Advogada liga Toffoli e Gilberto Carvalho a máfia do DF. Em oito horas de gravações em áudio e vídeo, Christiane
Araújo de Oliveira revela que mantinha relações íntimas com políticos e
figuras-chave da República e que o governo federal usou de sua proximidade com
a quadrilha de Durval Barbosa para conseguir material contra adversários
políticos
Cristiane Araujo de Oliveira (foto: Fernando Cavalcanti) |
Nascida em Maceió, em uma família humilde, Christiane Araújo
de Oliveira mudou-se para Brasília há pouco mais de dez anos com o objetivo de
se formar em Direito. Em 2007, aceitou o convite para trabalhar no governo do
Distrito Federal de um certo Durval Barbosa, delegado aposentado e corrupto
contumaz que ficaria famoso, pouco depois, ao dar publicidade às cenas
degradantes de recebimento de propina que levaram à cadeia o governador José
Roberto Arruda e arrasaram com seu círculo de apoiadores. Sob as ordens de
Durval, Christiane se transformou num instrumento de traficâncias políticas. No
ano passado, depois de VEJA mostrar a relação promíscua entre o petismo e o
delegado, Christiane foi orientada a sumir da capital federal. Relatos
detalhados de suas aventuras com poderosos, no entanto, já estavam em poder do
Ministério Público e da Polícia Federal. Na edição que chega às bancas neste
sábado, VEJA revela o teor de dois depoimentos feitos pela jovem advogada no
final de 2010.
Em oito horas de gravações em áudio e vídeo, Christiane
revelou que mantinha relações íntimas com políticos e figuras-chave da
República. Ela participava de festas de embalo, viajava em aviões oficiais,
aproveitava-se dos amigos e amantes influentes para obter favores em benefício
da quadrilha chefiada por Durval, que desviou mais de 1 bilhão de reais dos
cofres públicos. Ela também contou como o governo federal usou de sua
proximidade com essa máfia para conseguir material que incriminaria adversários
políticos.
A advogada relatou que manteve um relacionamento com o hoje
ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli, quando ele ocupava
cargo de advogado-geral da União no governo Lula. Os encontros, segundo ela,
ocorriam em um apartamento onde Durval armazenava caixas de dinheiro usado para
comprar políticos – e onde ele eventualmente registrava imagens dessas (e de
outras) transações. Christiane afirma que em um dos encontros entregou a
Toffoli gravações do acervo de Durval Barbosa. A amostra, que Durval queria
fazer chegar ao governo do PT, era uma forma de demonstrar sua capacidade de
deflagrar um escândalo capaz de varrer a oposição em Brasília nas eleições de
2010. Ela também teria voado a bordo de um jato oficial do governo, por
cortesia do atual ministro do STF, que na época era chefe da Advocacia Geral da
União (AGU).
Ministro Dias Toffoli |
Por escrito, Dias Toffoli negou todas as acusações. “Nunca recebi
da Dra. Christiane Araújo fitas gravadas relativas ao escândalo ocorrido no
governo do Distrito Federal.” O ministro disse ainda que nunca frequentou o
apartamento citado por ela ou solicitou avião oficial para servi-la. Como chefe
da AGU, só a teria recebido uma única vez em seu gabinete, em audiência formal.
Nas gravações, Christiane relatou ainda que tem uma amizade íntima com Gilberto
Carvalho, secretário-geral da Presidência da República. No governo passado,
quando Carvalho ocupava o cargo de chefe de gabinete de Lula, ela pediu a
interferência do ministro para nomear o procurador Leonardo Bandarra como chefe
do Ministério Público do Distrito Federal. O pedido foi atendido. Bandarra,
descobriu-se depois, era também um ativo membro da máfia brasiliense – e hoje
responde a cinco ações na Justiça, depois de ter sido exonerado.
