Repasses
do governo feitos às organizações não constam do cadastro do Ministério do
Planejamento e dificultam pente-fino em convênios
Fausto
Macedo, enviado especial de O Estado de S.Paulo.
A ONG Instituto Contato, de Florianópolis, é acusada de uma série de irregularidades |
BENTO
GONÇALVES (RS) - Informações sobre a destinação de R$ 26,5 bilhões do Tesouro,
transferidos para organizações não governamentais (ONGs) e entidades entre
setembro de 2008 e junho de 2011, não constam do banco de dados do Sistema de
Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv), do Ministério do
Planejamento. A revelação foi feita durante debates da Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), em Bento Gonçalves (RS). O
montante à margem do cadastro do Siconv representa 54% do total repassado por
ministérios e outros entes do governo federal a título de transferências
voluntárias. Do total, R$ 20 bilhões foram para convênios e R$ 6,5 bilhões para
termos de parcerias e contratos de repasse. A exclusão dessas informações
emperra a malha fina sobre convênios e licitações. Essa situação foi comunicada
à Enccla pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do
Planejamento. "Apesar da obrigatoriedade do seu emprego e dos esforços dos
gestores do Siconv em exigir dos órgãos concedentes o seu uso, ainda não há
plena adesão ao sistema, o que dificulta o trabalho dos órgãos de fiscalização
e controle", alerta documento submetido às discussões fechadas da Enccla. O
Siconv foi concebido a partir de proposição do Tribunal de Contas da União, em
novembro de 2006, para ampliar a transparência do gasto público federal
realizado mediante a liberação de verbas a outros órgãos e entidades, entes
federados e entidades do setor privado. A meta primordial era superar as
limitações verificadas no Sistema Integrado de Administração Financeira
(Siafi), onde a execução financeira e orçamentária das transferências
voluntárias alcança apenas as transações realizadas pelo concedente, "inexistindo
informação quanto à execução do gasto no âmbito dos convenentes". Todo o
processo de execução de transferências voluntárias deveria ser registrado no
sistema, em tempo muito próximo ao da realização dos atos.
A Polícia Federal
tem interesse direto nesses dados, tanto que faz parte do grupo que discute o
aperfeiçoamento do Siconv. Desde setembro de 2008 existe a obrigatoriedade de
registro de todos os atos de celebração, liberação de recursos, acompanhamento
da execução e prestação de contas de convênios, contratos de repasse e termos
de parceria. Nesse sentido, a Comissão Gestora do Siconv expediu uma diretriz,
em maio de 2010, alertando os gestores dos órgãos concedentes sobre a
obrigatoriedade de utilização do sistema e do registro das informações referentes
às licitações e aos contratos administrativos celebrados no prazo de 20 dias
após a realização dos procedimentos. Segundo a Enccla, para atender aos seus
pressupostos - fortalecimento da gestão e aumento da transparência do gasto
público -, o Siconv deve incorporar todas as transferências voluntárias de
todos os órgãos da administração pública federal. A Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) impõe aos órgãos e entidades integrantes do orçamento
fiscal: "Deverão disponibilizar ao Sistema Integrado de Administração de
Serviços Gerais (Siasg) e ao Siconv, no que couber, informações referentes aos
contratos e aos convênios com instrumentos congêneres firmados com a
identificação das respectivas categorias de programação e fontes de recursos
quando se tratar de convênios".
Dificuldade. O estatístico Clesito Fechini,
assessor da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do
Planejamento, diz acreditar que não existe resistência das outras pastas em
transmitir os dados. "É dificuldade operacional. Dificuldade de
compatibilizar os layouts, de os órgãos efetivamente integrarem o sistema.
Inserir quase 30 mil convênios de uma hora para outra, não estamos falando de
400 convênios. É muito difícil." Ele observa, porém, que a LDO determina
aos órgãos que encontram dificuldades de manter seu próprio sistema que enviem
os dados ao Planejamento. "O sistema funciona efetivamente há três anos. É
para todo mundo ver, em linguagem cidadã, as informações sobre os convênios.
Com isso ganhamos a melhoria de gestão, daí o interesse da Secretaria de
Logística em cumprir as sugestões da Enccla." Para a Polícia Federal a
inclusão de todos os dados relativos às transferências voluntárias repercute na
maior celeridade de suas investigações. Josélio Azevedo de Sousa, delegado
federal que cuida dos inquéritos sobre desvios de recursos públicos, destaca
que a PF até pode obter os dados de que precisa para construir provas, mas
teria de expedir ofícios, promover missões externas e até mesmo requerer a
quebra de sigilo bancário de seus alvos, o que demandaria tempo. "Com a
disponibilização das informações no Siconv e o acesso pela internet ganhamos
economia operacional de meios e de tempo", diz. "A recomendação legal
já existe, o que a Enccla quer é a transparência da gestão dos recursos
públicos", afirma Fechini.