Autor de disparos chefiava
setor investigado por corrupção. Corpos dos três mortos serão
enterrados nesta sexta.
Alexandre
Lyrio e Rafael Rodrigues - do CORREIO
Sargento Amarildo, Maria das Graças e Luís Eugênio: tragédia ainda sem explicação! |
Um crime cercado de mistérios,
denúncias de corrupção e especulações chocou Feira de Santana, a 108
quilômetros de Salvador. Três funcionários da 3ª Circunscrição Regional de
Trânsito (Ciretran), vinculada ao Detran, foram encontrados mortos na manhã de
ontem. Os corpos do coordenador de habilitação, o sargento da Polícia Militar
Amarildo Araújo de Novais, 47, e dos examinadores Luís Eugênio Teixeira dos
Santos, 57, e Maria das Graças Costa Veiga, 58, estavam dentro de um carro no
estacionamento do Corpo de Bombeiros, no bairro do Tomba. Mesmo antes da
conclusão da perícia, o titular da 1ª Coordenadoria Regional do Interior
(Coorpin), delegado Ricardo Brito, está convicto de que o próprio sargento
Novais executou os colegas e, depois, se suicidou. Novais teria chegado ao
local de carro, junto com Maria das Graças. Os dois desceram e entraram no
veículo de Luís Eugênio, por volta de 8h. “Minutos depois, o sargento sacou uma
pistola .380, e disparou seis tiros contra os examinadores e um contra a
própria cabeça”, afirmou. Ainda de acordo com o delegado, a arma pertencia ao
próprio sargento. Ainda na tarde de ontem os corpos das três vítimas da
tragédia foram liberadas pelo IML de Feira de Santana. Todos serão sepultados
hoje pela manhã. O corpo do sargento Amarildo Novais vai ser enterrado no
Cemitério São Jorge, com horário não divulgado. Já o sepultamento do corpo de
Maria das Graças está marcado para as 9h, no Cemitério Jardim Celestial.
Somente o corpo de Luís Eugênio foi levado ontem mesmo para Santo Amaro, no
Recôncavo, e será enterrado no cemitério da cidade. O crime ocorreu durante investigação realizada por
uma força-tarefa de fiscalização que vem atuando dentro da Ciretran para apurar
denúncias de fraudes como a regularização de carros roubados, irregularidades
na vistoria de veículos e denúncias sobre facilitação de provas de habilitação
em testes de rua. A investigação começou no início de dezembro e, até agora,
seis servidores foram remanejados de suas funções e uma funcionária,
exonerada. Nenhuma das vítimas estava
na lista dos apontados como integrantes do esquema. “Até então não havia nada que desabonasse a
conduta dos três. Por isso essa situação nos chocou tanto”, disse o coordenador
do órgão, Carlos Eduardo Guimarães. Ele afirmou, no entanto, que havia chegado
a identificar divergências de trabalho entre o sargento Novais e Maria das
Graças. “Mas não se pode afirmar que essas divergências motivaram essa atitude
extrema”, ponderou .
Hipótese
Responsável pela força-tarefa
que investiga os funcionários, o interventor do órgão, Osvaldo Moura, acredita
que a atitude do sargento Amarildo pode ser consequência de uma pressão
exercida por suas vítimas para revelação de evidências que poderiam
incriminá-lo. Segundo ele, a investigação desvendou a existência de “inúmeras
irregularidades na área de habilitação”, que era chefiada pelo militar. Moura
insiste, porém, que até agora as investigações não atingiam diretamente o
sargento. “Tudo leva a crer que os servidores que foram assassinados, com
certeza, tinham alguma coisa que o comprometiam. Mas o que tinham, não sabemos”,
considerou o gestor. O que se sabia até o momento é que outros examinadores da
Coordenadoria de Habilitação estariam facilitando a avaliação dos candidatos a
motorista. Nesse processo, devido à transferência de dois examinadores
suspeitos de envolvimento nas irregularidades, a própria Maria das Graças, que
trabalhava no atendimento interno do órgão, foi remanejada para a banca
examinadora. “O Luís (que também era examinador) eu mantive porque era uma
pessoa de minha confiança”, completou Osvaldo. O interventor alertou ainda para
o fato incomum de os três terem se encontrado no início da manhã em um local
fora de seus roteiros cotidianos. “Foi atípico, fora do normal. Acho que o
encontro foi provocado pelo Novais”, cogitou. Osvaldo destacou ainda que Maria
das Graças chegava até a repartição sempre no início do expediente, às 8h, e só
saía para o local dos exames em um carro
da Ciretran. Ontem, porém, quando o motorista chegou , ela já tinha saído. O
corregedor do Detran-BA, Agnaldo Garcês, evitou entrar em polêmica ou vincular a tragédia com os casos de corrupção. “Houve uma
tragédia e temos que preservar as famílias. Quando a gente envolve sentimentos,
é melhor esperar o fim das investigações para falar algo”, ponderou. Tanto ele
quanto o coordenador do órgão asseguraram que as investigações vão continuar e
não falaram em prazos para o fim da força-tarefa no órgão. “Só vamos sair
quando não houver mais irregularidades”.
