Ativistas do Femen dizem que corpo é "arma poderosa"


Elise Barthet - do Le Monde, na Ucrânia e do UOL.
Sasha Chevtchenko exibe seu peito como se brandisse uma arma em punho. Esbelta, orgulhosa, segura de sua beleza, essa bela loira de olhos negros, formada em economia, conduz, de seios nus, uma revolução de um novo gênero. Há quatro anos, ela é uma das musas mais midiáticas do grupo Femen, movimento de ativistas de Kiev (Ucrânia) famoso por suas performances provocadoras. Suas integrantes, de salto alto e roupas curtas, denunciam desde a prostituição, o recuo da democracia, até as ingerências da vizinha Rússia e as baixezas de figurões como Silvio Berlusconi e Dominique Strauss-Kahn. O único objetivo é despertar suas compatriotas, esmagadas pelas tradições patriarcais.
Para se tornarem conhecidas, desde 2008 as Femen demonstraram um apurado sentido de encenação. Vestidas de empregada ou de boxeadoras, elas fizeram manifestos em Paris, Davos e mais recentemente em Moscou. E também em Kiev, onde elas concentram a maior parte de suas ações.
Quando não estão sentadas no Café Cupido, seu quartel-general, as ativistas do Femen geralmente se encontram no ateliê de Oksana Chatchko. O reduto, alugado por cerca de cem euros em um apartamento coletivo, é mal iluminado e repleto de vestígios de suas ações passadas. No chão manchado de tinta, há pedaços de cartolina pintados. Uma dezena de luvas de boxe no alto do armário ameaçam despencar.
Oksana vive nessa bagunça com um quê de “Factory” [de Andy Warhol]. Assim como Sasha, essa frágil morena de 25 anos cresceu em Khmelnitski, uma cidade de porte médio situada  300 quilômetros a oeste de Kiev. Desde os 8 anos de idade, ela pinta santos. Alguns ainda decoram as paredes de seu quarto, ao lado de cartazes desenhados grosseiramente em homenagem ao Femen. “Quando eu era mais nova”, ela conta, “eu era muito religiosa, queria dedicar minha vida a Deus. Foram meus pais que não me deixaram entrar no convento, então comecei a estudar filosofia. Li Marx, Engels... depois conheci Anna Hutsol”.
Muitas vezes apresentada como a “líder” do Femen, essa pequena ruiva de 27 anos é a cabeça do movimento desde seu início. Tão discreta quanto suas colegas são expansivas, ela é a inspiradora e a idealizadora do movimento.
Foi por iniciativa de Anna, no começo dos anos 2000, que as jovens criaram, fora da universidade, uma associação exclusivamente reservada às mulheres. “A ideia era bastante ingênua”, lembra Oksana. “A gente organizava jogos de cultura geral, grupos de leitura, conferências.” A associação, chamada de Nova Ética, durou apesar da saída de suas fundadoras. Em Khmelnitski, as perspectivas eram limitadas demais para essas jovens ambiciosas. Sempre pioneira, Anna foi a primeira a partir. As outras foram atrás.
Os inícios em Kiev foram difíceis. Chefe de equipe em uma agência de telefonia, Sasha perdeu seu emprego depois que foram publicadas em jornais fotos dela protestando. A jovem ativista morava então com duas outras garotas em uma pequena quitinete pouco aquecida no térreo de um velho prédio ao norte da capital. O pouco de dinheiro que o Femen recebe permite pagar os 90 euros de aluguel. “Vivíamos de pão e leite,” ela sorri. “Era estimulante. Se conseguíssemos sobreviver, nos autofinanciar, certamente conseguiríamos atingir nossos objetivos”.
Foi esse engajamento alegre, quase exaltado, que atraiu Inna Chevtchenko, 21. Estudante de jornalismo em uma das melhores universidades de Kiev, a jovem de olhos verdes originária de Kherson trabalhava no serviço de imprensa da prefeitura da capital quando encontrou as Femen pela primeira vez. “Antes de conhecer a Anna Hutsol, eu era outra pessoa”, ela diz. “Eu tinha um bom salário, um belo apartamento. De um dia para outro, não tinha mais nada. Mas eu era livre.”
