Inep contrata empresas fantasmas por R$ 26,5 milhões e ENEM tem 13 questões anuladas


         Alana Rizzo – do CORREIO BRAZILIENSE

Suposta sede da Monal Informática
     Órgão responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) contratou empresas em nome de laranjas para executar serviços de segurança da informação. A Monal Informática Ltda. tem capital de R$ 3 mil, mas irá receber R$ 12,5 milhões por um ano de clipping, ou rastreamento de notícias, on-line. O programa de computador “varre” a internet em busca de citações do órgão vinculado ao Ministério da Educação. Fontes ouvidas pelo Correio dizem que contratos de clipagem, sem televisão, não passam de R$ 600 mil por ano. Segundo a Junta Comercial do Distrito Federal, a Monal está sob o comando de Aristides da Silva Monteiro. Aos 84 anos, o empresário afirmou desconhecer contratos, atividades e até mesmo onde fica a sede da empresa. “Sabe o que é? É que um parente cuida da empresa e estamos com sócios novos. De maneira que não sei te informar o lugar que funciona.” Tanto o registro da Junta quanto a página na internet da Monal apontam um endereço: Quadra 803 Bloco C loja 10, no Cruzeiro Novo. No local, funciona a RA Contábil, uma empresa de contabilidade e de “escritórios virtuais”. Funcionários disseram que nunca ouviram falar da empresa de informática.
     A Monal ganhou dois lotes de um pregão para contratação da segurança da informação. O resultado foi publicado no Diário Oficial da União em 24 de agosto. Cerca de um mês depois, a Diretoria de Gestão e Planejamento, comandada por Dênio Menezes da Silva, registrou os preços da licitação, que tem vigência de um ano. A Monal, responsável pelos lotes três e seis, aparece com o valor global de R$ 12,5 milhões. Uma outra parte do pregão — R$ 8,9 milhões — teve como empresa vencedora a DNA Soluções Inteligentes Ltda., registrada em nome de Enisa Laves de Sousa. A empresa fornece o CheckPoint, um sistema de segurança que impede usuários externos de entrarem na rede interna do Inep. A empresa funciona em uma sala comercial na Asa Norte, sem identificação e nenhum responsável. Até agora, foram publicados dois contratos com a Monal Informática (R$ 1 milhão e R$ 1,3 milhão). Já a DNA tem um extrato assinado de R$ 2,6 milhões.
     Dono oculto
     As duas empresas têm algo em comum: Andre Luis Sousa Silva. É ele o responsável pela Monal e pela DNA. O empresário diz que comprou a primeira de Aristides, no início deste ano, e ainda não conseguiu fazer a transferência. “É para poder participar de licitações”. A segunda está registrada no nome da mãe. “Era uma empresa para emitir notas.” O salto nos contratos do empresário é expressivo. A DNA, fundada em 2008, presta serviços para o governo federal desde o ano passado. Em 2010, foram R$ 917,5 mil, sendo a maior parte — R$ 850,9 mil — para o Inep. O empenho de toda a verba foi feita em três parcelas e no mesmo dia — 27 de dezembro. Este ano, o contrato com o órgão vinculado ao Ministério da Educação passou para R$ 4,3 milhões, fora os valores do novo pregão. André negou irregularidades e ainda comemorou o usou do software na descoberta das fraudes no Enem em Fortaleza. Ele diz que é difícil uma empresa pequena conseguir contratos com o governo. A Modal e DNA, no entanto, já assinaram R$ 26,6 milhões. A sede da primeira empresa vai ser transferida para um endereço na Asa Norte, que serve de domicílio comercial para “outras 100 empresas”, segundo André.
     O empresário diz que trabalha na área de tecnologia da informação há muitos anos e que ele mesmo desenvolve os produtos. Ele diz que conhece Aristides há muitos anos, mas não entra em detalhes — o contador da RA Contábil teria sido responsável pelo contato. Especialistas na área de controle informaram que o governo corre alto risco em fazer contratos com empresas de capital tão inferior ao valor dos contratos. Em caso de não execução, não há de quem cobrar um possível ressarcimento. Segundo o Inep, até agora, só um contrato foi fechado com a Monal, no valor de R$ 1 milhão. Os serviços são referentes aos dois lotes do pregão e incluem a instalação do aplicativo que rastreia notícias e informações sobre determinados assuntos, suporte para o balanceamento de tráfego entre servidores, instalação e suporte técnico. “A contratada cumpriu com as obrigações pactuadas,” diz a nota. O órgão afirma que a empresa apresentou todas as exigências legais, inclusive uma garantia no valor de 5% do contrato. Sobre os contratos com a DNA, o Inep não respondeu à reportagem.
