
ligada a neto de Sarney recebe verba da Câmara
Uma empresa ligada a um neto do
presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), recebeu verbas da Câmara dos
Deputados nos últimos meses, driblando normas criadas para evitar que parentes
de congressistas sejam beneficiados dessa maneira. A informação é de reportagem
de Leandro Colon publicada na Folha desta segunda-feira.
Gabriel Sarney e seu pai, o
deputado Sarney Filho (PV-MA) --um dos congressistas que contrataram a
empresa--, negaram que tenha ocorrido influência política na escolha. O
presidente do Senado não quis comentar o assunto.
Gabriel é o quarto neto de
Sarney que aparece ligado a verbas do Congresso. Em 2009 foi revelado que João
Fernando, filho do empresário Fernando Sarney, era funcionário-fantasma do
gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA).
Fato:
Nunca se roubou tanto no Brasil
Carvalhosa, coordenador do 'Livro Negro da Corrupção' (Foto: Newton Santos-19.jul.10/Hype) |
A corrupção vem crescendo no
Brasil, nas últimas duas décadas, porque o Congresso, na prática, aboliu as
cassações de mandato como forma de punição. É o que diz Modesto Carvalhosa, que
na próxima quinta-feira completa 80 anos.
Em meio a uma dezena de obras
que publicou, sobretudo em direito societário e comercial, Carvalhosa coordenou
as 493 páginas de "O Livro Negro da Corrupção" (1995), centrado nas
revelações que levaram à queda, em 1992, do então presidente Fernando Collor de
Mello.
Modesto Carvalhosa foi
professor de direito comercial na USP, presidente do Condephaat (1984-1987),
quando foi tombada a Serra do Mar, consultor da Bovespa e presidente do
Tribunal de Ética da OAB-SP. Também presidiu a Associação de Docentes da USP,
liderando em 1978 uma greve contra o regime militar.
Sua publicação de maior fôlego
foram os quatro volumes dos "Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas", publicados em 1977 e atualizados em sucessivas edições até o
ano passado. O professor e advogado é homenageado em documentário de 45 minutos
produzido por sua filha Sofia.O filme passará em duas sessões na próxima
quarta-feira, no MIS (Museu da Imagem e do Som), às 21h e às 22h. Os ingressos
são gratuitos, mas para a primeira sessão eles já estão esgotados.
Folha - Excetuados os textos de
direito, sua obra mais conhecida é "O Livro Negro da Corrupção", de
1995. Desde sua publicação, a corrupção aumentou ou diminuiu no Brasil?
Modesto Carvalhosa - A situação
piorou. Na época prevalecia uma ética na sociedade que levava os corruptos, ao
menos no Congresso Nacional, à cassação. Hoje em dia a corrupção é mais
rasteira e evidente. O instituto da cassação foi abolido, na prática. O último
político atingido foi o José Dirceu, em 2005. A sanção política desapareceu, e
com isso há agora muito mais campo para corruptores e corruptos.
E a Lei da Ficha Limpa?
É é uma grande medida, mas não
impede que o político eleito vá sujar sua ficha dentro do Congresso, o que
ocorre se ele for cooptado pelos lobbies corruptores. A única inibição da
corrupção é a sanção social, representada pela falta de decoro e pela cassação.
O chamado
"presidencialismo de coligação" teria algo a ver com a impunidade?
Claro, já que o Brasil é um
país presidencialista, mas que adota um governo que teoricamente tem um pouco a
ver com o Parlamentarismo europeu no pós-Guerra. No Brasil a coalizão de
partidos não dá sustentação ao governo, ela divide o poder com ele. Cada
partido troca o seu apoio por cargos. Isso gera crises frequentes. E os
partidos, por lotearem o poder, acabam por se unir para evitar a punição de
ministros, deputados e senadores.
Há alguns anos a percepção era
de que a corrupção estava circunscrita ao Executivo e ao Legislativo. O
Conselho Nacional de Justiça mostra que uma minoria do Judiciário também está
contaminada. A seu ver o CNJ já está solidificado, ou ainda podem cortar as
asas dele?
A dialética dessa questão é
interessantíssima. A partir de dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal
Federal enfrentou um desgaste, uma desmoralização na opinião pública, por ter
impedido que o CNJ fiscalizasse desembargadores. Mas a opinião pública elegeu o
CNJ como um órgão de atuação positiva e moralizadora, como a grande instituição
brasileira capaz de atuar contra as improbidades.
O sr. é um crítico histórico da
lentidão do Judiciário. Até que ponto a quantidade de recursos emperra os
processos, muito mais que o anacronismo dos tribunais?
A reforma do Poder Judiciário
deveria seguir recomendações de outro tribunal superior, o STJ (Superior
Tribunal de Justiça), que tem a visão mais arejada e moderna do problema. O
papel do STJ é extraordinário. Ele sugere um sistema em que os casos podem
terminar em conciliação ou arbitragem. Seria necessária uma emenda à
Constituição, que, sem afetar o direito pleno à defesa e à cidadania, desse
força judicial a essa alternativa. Seria o caminho para as questões que não são
de interesse coletivo. Um acidente de trabalho é questão de interesse coletivo.
