Segundo
'Mapa da Violência', média anual de mortes do país supera a de mortes violentas
em guerras internacionais. Alagoas lidera a violência entre os estados e Simões
Filho é a cidade baiana mais violenta.
Cruzes na praia lembram o aumento da violência em Alagoas |
Com 1,09 milhão de homicídios entre 1980 e 2010, o Brasil tem
uma média anual de mortes violentas superior à de diversos conflitos armados
internacionais, apontam cálculos do "Mapa da Violência 2012",
produzido pelo Instituto Sangari e divulgado nesta quarta-feira. O estudo
também conclui que, apesar da redução das mortes violentas em diversas capitais
do país, o Brasil mantém um índice epidêmico de homicídios - 26,2 por 100 mil
habitantes -, que têm crescido sobretudo no interior do país e em locais antes
considerados "seguros".Calculando a média anual de homicídios do país
em 30 anos, Julio Jacobo Waisefisz, pesquisador do Sangari, chegou ao número de
36,3 mil mortos no ano - o que, em números absolutos, é superior à média anual
de conflitos como o da Chechênia (25 mil), entre 1994 e 1996, e da guerra civil
de Angola (1975-2002), com 20,3 mil mortos ao ano. A média também é superior às
13 mil mortes por ano registradas na Guerra do Iraque desde 2003 (a partir de
números dos sites iCasualties.org e Iraq Body Count, que calculam as mortes
civis e militares do conflito). "O número de homicídios no Brasil é tão
grande que fica fácil banalizá-lo", disse Waisefisz à BBC Brasil. "Segundo
essas mesmas estatísticas (feitas a partir de dados do Sistema de Informações
de Mortalidade do Ministério da Saúde), ocorreram, em 2010, quase 50 mil
assassinatos no país, com um ritmo de 137 homicídios diários, número bem
superior ao de um massacre do Carandiru por dia", diz o estudo, em
referência à morte de 111 presos no centro de detenção do Carandiru (SP), em
1992.
Violência nos Estados
Por um lado, o "Mapa da Violência" vê motivos para
otimismo: o Brasil estabilizou suas taxas de homicídio e conseguiu conter a
espiral de violência em Estados como São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro
(onde, entre 2000 e 2010, o número de homicídios caiu respectivamente 63,2%,
20,2% e 42,9%). Por outro lado, o estudo aponta que "nossas taxas ainda
são muito elevadas e preocupantes, considerando a nossa própria realidade e a
do mundo que nos rodeia, e não estamos conseguindo fazê-las cair". "Estados
que durante anos foram relativamente tranquilos, alheios à fúria homicida,
entram numa acelerada onda de violência", diz a pesquisa. É o caso, por
exemplo, de Alagoas, que, com 66,8 homicídios por 100 mil habitantes em 2010,
se tornou o Estado com o maior número de mortes violentas (era o 11º em 2000). O
Pará, que era o 21º Estado com mais mortes violentas em 2000, subiu para a
terceira posição em 2010, com uma taxa de 45,9 homicídios por 100 mil
habitantes. Vários fatores podem explicar essa migração, diz o estudo: o
investimento em segurança nas grandes capitais e suas regiões metropolitanas,
fazendo com que parte do crime organizado migrasse para áreas de menor risco;
melhoras no sistema de captação de dados de mortalidade, fazendo com que mortes
antes ignoradas no interior pudessem ser contabilizadas; e o fato de algumas
partes do país terem se tornado polos atrativos de investimento sem que
tivessem recebido, ao mesmo tempo, investimentos em segurança pública. Além
disso, muitas regiões mais afastadas dos grandes centros também são locais de
conflitos agrários ou ambientais, zonas de fronteira ou rotas do tráfico -
fatores que tendem a estimular a violência.
Interior mais violento
Simões Filho lidera violência na Bahia |
É nesse cenário que a violência brasileira tem se
descentralizado e se tornado um fenômeno crescente no interior, aponta
Waisefisz. No estudo, ele detectou "a reversão do processo de concentração
da violência homicida, que vinha acontecendo no país desde 1980". "A
disseminação e a interiorização tiveram como consequência o deslocamento dos
polos dinâmicos da violência: de um reduzido número de cidades de grande porte
para um grande número de municípios de tamanho médio ou pequeno. Se as atuais
condições forem mantidas, em menos de uma década as taxas do interior deverão
ultrapassar as das capitais e regiões metropolitanas país." Assim, cidades
pequenas como Simões Filho (BA), com 116 mil habitantes, Campina Grande do Sul
(PR), com 37,7 mil habitantes, e Marabá (PA), com 216 mil, passaram a liderar,
nesta ordem, o ranking de municípios com as maiores taxas de homicídio por 100
mil habitantes.
Taxas gerais
Em geral, o Brasil viu suas taxas de homicídio crescerem
quase constantemente entre 1980 e 2003, quando chegou a 28,9 mortes por 100 mil
habitantes. A partir desse ano, os índices se reduziram e, com algumas
oscilações, se estabilizaram. Nesses 30 anos, a população também cresceu,
embora de forma menos intensa, aponta o "Mapa da Violência".
"Passou de 119 milhões para 190,7 milhões de habitantes, crescimento de
60,3%. Considerando a população, passamos de 11,7 homicídios em 100 mil
habitantes em 1980 para 26,2 em 2010. Um aumento real de 124% no período."
Também preocupa o fato de a violência ainda incidir de forma muito mais intensa
entre a população negra. Segundo o estudo, em 2010 morreram, proporcionalmente,
139% mais negros do que brancos no país.
Informações da BBC Brasil, com redação de O Estado de São
Paulo.