Agnelo Queiroz - Governador do DF - PT. |
Nos últimos dias, o
escândalo dos desvios de verbas de ONGs ligadas ao Ministério do Esporte,
detonado pelo policial militar João Dias Ferreira, atingiu em cheio o ministro
Orlando Silva e colocou em xeque a administração de nove anos do PCdoB à frente
da pasta. Agora, uma nova e importante testemunha do caso pode dar outros
contornos à história, ainda repleta de brechas e pontos obscuros. O que se
sabia até o momento era que os comunistas, além de terem aparelhado o
Ministério do Esporte, montaram um esquema de escoamento de verbas de
organizações não governamentais para abastecer o caixa de campanha do partido e
de seus principais integrantes. Em depoimentos ao longo da semana, o PM João
Dias acusou Orlando Silva de ser o mentor e principal beneficiário do
esquema. A nova testemunha, o auxiliar administrativo Michael Alexandre Vieira
da Silva, 35 anos, apresenta uma versão diferente. Em entrevista à ISTOÉ,
Michael afirma que o atual governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, e
ex-ministro do Esporte, hoje no PT, mas que passou a maior parte de sua
trajetória política no PCdoB, é quem era o verdadeiro “chefe” do esquema de
desvio de recursos do Esporte. Até então, Agnelo vinha sendo poupado por João
Dias.
Michael foi a principal
testemunha da Operação Shaolin, deflagrada no ano passado pela Polícia Civil do
DF e na qual foram presas cinco pessoas, entre elas o próprio soldado João
Dias. Seu papel nesse enredo é inquestionável. Michael trabalhou nas ONGs comandadas
por João Dias, conheceu as entranhas das fraudes no Ministério do Esportes e,
durante um bom tempo, esteve a serviço dos pontas-de-lança do esquema. Sobre
esse período, ele fez uma revelação bombástica à ISTOÉ: “Saquei R$ 150 mil para
serem entregues a Agnelo (então, ministro)”, disse ele na entrevista.
Orlando Silva - Ministro dos Esportes - PCdoB. |
Em 2008, Michael já havia
denunciado todo o esquema das ONGs no Ministério do Esporte e, desde então,
passou a colaborar secretamente com os investigadores. Hoje, se mudou de
Brasília e vive escondido. Os depoimentos de Michael serão cruciais para o
andamento inquérito 761 sobre o envolvimento de Agnelo, que corre no STJ e
deverá ser remetido ao STF pelo procurador-geral da União, Roberto Gurgel.
Partícipe do esquema, Michael tem uma série de elementos para afirmar
categoricamente que era Agnelo “quem chefiava o esquema”. Durante o tempo em
que trabalhou no Instituto Novo Horizonte, o auxiliar administrativo ficou
sabendo de entregas de dinheiro e da liberação de convênios, por meio de Luiz
Carlos de Medeiros, ongueiro e amigo do governador. “Medeiros falava demais...
Sempre comentava que estava cansado de dar dinheiro para Agnelo”, diz. Sobre o
ministro Orlando Silva, Michael afirma que ouviu seu nome uma única vez e por
meio do delegado Giancarlos Zuliani Júnior, da Deco (Divisão Especial de
Repressão ao Crime Organizado). “Contei a Giancarlos sobre a existência de um
cofre num depósito de João Dias, em que havia armas e documentos que poderiam
incriminar algumas pessoas. Aí ele me perguntou se eu sabia do envolvimento de
Orlando Silva e da ONG Cata -Vento”, lembra.
Na entrevista à ISTOÉ,
Michael revela ainda que o esquema de fraudes com ONGs de fachada transcende as
fronteiras do PCdoB e do Esporte. Atingiria também, segundo ele, o Ministério
da Ciência e Tecnologia, então na cota do PSB. Ele conta que chegou a ser
convocado pela CPI das ONGs para falar sobre o tema, mas seu nome foi retirado
da lista de depoentes na última hora sem qualquer justificativa. Sobre o
envolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia, Michael diz que o Instituto
Novo Horizonte chegou a assinar convênios com a Secretaria de Inclusão Social,
subordinada à pasta, para a instalação de uma biblioteca digital em Natal, no
Rio Grande do Norte, no valor de R$ 2 milhões. Esses contratos, segundo Michael
Vieira, teriam sido avalizados pelo então secretário, o atual deputado
distrital Joe Valle (PSB), amigo de Medeiros e definido no grupo como laranja
de João Dias no comando do Instituto Novo Horizonte.
João Dias, o policial da crise. |
Com todo esse arsenal de informações,
entende-se por que a investigação sobre as fraudes do PCdoB no Distrito Federal
foi deflagrada a partir de denúncia de Michael ao Ministério Público. O que
Michael contou à ISTOÉ, com riqueza de detalhes, também está registrado em
outros 11 depoimentos que prestou em sigilo à Polícia, ao Ministério Público e
à Justiça nos últimos três anos. Michael e o policial João Dias participavam de
um mesmo esquema enquanto Agnelo Queiroz ocupou o Ministério do Esporte.