Para essas garotas “totalmente simples”, como elas gostam de se descrever, o Femen se tornou um trabalho em tempo integral. Toda manhã, por volta das 10 horas, elas se encontram no Café Cupido para discutir sobre a melhor maneira de dar continuidade ao movimento. A ideia de protestarem seminuas não veio logo de início.  Para denunciar o turismo sexual, que vem ganhando terreno desde que em 2005 caiu a exigência de certos vistos de entrada para a Ucrânia, as meninas começaram a se vestir como prostitutas. “Marchávamos com camisetas e balões rosa. Foi por acaso, durante uma manifestação contra os cortes de água quente nas residências estudantis, que uma de nós perdeu a alça de seu top”, lembra Anna.
Continuar nesse caminho não era algo evidente. Quando a questão é debatida dentro do grupo, a maioria das ativistas hesita em tirar a parte de cima da roupa. Somente as mais entusiastas como Sasha e Inna decidiram aproveitar o potencial midiático de um modus operandi como esse. Hoje são cerca de vinte, dentre trezentas, que protestam dessa maneira. A mais jovem tem 16 anos, a mais velha, 64. “Não é a nudez que faz a diferença, mas sim o fato de que mulheres estão se expondo em uma sociedade dominada pelos homens”, garante Oksana. Se o procedimento choca, melhor. As “sufragistas” [ativistas que lutaram pelo direito de voto da mulher], em sua época, esperavam isso. “Ao protestarem de seios de fora, as garotas estão se reapropriando de seus corpos. Elas realizam um ato de libertação”, afirma Anna.
Mas em Khmelnitski, em Kherson, pais e vizinhos estão apavorados. Em uma sociedade dominada pelos valores familiares, a exibição militante desses jovens seios dá o que falar. “Desde que elas são crianças, as garotas ouvem que elas devem se casar, se possível com um estrangeiro rico. Quando minha mãe descobriu que eu havia protestado seminua, ela parou de falar comigo durante dois meses”, conta Inna. “Mas, ao contrário dela, acredito que as mulheres têm o lugar delas na vida pública, da mesma forma que os homens.”
É essa ambição “revolucionária” que leva as ativistas do Femen a protestarem em todas as direções. Elas são acusadas de oportunismo e respondem que a causa das mulheres não é diferente de nenhuma questão social, econômica ou geracional. Inna conclui: “Nós queremos a democracia, como os europeus”. Apaixonada por política, a jovem gostaria de um dia entrar para o Parlamento de Estrasburgo. O da Ucrânia conta hoje com somente 8% de mulheres. O governo do primeiro-ministro, Mycola Azarova, não possui nenhuma.
Para financiar suas ações, os membros do Femen contam com as doações que os benfeitores interessados podem fazer através de seu website. Elas também lançaram uma loja online que lhes rende entre 3 mil e 4 mil euros por mês. O dinheiro serve para pagar as multas que elas recebem a cada prisão, e para sustentar seus quatro principais integrantes. “Tentaram nos cooptar, mas não trabalhamos para nenhum partido político”, garante Anna. Autofinanciado, o Femen é um movimento independente.
Suas duas principais musas lucraram com esse sucesso. No entanto, embora elas não andem mais “gola, bossa i ou vinkou”, como diz o provérbio ucraniano (“sem roupas, sem sapatos, mas com uma coroa de flores nos cabelos”), ainda não estão ricas. Para se lembrar de onde veio, Sasha mandou tatuar em seu seio esquerdo, na primavera passada, versos do poeta ucraniano Taras Chevtchenko. “Minhas doces, minhas jovens pombinhas/ Para quem vocês vivem neste mundo?”. Escritas em tinta preta sobre sua pele alva, as palavras parecem listras. “Meu corpo é uma arma,” ela avisa. “Uma arma poderosa”.