A abertura econômica em Cuba e a repressão


     RODRIGO CAVALHEIRO – Enviado especial: HOLGUÍN, CUBA - O Estado de S. Paulo
     Raúl Castro flexibiliza economia, mas reprime dissidentes
Havana, capital cubana.
     Na véspera do último Natal, dois irmãos de Holguín, no leste de Cuba, foram presos por cantar rap em sua própria casa. O problema não era o volume nem a afinação. Antonio e Marcos Lima Cruz tiveram a casa invadida - primeiro com pedras e ovos atirados pelos vizinhos, depois por policiais - e foram detidos porque entoavam as letras do grupo Los Aldeanes, que falam de coisas como "liberdade de expressão". A história dos Lima Cruz é um dos casos extremos de uma onda de repressão abafada pelos anúncios de seguidas medidas de flexibilização econômica no último ano.
     Segundo a Comissão Cubana de Direitos Humanos, há 50 presos políticos hoje condenados apenas por opinar e o número de detenções relâmpago atingiu em setembro um recorde em três décadas - 563 pessoas passaram pelo menos algumas horas na prisão, o dobro da média dos oito meses anteriores. Opositores associam a ofensiva do governo à uma tentativa de desarticular grupos como o das Damas de Blanco. Primeiro porque sua líder, Laura Pollán, morreu em agosto. Segundo, porque o objetivo que tornou movimento conhecido, a libertação dos 75 presos de consciência ligados à Primavera Negra, onda de detenções de março de 2003, foi atingido este ano.
Raúl Castro. Abertura econômica com repressão.
     "Fui detida duas vezes no último mês e recebo ligações dizendo que não devo ir aos encontros das Damas. Eles dizem que isso agora acabou, que não devemos mais sair de casa para isso", relatou Cecilia Guerra Alfonso, de 52 anos, ao sair da reunião feita há uma semana em um parque na frente da Igreja Santa Rita, um lugar afastado do centro e dos grupos à paisana que costumavam agredi-las em suas marchas dominicais.
     Um dos últimos membros dos 75 libertados foi Héctor Maseda, marido de Laura Pollán. Ele acredita que a sequência de detenções em parte deve-se ao pouco interesse com que a dissidência política tem sido tratada no exterior, competindo com decisões históricas como a liberação da venda de casas entre particulares esta semana, o comércio de carros, a proliferação de pequenos negócios e a liberação de terras em usufruto. "Aqui na ilha fala-se discretamente de abertura, mas não temos acesso à ela. Continuamos com as mesmas 7 horas de sol por mês, vivendo em uma cela imunda, com um buraco para as necessidades", disse por telefone ao Estado Maikel Alcala, preso e condenado à prisão perpétua por tentar escapar de Cuba em uma lancha em 2003.
     Ele divide a cela com seu primo Harold Delgado, preso pela mesma razão. "Não é fácil que tenham nos esquecido assim depois que outros foram soltos. Isso aqui é o inferno", disse Maikel, também por telefone. As ligações se resumem a dez minutos por semana e a única distração, insistem, é o áudio da novela Passione, reproduzida em Cuba. Nas visitas que têm a cada três meses, Estrella Aramburu, de 53 anos, mãe de Harold e tia de Maikel, leva um saco com comida e enlatados que é mantido pelos presos na cela. Exposta à umidade, boa parte da comida apodrece.
     Pai dos irmãos Lima Cruz, o dissidente Marco Antonio enfrenta privações parecidas para comunicar-se com os filhos. Depois de passar seis meses em um centro de segurança máxima apelidada de "Canta" - porque ali todo preso daria as informações que o regime quer -, os dois foram transferidos para um campo de trabalho forçado a 8 km do centro de Holguín. "Eles agora servem de mão de obra barata para o governo. Constroem casas de oficiais e fazem obras na cidade e no campo. Chegam a trabalhar até 16 horas por dia", afirma. Condenados por "escândalo público", os irmãos devem permanecer assim até o fim da pena. Antonio, de 29 anos, ficará preso até dezembro de 2012. Marco, de 33, só deve ter outro Natal em liberdade em 2013.