Depois, tomaram rumos diferentes. Agnelo se elegeu governador do Distrito
Federal e o PM circula ao seu lado até hoje, mesmo sendo réu em um processo que
apura desvio de dinheiro público. No governo do DF, emplacou um afilhado
político, Manoel Tavares, na BRB Seguros, a corretora do Banco Regional de
Brasília, um dos cargos mais cobiçados do governo local. Até bem pouco tempo
atrás, o PM mantinha silêncio absoluto sobre as fraudes das quais participou,
confiante de que sua relação com autoridades influentes lhe serviria de
salvo-conduto. “Ele fez isso por dinheiro e para se livrar das denúncias que
fiz a seu respeito”, afirma Michael. Ele assegura que João Dias tentou
silenciá-lo, primeiro com ofertas financeiras, e depois com ameaças de morte.
Por causa do assédio, Vieira entrou no Programa de Proteção a Testemunhas. Mas
após alguns meses abriu mão da proteção para tentar retomar sua vida. Hoje,
Michael vive com mulher e filhos de pequenos bicos e da ajuda de amigos numa
cidade do interior de outro Estado. Não se arrepende de ter denunciado o esquema,
mas passou a desconfiar de tudo e todos, especialmente depois que foi usado
pelo ex-governador Joaquim Roriz para atingir Agnelo na campanha eleitoral do
ano passado.
À ISTOÉ, Michael pediu que
seu rosto não fosse inteiramente revelado. A decisão de romper o pacto de
silêncio deve-se, segundo ele, à indignação com a postura de João Dias no
episódio. “Não posso aceitar que um cara como João Dias pose de bom-moço para a
sociedade”. O desabafo, no entanto, não invalida as denúncias a respeito do
esquema no Esporte nem as desqualifica, afinal não se espera que pessoas
escaladas para participar de fraudes sejam selecionadas num convento. Mas é
fato que João Dias tem uma ficha corrida para lá de complicada. Levantamento da
ISTOÉ encontrou nada menos que 15 ocorrências policiais contra o PM, que tem
fama de truculento. Há acusações de lesão corporal, roubo e ameaças de morte.
Brigas no trânsito, dentro de hospitais e até tentativa de golpe na locação de
imóveis e na contratação de funcionários para atuar nos convênios do Segundo
Tempo.
A trama policial tem
contaminado o ambiente político em Brasília. Até o final da semana, a
presidente Dilma Rousseff, temendo precipitar uma crise com um importante
aliado, o PCdoB, hesitava em mudar o comando do Ministério do Esporte. Na
quinta-feira 20, Dilma disse a assessores que não agiria sob pressão e reclamou
publicamente do “apedrejamento moral” que o ministro do PCdoB estaria sofrendo.
Chamou os comunistas de aliados históricos. “Temos de apurar os fatos, temos de
investigar. Se apurada a culpa das pessoas, puni-las. Mas isso não significa
demonizar quem quer que seja, muito menos partidos que lutaram no Brasil pela
democracia”, afirmou. Em Brasília, Orlando Silva reuniu-se por cinco horas com
a cúpula do PCdoB.
Ao chegar de Angola na noite
da quinta-feira 20, Dilma Rousseff convocou uma reunião de emergência com a
coordenação política do governo. No encontro, comentou que não tinha convicção
sobre as denúncias contra Orlando Silva, mas admitiu que o desgaste político
sofrido era irreversível. Dilma também consultou o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, sobre o andamento das investigações na Polícia Federal e no
Ministério Público. Na avaliação da presidente, as explicações que o ministro
dos Esportes deu na Câmara e no Senado não foram suficientes para reverter o
quadro. Pesam também contra Orlando os embates com a Fifa e a CBF para a
organização da Copa de 2014. Dessa maneira, o mais provável é que a presidente
aguarde os desdobramentos do caso para tomar uma decisão de cabeça fria. Nas
fileiras comunistas, caso o PCdoB não perca o ministério, o nome mais cotado
para substituir Orlando Silva é o da ex-prefeita de Olinda (PE) Luciana Santos,
hoje deputada federal. Seu nome já havia sido sugerido por Dilma quando montou
a equipe, mas Orlando acabou mantido por pressão do PCdoB – além de apoio
aberto do ex-presidente Lula. Caso a presidente resolva retirar a pasta das
mãos dos comunistas, já há articulações para tentar emplacar no cargo o
ex-ministro Márcio Fortes, hoje presidente da Autoridade Pública Olímpica.
Procurado por ISTOÉ, Agnelo estava fora do País e até o fechamento desta edição
não havia se manifestado.
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