Indicada para diretora de uma subsidiária do Banco do
Brasil, com salário de R$ 30 mil, a ex-governadora do Pará está enrolada com o
sumiço de R$ 77 milhões
MARCELO ROCHA – da revista ÉPOCA
Entre 2007 e 2010, a petista Ana Júlia Carepa foi
governadora do Pará, interrompendo 12 anos de administrações tucanas no Estado.
Ana Júlia conquistou o cargo com denúncias contra velhos vícios da política,
como o nepotismo, mas não tardou a aderir às mesmas práticas. Empregou os
irmãos na máquina pública, entregou ao namorado, presidente do Aeroclube do
Pará, um contrato de R$ 3,7 milhões para treinamento de pilotos de helicópteros
e, por fim, contratou a cabeleireira e a esteticista como assessoras especiais
de seu gabinete. Depois de uma gestão marcada por denúncias de falta de verbas
na Saúde e na Educação e por crises na Segurança Pública, Ana Júlia não
conseguiu se reeleger. Mesmo com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e a maré econômica favorável, perdeu nas urnas para seu antecessor no
cargo, Simão Jatene, do PSDB. Ao longo de 2011, Ana Júlia ficou à espera de um
cargo no governo federal. No fim do ano, a fila finalmente andou para a
ex-governadora. Funcionária licenciada do Banco do Brasil, ela foi indicada
para diretora financeira da Brasilcap, uma subsidiária do banco que opera
títulos de capitalização, onde ganhará um salário mensal de R$ 30 mil. A
nomeação ainda depende de aval da Superintendência de Seguros Privados (Susep),
a autarquia que fiscaliza as seguradoras e as empresas de capitalização. Cabe
ao órgão avaliar o preparo técnico e a idoneidade de quem vai comandar essas
empresas. Se a Susep fizer direito seu trabalho, encontrará problemas na
atuação de Ana Júlia que extrapolam o nepotismo e o favorecimento a parentes na
administração pública. A nomeação de Ana Júlia para a diretoria financeira da
Brasilcap ainda depende de homologação da Susep
Belém (Foto: Oswaldo Forte/O liberal) |
A Auditoria-Geral do Estado (AGE), órgão vinculado ao
governo do Pará, apontou irregularidades em empréstimos contraídos pela gestão
de Ana Júlia – R$ 366 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) e R$ 100 milhões com o Banco do Brasil. Os contratos foram
assinados por Ana Júlia em 1o e 2 de julho de 2010, quando a campanha eleitoral
oficial estava começando e a então governadora procurava se reforçar para a
disputa da reeleição. O dinheiro foi obtido para obras de pavimentação de ruas
e avenidas na região metropolitana de Belém, saneamento, construção de escolas
e hospitais em vários municípios do Pará. Uma parcela também deveria ser
destinada a obras patrocinadas pelos deputados estaduais do Pará por meio de
emendas ao orçamento do Estado. Ao verificar a prestação de contas da aplicação
dos empréstimos, os auditores não conseguiram, porém, desvendar o paradeiro de
R$ 77 milhões. De acordo com os técnicos da AGE, o dinheiro relativo ao
financiamento do BNDES (R$ 366 milhões) foi movimentado sem transparência. Há,
segundo os técnicos do Estado, despesas em desacordo com o contrato de
empréstimo e indícios de desvio de finalidade das verbas. Quando as duas
prestações de contas, do BNDES e do BB, foram confrontadas, os técnicos constataram
um problema mais grave. Um conjunto de 16 notas fiscais, emitidas por três
empresas contratadas para as obras, apareceu nos dois processos. Para
justificar despesas diferentes, o governo apresentou as notas fiscais duas
vezes. Juntas, elas somam os R$ 77 milhões, cujo destino os auditores da AGE
tentam rastrear. Um dado relevante, segundo a AGE: as duas prestações de contas
foram feitas por órgãos diferentes. Uma foi apresentada pela Secretaria de
Projetos Estratégicos, no caso do financiamento do BB, e a outra pela
Secretaria da Fazenda, no caso do BNDES.
Sem comparar as duas prestações de contas, BNDES e BB não
identificaram problemas nas operações financeiras nem a repetição de notas
fiscais. Com base nos papéis fornecidos pelo governo do Pará, o BNDES concluiu
que a aplicação do empréstimo não obedeceu ao que estava na lei que autorizou o
financiamento. O BB não teve acesso à documentação da AGE do Pará e disse que
“as operações contratadas pelo governo do Estado do Pará estão em situação de
total regularidade”. Ana Júlia atribuiu o uso repetido das 16 notas fiscais a
um “erro de informação em uma planilha” e disse que os recursos foram
transferidos para municípios paraenses. Ela afirmou ainda que suas contas foram
aprovadas pela Assembleia Legislativa do Pará e pelo Tribunal de Contas
estadual. A direção do PT do Pará acusou o governador Simão Jatene de usar a
máquina estadual para produzir “factoides” com o objetivo de causar danos à
imagem de Ana Júlia. Apesar das alegações do PT de motivação política,
autoridades federais também apuram o caso. A Procuradoria da República no Pará
abriu uma investigação em setembro e pediu à Polícia Federal a instauração de
um inquérito.