Famílias
No IML de Feira, familiares das
vítimas buscavam explicações, já que Novais era tido como um homem honesto e
gentil. A viúva do sargento sequer
conseguia falar e teve de ser amparada por familiares. “Não temos ideia do que
aconteceu”, garantiu um sobrinho. Parentes das outras vítimas afirmaram que não
sabiam de nenhum problema no trabalho. “Não sabemos de nada. Nunca ouvimos
falar de brigas entre eles”, disse o irmão de Maria das Graças, Pedro Rodrigues
Costa. “Eu vou falar o quê? Só sei que ele tava bem, tava feliz”, disse a
esposa de Luiz Eugênio, que preferiu não ter o nome divulgado.
Perplexidade e defesa
Um homem ao mesmo tempo
linha-dura e idôneo, rigoroso e honesto. Por outro lado, temperamental. O
sargento Amarildo Araújo de Novais, 47 anos, estava na função de coordenador de
habilitação, um cargo de confiança, havia quatro anos. “Ele era conhecido por
nunca aceitar R$ 50 que fosse para agilizar qualquer documentação ou
habilitação”, disse o delegado Ricardo Brito. Novais era admirado pela firmeza
das suas decisões. Tanto que muitos contam que certa vez ele mandou multar o
próprio filho por dirigir sem habilitação. Com a imprensa, era gentil e disponível.
Por motivos ainda nebulosos, foi exonerado do cargo em julho desse ano e
readmitido no mês seguinte. “Houve um remanejamento de cargos e, por equívoco,
ele foi exonerado. Foi uma questão de natureza política que depois acabou
corrigida. Não foi nenhuma denúncia ou irregularidade envolvendo o nome de
Novais”, explicou o coordenador da Ciretran de Feira, Carlos Eduardo Guimarães.
O suicídio do sargento deixou perplexa boa parte dos funcionários da Ciretran,
amigos e familiares. Mas tem quem o considerava um homem temperamental. No IML,
durante a liberação do corpo, alguns
lembravam que o pai de Novais, então um senhor aposentado, se matou no ano
passado com motivação também misteriosa. Por outro lado, houve quem contestasse
a versão da polícia. O policial militar Josaphat Ramos, da Associação dos
Praças da Polícia Militar da Bahia, questionou o suicídio. “Um absurdo o
delegado não respeitar a conclusão da perícia”, disse à rádio Subaé, de Feira. As
outras duas vítimas tinham muito mais tempo no órgão de trânsito. Tanto Luís
Eugênio quanto Maria das Graças eram servidores efetivos com mais de 20 anos no
órgão. Ambos atuavam como examinadores de provas no exame de prática veicular
para primeira habilitação ou para mudança de categoria. Antes de ser
transferida para o cargo de examinadora, no início de dezembro, Maria das
Graças exercia função administrativa no órgão.
Apesar do crime ter acontecido
durante a apuração de fraudes, nenhum dos três mortos era diretamente
investigado. Nem mesmo um inquérito da polícia, que concomitante à força-tarefa
do Detran também investigava as irregularidades, os enquadrava como suspeitos.