Mas não é o caso de uma disputa societária, entre sócios e acionistas. É um
litígio próprio à arbitragem, sempre e apenas em primeira instância. Há 80
milhões de processos em curso no Brasil. Seriam necessários 800 mil juízes e
100 mil desembargadores para lidar com essa massa, o que é materialmente
impossível.
E a súmula vinculante [decisões
do STF que devem ser seguidas em instância inferior], de que se falou tanto há
alguns anos?
Isso é algo muito, muito
importante. Pena que não esteja se expandindo.
Vejamos o direito societário,
sobre o qual o sr. lecionou e publicou. As empresas com controle acionário
pulverizado e com administração profissional deram -ou não- mais dinamismo aos
mecanismos de decisão?
Cada caso é um caso, dependendo
dos administradores. Nos anos 90 falou-se em "governança corporativa"
como se fosse uma religião, ao lado do cristianismo e da fé islâmica. Mas os
administradores das companhias de controle pulverizado muitas vezes se
apropriam de recursos imensos, por meio de bonificações que eles têm o poder de
conceder a si mesmos. Há na Europa e Estados Unidos casos em que
administradores recebem honorários de US$ 10 milhões, US$ 50 milhões.
Companhias com controladores mantêm a rédea sobre os administradores. No
mercado americano, montadoras há três anos falidas distribuíam milhões em bônus
aos administradores.
Como o sr. avalia o desempenho
das estatais brasileiras, que têm um grande controlador, a União?
Depois das privatizações, as
estatais que permaneceram sob controle do Estado são administradas de modo mais
técnico, conveniente, mais profissionalizado, mas com deficiências próprias à
ingerência política e pressão dos fundos de pensão, que atuam como repúblicas independentes,
dentro do Brasil.
Qual seu tombamento preferido:
o Caetano de Campos, em 1975, quando o sr. chefiou um grupo de pressão, ou a
Serra do Mar, quando o sr. presidia o Condephaat, durante o governo de Franco Montoro
(1983-1986)?
No caso do Caetano de Campos eu
era jovem, e, além da questão urbanística, havia a contestação de uma decisão
autoritária do regime militar. Além disso eu estudei no Caetano de Campos, onde
tenho fortes raízes sentimentais. Naquela época, o governo pretendia fazer uma
grande estação de metrô na praça da República, às custas da demolição daquele
colégio. Nas semanas em que durou o caso a Folha dava chamadas de primeira
página. Eles ao fim recuaram.
Entre 1977 e 1979 o sr. também
presidiu a associação dos professores da USP, que promoveu uma greve. Havia
também contestação ao regime?
Claro que sim. Foi um momento
que aconteceu quando tomávamos consciência da necessidade urgente de mais
democracia. Nossa greve ocorreu na mesma época que a dos metalúrgicos de São
Bernardo.
Chegou a ser convidado para
entrar em algum partido político?
O governador Montoro me fez
alguns convites, mas eu preferi nunca me filiar a nenhum partido.
Sua geração viveu a
adolescência no pós-Guerra, quando as pessoas acreditavam que o mundo seria
melhor, diferente.
O mundo mudou desde então, e
para melhor. A democracia se impôs em certas áreas e ela funcionou como uma
forma de aperfeiçoamento civilizatório. Houve um grande avanço nos direitos da
sociedade civil. Com relação ao Brasil, estávamos em mãos de uma oligarquia que
acreditava em valores éticos, mas não tinha uma visão social. Ocorreu uma
abertura, mas a classe política ficou com um perfil mais vulgar. A sociedade
civil, no entanto, cresceu e está bem mais poderosa.
Qual o papel das ONGs nesse
processo?
Todos os movimentos sofrem,
depois de determinado tempo, os efeitos da burocratização, da degeneração, de
perda de seus objetivos iniciais. As ONGs perderam muito de seu impulso
generoso ao se institucionalizarem. Em lugar de um ideal, elas hoje querem se
aproximar dos governos. A institucionalização degrada as ideias.
Como pianista amador, quantas
horas por semana o sr. tem se exercitado?
Muito pouco, talvez umas quatro
horas. Tenho estudado peças menos difíceis de Mozart, Bach, Satie e o Liszt que
seja mais fácil.
E com relação às leituras?
Tenho lido historiadores
franceses e obras de psicologia, à procura de respostas a uma antiga obsessão
minha, que são as impulsões do ser humano, no sentido de Nietszche. As
impulsões são muito negativas, uma tragédia. Saramago tem uma frase terrível:
"O ser humano não merece a vida." Só por essa frase ele já teria
merecido o Prêmio Nobel.
Quer saber o custo da corrupção no Brasil? Veja reportagens especiais da FOLHA DE SÃO PAULO clicando aqui.
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