A herança de Sergio Gabrielli para Maria das Graças Foster, na Petrobras, inclui denúncias de desvios de dinheiro da estatal para campanhas do PT na Bahia
HUDSON CORRÊA - da Revista ÉPOCA.
EM CAMPANHA Uma baiana vestida a caráter faz festa para Gabrielli, na volta do ex-presidente da Petrobras à Bahia. Ele quer ser candidato a governador do Estado (Foto: Fernando Amorim/Ag. Tarde ) |
Na Bahia, acarajé quente é
sinônimo de bastante apimentado. Chamada de “Graciosa” pela presidente Dilma
Rousseff na cerimônia de posse na última segunda-feira, a mineira radicada no
Rio de Janeiro Maria das Graças Foster assumiu a presidência da Petrobras diante
de um cardápio de problemas que inclui dois acarajés quentíssimos. Eles foram
deixados sobre sua mesa por seu antecessor direto, o petista José Sergio
Gabrielli, e referem-se a duas denúncias de desvio de recursos da empresa para
irrigar campanhas do PT na Bahia, terra natal de Gabrielli. E é justamente lá
onde o mais longevo presidente da Petrobras retomará a carreira política. Após
seis anos e sete meses no comando da maior empresa da América Latina, Gabrielli
fará parte do governo de Jaques Wagner (PT), onde pretende pavimentar sua
candidatura ao governo do Estado em 2014.
Não há elementos que envolvam
diretamente Gabrielli com as duas denúncias narradas a seguir. Mas os dois
episódios ocorreram em sua gestão, e ele pouco ou nada fez para saná-los. O
primeiro caso passa pela ONG Pangea – Centro de Estudos Socioambientais,
sediada em Salvador. De acordo com documentos da Controladoria-Geral da União
(CGU), a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade, boa parte do dinheiro
repassado pela Petrobras à Pangea foi desviada. A CGU suspeita de que parte
desses recursos tenha ido parar no caixa dois de campanha do PT na Bahia. Indo
aos valores exatos: entre junho de 2004 e dezembro de 2006, a Pangea recebeu R$
7,7 milhões da Petrobras para dar assistência e organizar catadores de lixo em
dez municípios baianos. Um pente-fino da CGU, órgão do governo encarregado de
fiscalizar o uso de verbas federais, concluiu que não há comprovação de gastos
para mais de R$ 2,2 milhões.
A HERDEIRA Maria das Graças Foster em sua posse, com Dilma Rousseff. Na ocasião, ela foi chamada de “Graciosa” pela presidente (Foto: Marcelo Carnaval/Ag. O Globo) |
Na ocasião do repasse, a Pangea
era presidida por seu fundador, Sérgio Veiga de Santana, um ex-deputado
estadual do PMDB baiano, partido que teve papel fundamental na eleição de
Jaques Wagner em 2006. Ao investigar o destino que a Pangea deu ao dinheiro, a
equipe da CGU identificou um cheque de R$ 25 mil pago a Ademilson Cosme Santos
de Souza, irmão e tesoureiro de campanha de Antonio Magno de Souza. Conhecido
como Magno do PT, Antonio concorria à prefeitura da cidade baiana de Vera Cruz.
O depósito foi feito em setembro de 2004, às vésperas das eleições municipais.
Naquele ano, Magno do PT informou à Justiça Eleitoral ter arrecadado apenas R$
21.600 para a campanha, sem mencionar o tal cheque. Isso reforça a suspeita de
caixa dois. No relatório da CGU, os técnicos afirmam que a legislação impede
que ONGs façam doações a políticos.
O cheque de Magno do PT é
apenas um dos indícios do desvio da verba da Petrobras. O dinheiro do
patrocínio à Pangea deveria ter sido depositado numa conta bancária específica,
registrada em contrato, mas a CGU descobriu que pelo menos R$ 1,9 milhão foram
transferidos para outras contas bancárias da ONG, com altos saques na boca do
caixa. Em meio a essas transações, apareceu o cheque de R$ 25 mil. Magno do PT
nega ter recebido o dinheiro e afirma que Ademilson, seu irmão, se afastou da
campanha e do PT, passando ao grupo adversário. Na data do cheque, de acordo
com a CGU, Ademilson ainda era tesoureiro de Magno do PT. A CGU constatou
outros problemas. O próprio fundador da ONG, Sérgio Santana, recebeu R$ 11.500,
atribuídos à venda de um carro usado à Pangea, mas a CGU não encontrou recibos
da transação. Procurado e questionado sobre o uso dos recursos, Santana disse:
“Não me lembro, deixei a ONG em 2007”.
O primeiro contrato da Pangea
com a Petrobras foi fechado em 2004, quando o presidente da Petrobras era o
também petista José Eduardo Dutra. Na gestão seguinte, de Gabrielli, foram
assinados mais cinco contratos com a ONG, totalizando R$ 11 milhões. A
fiscalização sobre o dinheiro repassado à Pangea começou em setembro de 2008.
E, mesmo com os indícios de desvios detectados pela CGU nos contratos fechados
entre 2004 e 2006, a Petrobras aprovou mais dois patrocínios para a Pangea em
2010: um de R$ 2 milhões, para um projeto envolvendo catadores de lixo, e outro
de R$ 1,4 milhão, voltado à geração de renda para pescadores. O projeto
milionário da Pangea registrava, segundo a própria ONG, 748 cooperados até
março do ano passado.