Durval Barbosa |
Gilberto Carvalho |
Gilberto Carvalho também teria tentado obter do grupo de
Durval material para alvejar os adversários políticos do PT. Ele nega todas as
acusações, e disse a VEJA: “Eu não estava nesse circuito do submundo. Estou
impressionado com a criatividade dessa moça.” Há uma terceira ligação de
Christiane com o petismo. Ela trabalhou no comitê central da campanha de Dilma
Rousseff. Foi encarregada da relação com as igrejas evangélicas – porque é, ela
mesma, evangélica e filha de Elói Freire de Oliveira, fundador da igreja
Tabernáculo do Deus Vivo e figura que circula com desenvoltura entre os
políticos de Brasília, sendo chamado de “profeta”. Com Dilma eleita, a advogada
foi nomeada para integrar a equipe de transição. Mas foi exonerada quando veio
à tona que ela teve participação na Máfia das Sanguessugas. Segundo o
procurador que tomou um dos depoimentos de Christiane, o material que ele
coletou foi enviado à Polícia Federal para ser anexado aos autos da Operação
Caixa de Pandora. Um segundo depoimento foi tomado pela própria PF. Mas nenhuma
das revelações da advogada faz parte oficial dos autos da investigação. A
reportagem de VEJA, que reproduz imagens das gravações em vídeo, conclui com uma
indagação: “Por que será?”
Pai pastor facilitou contatos de advogada
Elói de Oliveira ganhou fama como pregador e se aproximou de
poderosos em Brasília - uma conexão que depois seria útil aos interesses da
filha
Elói de Oliveira, o pai pastor de Cristiane. |
A advogada Christiane Araújo de Oliveira, protagonista da
capa da nova edição de VEJA, teve acesso ao mundo dos poderosos por intermédio
de seu pai, o pastor Elói de Oliveira. Líder do Tabernáculo do Deus Vivo, em
Maceió, ele ganhou fama de profeta e hoje leva suas pregações em igrejas de
todo o país - o cachê não sai por menos de 2 mil reais.
Em Brasília, Elói de Oliveira costuma pregar em um templo da
Igreja Evangélica Bíblica da Graça. O pastor responsável pelo local, André
Salles, ajudou Elói a se aproximar do atual secretário-geral da Presidência,
Gilberto Carvalho. Na mesma época, o pregador alagoano conheceu Durval Barbosa,
o operador do chamado Mensalão do DEM em Brasília. Os poderes do pregador
atraíram políticos de várias matizes. Entre eles o ex-presidente Fernando
Collor, o ex-ministro Adir Jatene, o governador de Alagoas, Teotônio Vilela e a
ex-ministra Marina Silva.
O pastor tem enfrentado percalços recentemente. Nos últimos
dois anos, problemas de fígado o afastaram do altar. Antes disso, havia sofrido
uma misteriosa paralisia da qual se livrou repentinamente. Os fiéis, que no
passado lotavam o templo, agora somam cerca de 60 em cada culto. A decadência,
porém, teria outra explicação: fanáticos próximos ao pastor dizem que ele
perdeu parte de seus poderes depois de cair em pecado, ao cometer adultério.
Ele chegou a ficar separado da mulher, Maria de Fátima, por alguns meses. A
esposa, aliás, coordena um grupo de oração às quartas-feiras em casa - um
sobrado discreto. Já a sede da igreja fica em um bairro pobre de Maceió. O
terreno foi doado nos anos 1990 por intermédio de um deputado estadual.
Dilma e os evangélicos. Cristiane atuando. |
Enquanto o pai galgava degraus, Christiane não conseguia a
aprovação no vestibular para odontologia em Maceió. Por intermédio de uma
pastora amiga da família, ela decidiu ir para Brasília. Ingressou em um curso
particular de direito. Passou a morar em uma quitinete e, para pagar as contas,
arranjou um emprego. Foi quando o pai resolveu usar sua influência para ajudar
Christiane. Ela ganhou um cargo no gabinete do deputado João Caldas. Ele
garante que, enquanto esteve lá, ela teve um comportamento adequado.
Encarregado pelo pai de aproximar pastores evangélicos da
campanha de Dilma Rousseff à Presidência, Christiane acabou conseguindo um
cargo na equipe da petista. Mas não durou muito: perdeu o posto quando veio à
tona seu envolvimento com outra máfia, a das sanguessugas.
Tramas - Na capital federal, Christiane se aproximou de
Durval Barbosa, com quem, em 2007, passou a trabalhar no governo do Distrito
Federal. Tempos depois, ela se envolveria com o então chefe da Advocacia-Geral
da União, Antonio Dias Toffoli. E tentou usar sua proximidade com o atual
ministro do Supremo Tribunal Federal para influenciar as investigações que
derrubariam o então governador José Roberto Arruda. A queda era do interesse de
Durval.
A advogada também usou o contato com o ministro Gilberto
Carvalho para defender que o então procurador-geral de Justiça do Distrito
Federal, Leonardo Bandarra, fosse reconduzido ao cargo. Bandarra, descobriu-se
depois, era um integrante da máfia que tomara conta do governo local.