     O coordenador-geral de Aquisições do Inep, Luiz Lucinda, diz que a licitação por ata de preços não obriga o órgão a pagar o valor registrado. “Se houver demanda, o valor já está contratado. É uma estimativa, uma previsão.”
     Quatro perguntas para - Andre Luís Sousa Silva
     Apesar de não aparecer nos registros comerciais, o empresário diz que é dono da Monal Informática e da DNA Soluções Inteligentes Ltda. As duas empresas fecharam contratos milionários com o Inep.
     Qual é o serviço que a Monal Informática presta?
     Prestamos um serviço que é o de um software de análise de conteúdo web. Esse software escuta tudo que fala sobre o Correio Braziliense, por exemplo. Com essas provas agora (Enem), eles conseguem estar sabendo o que está falando. É on-line. Uns estudantes estavam passando a prova e o sistema detectou na hora e a PF foi lá na sala pegar esse aluno.
     Quem desenvolveu este software?
     A gente desenvolveu. Eu sou o técnico. O software chama monitoramento estratégico. Foi desenvolvido no meu notebook mesmo. Não precisa de muita coisa para rodar.
     E a DNA Soluções ?
     Como é que eu vou te explicar? A DNA trabalha na parte de segurança de informação. Veja bem, é para evitar invasão. Faz uma barreira para que ninguém entre na máquina. É um software chamado Check Point e esse é licenciado.
     Por que você mantém duas empresas na área de informática ?
     A gente fundou essa empresa (a DNA Soluções) para poder dar nota fiscal, para poder trabalhar. Daí fui demitido de onde trabalhava e resolvi tocar a empresa. Graças a Deus conseguimos contratos com a CGU, a Embrapa. A outra empresa (Monal Informática) é para fazer outras parcerias, para poder trabalhar com outro ramo que não o da DNA. O seu Aristides está me enchendo o saco para transferir a Monal. Já falei que não tem nada de errado. Você pega o preço de mercado e vai ver que o nosso é o melhor. Está tendo uma demanda muito grande. Muita gente está querendo aderir à ata de preço.
     Enem tem 13 questões canceladas
     A Justiça Federal no Ceará determinou ontem o cancelamento das 13 questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que vazaram para alunos do Colégio Christus, no Ceará. A decisão era defendida pelo Ministério Público Federal, mas contestada pelo Ministério da Educação. O órgão pretendia reaplicar o teste para os 639 alunos que tiveram acesso a parte da prova.
     O ministro da Educação, Fernando Haddad, e a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Malvina Tuttman, anteciparam que a entidade vai recorrer da decisão. Em reunião com o juiz do Ceará, a presidente do Inep e os procuradores do Ministério da Educação, Mauro Chaves, e do Inep, Eliana Sartori, defenderam a reaplicação do exame somente para os 639 alunos do colégio Christus, em Fortaleza.
     Nas alegações, o Inep afirmou que o problema ocorreu de forma localizada. Porém, durante coletiva de imprensa, Malvina afirmou que se as investigações da Polícia Federal indicarem que os alunos do cursinho pré-vestibular da mesma instituição tiveram acesso às questões, eles também poderão refazer a prova em 28 e 29 de novembro, como os demais alunos do Colégio Christus. A sugestão, no entanto, não foi acatada pelo magistrado. O juiz decidiu pelo posicionamento expresso pelo procurador da República Oscar Costa Filho, pelo cancelamento, em todas as provas, das 13 questões a que os alunos da escola particular do Ceará tiveram acesso.
     Ontem, alguns estudantes se reuniram na porta do prédio da Justiça com cartazes, em que pediam a anulação total do Enem. Três estudantes do grupo chegaram a se reunir com o juiz Praxedes. Eles afirmaram que se apenas os alunos do Colégio Christus fizesse nova prova, isso poderia prejudicar os demais inscritos.