Um dos primeiros passos da
equipe da CGU ao iniciar a investigação foi tentar localizar cinco empresas
contratadas pela ONG com dinheiro da Petrobras. Juntas, as firmas receberam
cerca de R$ 2 milhões. O endereço atribuído a elas fica no município de Lauro
de Freitas, na região metropolitana de Salvador. No local onde deveria estar a
Estrada Construções, responsável pela construção de galpões para as
cooperativas dos catadores de material reciclável, os fiscais se viram diante
de um consultório odontológico com uma enorme placa onde se lia “Volte a
sorrir”. No andar de cima, os letreiros informavam que ali era a sede da Igreja
Missionária Pentecostal.
Os funcionários do consultório
desconheciam a Estrada Construções. Logo que a investigação dos auditores
começou, as empresas comunicaram à Receita Federal mudança de endereço das
sedes, uma possível estratégia para despistar os auditores. Curiosamente, o
novo endereço da Estrada era, segundo a CGU, o mesmo de outras duas empresas
procuradas: a Acap Construções e a Vac-All do Brasil Serviços Industriais. À
primeira também se atribuía a construção de galpões e à segunda a fabricação de
contêineres. No novo endereço, os auditores não encontraram nenhuma das três
empresas. O andar de cima era uma residência. O de baixo estava reservado a
cultos evangélicos.
A Vac-All foi localizada a 12
quilômetros de distância, num pequeno galpão, com instalações modestas para uma
empresa que, segundo a Pangea, fornecera cinco esteiras transportadoras
mecânicas, 140 carrinhos para o transporte de materiais e nove compactadoras de
lixo, entre outros equipamentos, a um custo de R$ 904 mil. Como a Vac-All não
tinha inscrição estadual para vender máquinas, emitiu notas fiscais de
prestação de serviços indevidamente. Os fiscais também não localizaram nem a
Engenho Serviços, tida como fabricante de bonés e camisetas para catadores da
cooperativa, nem a JR 2 Comunicação, responsável pelo material de divulgação do
projeto. O empresário Wellington Oliveira Rangel, dono da Vac-All e cuja
família aparecia como gestora da Estrada Construções e da JR 2, negou a ÉPOCA
que as empresas sejam de fachada. Ele disse que os serviços e equipamentos
foram efetivamente entregues à Pangea.
A CGU enviou o relatório de
fiscalização com todas as irregularidades para o Tribunal de Contas da União
(TCU). O processo, dentro do Tribunal, ainda não foi concluído. No final do ano
passado, o TCU solicitou à CGU informações sobre as providências adotadas no
caso Pangea. A Controladoria cobrou da Petrobras explicações sobre o dinheiro
desviado. Em casos semelhantes, o TCU determinou que a própria companhia
fiscalize a aplicação do dinheiro.
A Petrobras afirmou que, nos
casos de contratos de patrocínio, não verifica o destino dos recursos
repassados às entidades. A única fiscalização feita tem o objetivo de verificar
se o projeto foi executado conforme o contrato e se houve a contrapartida para
a imagem da empresa, enquanto patrocinadora. No caso da Pangea, essa
fiscalização ocorreu, segundo a Petrobras, com visita in loco e análises de
relatórios. “O projeto cumpriu todas as metas” e ainda recebeu prêmios, afirmou
a companhia. A Petrobras disse também que os contratos não tiveram motivação
política. A companhia não comentou a suspeita de caixa dois. A Pangea também
negou desvios. Disse que o relatório da CGU é preliminar e inconclusivo.
Afirmou que as empresas não localizadas pela Controladoria prestaram os
serviços contratados e que todos os recursos da Petrobras foram aplicados.
O outro acarajé quente para
Maria das Graças Foster se chama Geovane de Morais, ex-gerente de comunicação
da área de Abastecimento da Petrobras demitido por justa causa pela companhia
no dia 3 de abril de 2009. Ligado ao grupo político de Gabrielli e do
governador Jaques Wagner, o baiano Morais cometeu uma série de irregularidades.
Ele extrapolou o orçamento de sua gerência. Sem licitação ou autorização
formal, gastou cinco vezes o previsto em 2008, ano de eleições municipais. Seu
orçamento era de R$ 31 milhões, e a despesa chegou a R$ 151 milhões. Houve
pagamentos sequenciais e sem o amparo legal de contratos. Entre as empresas
beneficiadas estavam duas produtoras de vídeo baianas que trabalharam para a
campanha de Wagner em 2006 e para duas prefeituras petistas.
Passados quase três anos, a
demissão de Morais, de 45 anos de idade, não foi efetivada. Ele continua
recebendo todo mês o mesmo que ganhava como funcionário de carreira da
Petrobras. A despesa é bancada pela companhia e pela Previdência Social
(auxílio-doença). Segundo a estatal, a demissão não foi efetivada porque o
ex-gerente permanece de licença médica. Qual seu salário e que doença afinal
ele tem? “São informações pessoais e não podem ser divulgadas”, diz a
Petrobras.
A estatal afirma que todos os procedimentos internos para formalizar a demissão foram adotados. Não respondeu se caberia alguma decisão judicial e disse que já comunicou a demissão a Morais. Ele parece não ter se incomodado. É outro acarajé para Maria das Graças Foster digerir.