Com base em reportagem de ISTOÉ, o chefe do Ministério
Público Federal, Roberto Gurgel, abre investigação para apurar aumento do
patrimônio da família do governador do DF
Claudio Dantas Sequeira
Agnelo (PT) está encrencado |
Alvo de uma série de denúncias de corrupção pelas quais já é
investigado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o governador do Distrito
Federal, Agnelo Queiroz, terá agora que responder também às suspeitas de
enriquecimento ilícito que recaem sobre sua família. Na quarta-feira 14, o
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu investigar a evolução
patrimonial do clã Queiroz e a conexão de Agnelo com esses negócios. “Vamos
pedir informações à Polícia Federal”, disse Gurgel. Caberá ao procurador decidir
se o caso será apurado no mesmo inquérito aberto no STJ ou se haverá um novo
processo. O pedido de investigação do procurador-geral da República foi
motivado por denúncia de ISTOÉ. Na última edição, a reportagem da revista
revelou que em três anos a mãe, três irmãos e um cunhado do governador
adquiriram bens avaliados em R$ 10 milhões – incluindo fazendas, empresas e
franquias de restaurantes. Todas as transações foram negociadas pelo empresário
Glauco Alves e Santos e sua mulher, Juliana Roriz Suaiden Santos. O casal
também vendeu a mansão em que Agnelo mora no Lago Sul, em Brasília. Agora veio
a público também a informação de que uma empresa de Glauco e Juliana foi
beneficiada por Agnelo quando este era diretor da Agência de Vigilância
Sanitária (Anvisa), entre 2007 e 2010. Por meio de uma consultoria e com a
ajuda de Agnelo, o empresário ainda negociava facilidades para farmacêuticas
multinacionais na obtenção de certificado de boas práticas de fabricação – item
fundamental para o registro de operação e licença de produtos. Na terça-feira
13, com base na reportagem de ISTOÉ, o deputado federal Fernando Francischini
(PSDB/PR) protocolou na PGR um pedido de quebra dos sigilos bancário e fiscal,
além do bloqueio judicial dos bens dos envolvidos. Francischini também pediu a
prisão de Agnelo e do irmão Ailton Queiroz. “Existem indícios fortes de
improbidade administrativa, corrupção e lavagem de dinheiro”, afirmou
Francischini, que, como delegado da Polícia Federal, foi responsável pela
prisão do megatraficante Juan Carlos Abadia. “Estou bem familiarizado com os
métodos de ocultação de patrimônio por meio de familiares e amigos laranjas”,
diz.
Além das medidas já tomadas, o parlamentar pedirá à
Corregedoria da Anvisa que investigue a atuação de Glauco e Juliana dentro do
órgão regulador. Já existe uma sindicância interna sigilosa, fruto da denúncia
de que Agnelo teria beneficiado ilegalmente o lobista de um laboratório
farmacêutico. Os indícios apresentados
por Francischini na semana passada e relatos de consultores e empresários à
ISTOÉ sugerem a montagem de um esquema de corrupção e tráfico de influência na
Anvisa. Homem da confiança de Agnelo, Glauco atua no órgão de duas maneiras:
por meio da empresa Saúde Import e da consultoria Register Brasil. Ambas
funcionam numa pequena sala comercial na região central de Brasília. A
primeira, apesar do nome, nunca importou sequer uma pílula, mas operaria no mercado
como “barriga de aluguel” de grandes laboratórios internacionais, não dispostos
a enfrentar o longo processo para conseguir uma autorização federal de
funcionamento. Para burlar a lei, pagariam para que empresas já em operação
registrem seus produtos, que depois seriam comercializados por meio de
tradings. A Saúde Import possui o registro de dois itens: ampola de raio X e
lentes de contato Freshkon. Em 31 de maio deste ano, a empresa de Glauco obteve
licença de importação de milhares de lentes de contato e óculos de Cingapura.
Uma semana antes, o empresário negociou com os irmãos de Agnelo, Ailton e
Anailde de Queiroz, a franquia da Torteria di Lorenza – a mais tradicional de
Brasília –, no principal shopping da capital. Semelhante operação ocorreu no início
de 2008, conforme denunciou o deputado Francischini na semana passada. Ele
descobriu que Agnelo assinou a portaria que garantiu à Saúde Import operar em
22 Estados no dia 28 de abril. Em janeiro e fevereiro do mesmo ano, Glauco e a
irmã de Agnelo Anailde Queiroz firmaram duas sociedades em franquias da rede de
restaurantes fast-food Bon Grillê. De acordo com Francischini, enquanto a Saúde
Import serve aos grandes laboratórios para burlar o processo de autorização, a
consultoria Register Brasil, também de Glauco, atua na intermediação entre
fabricantes internacionais e importadores brasileiros. Agnelo, quando diretor
da Anvisa, era responsável, entre outras coisas, pela concessão do chamado
certificado de boas práticas de fabricação, documento indispensável para
indústrias que querem operar no Brasil. Empresários do setor contam que, ao
procurarem a Anvisa, Agnelo indicava a consultoria de Glauco, que cobrava entre
R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão para agilizar o processo de inspeção. Ainda segundo
empresários da área, cerca de 10% desse valor era pago em contrato e 90% por
fora. Com a ajuda do atual governador do DF, a liberação do certificado ocorria
em cerca de três meses, tempo recorde. Não é o usual. Hoje, por exemplo, a
Anvisa está inspecionando empresas que solicitaram fiscalização de boas
práticas de fabricação em junho de 2010, um ano e meio atrás. Há cerca de seis
mil pedidos à espera de análise. “Quanto custa furar essa fila?” questiona um
empresário, que pediu anonimato. Na Anvisa, a diretoria de Agnelo também
liberava o certificado de boas práticas de armazenagem e distribuição –
indispensável a importadores. Uma norma interna exige que essas empresas tenham
um galpão higienizado, além de toda estrutura logística. É curioso que a Saúde
Import tenha conseguido a licença de operação funcionando numa sala comercial.
Talvez Glauco tenha convencido Agnelo a ajudá-lo, numa das corridas matinais
que ambos costumavam fazer no Parque da Cidade. Os dois já correram maratonas
em Brasília e, como diz o governador, se conhecem “de longa data”.