Demógrafo
da ONU prevê que a população deve se estabilizar por volta de 2050, mas haja
solavanco até lá.
Juliana
Sayuri e Mônica Manir - O Estado de S.Paulo
Um trem de passageiros no Paquistão |
Neste fim de mês de outubro, a ONU fecha a
conta do mundo em 7 bilhões de habitantes. E abre outra logo em seguida,
estimando que vêm mais 8 bilhões por aí até 2100. Só depois seria possível
passar a régua e dizer que a população se estabilizou.
O holandês Ralph Hakkert é demógrafo do Fundo de
População das Nações Unidas. Pelo que tem observado de seus voos pelo planeta,
é mais otimista: por volta de 2050 a coisa se acomoda em torno dos 9 bilhões.
Não só porque as mulheres terão mais acesso aos métodos contraceptivos, mas
porque a África passará por um processo muito acentuado de urbanização, o que
deve desencorajar a fecundidade do continente mais animado a se multiplicar.
É da África que ele conversa com o Aliás. Hakkert
estava em Nairóbi, capital do Quênia, para dar um workshop sobre métodos de
estimativa demográfica. O país já foi considerado o de mais alta fecundidade no
mundo, com uma média de 8,11 filhos por mulher. Hoje está na casa dos 4,62, um
número ainda disparatado, especialmente quando se leva em conta que metade da
população mora em países onde a fecundidade se encontra abaixo do nível de
reprodução, com 1,8 filhos.
"O Brasil está nessa faixa, ou seja, as
pessoas têm menos filhos do que precisariam para repor as gerações",
explica. Mas pergunta: "Até que ponto o Estado pode interferir na vida
privada da população para conseguir um ou outro comportamento
reprodutivo?" Da sua, ele já sabe: quer unir de novo a família, separada
pelo trabalho. Em Brasília moram sua mulher e o filho mais velho. Em Nova York,
ele divide um apartamento com o mais novo. Em 2013 esse demógrafo de 59 anos
que foi pesquisador do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Unicamp, e do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) quer se aposentar. E morar no
Brasil, que, segundo suas previsões, em duas décadas será um dos polos de
atração do intenso processo migratório mundial.
Como tende a se comportar
a população mundial até o final deste século?
Ainda serão acrescentados 1 ou 2 bilhões de pessoas
ao número total. Mas já há sinais claros de que o comportamento da população
está mudando e esse crescimento ficará mais lento. Em algum futuro previsível,
vai parar. Haverá uma estabilização.
E será por volta de 2040?
Não, acredita-se que será mais tarde. Há uma agência
na ONU chamada Divisão de População que, a cada dois anos, faz estimativas
sobre como a população vai se desenvolver. Em 2008, ela projetou que o
crescimento iria parar em 2040, 2045. Neste ano de 2011 fizeram uma revisão e
agora são mais pessimistas. Acham que o crescimento vai continuar por mais
tempo, só deve parar por volta de 2100.
O senhor concorda com a
nova projeção?
Sou um pouco mais otimista. Aposto que a população
vai se estabilizar por volta de 2050, mas é muito difícil fazer projeção de longo
prazo sobre isso. Quando você tem uma hipótese um pouquinho diferente sobre o
ritmo de redução da fecundidade, pode chegar a conclusões bem diversas. Essa é
uma arte bastante sensível.
O que o leva a achar que
a redução da fecundidade será mais rápida?
Primeiro, a urbanização. Segundo, o nível de acesso
que as mulheres têm à saúde reprodutiva e aos métodos contraceptivos. Terceiro,
as oportunidades que surgem para as mulheres no mercado de trabalho, o que as
estimula a ter menos filhos.
Por que a fecundidade
tende a diminuir com a urbanização?
Um famoso demógrafo australiano, John Caldwell,
desenvolveu o seguinte argumento: nas sociedades tradicionais, principalmente
as rurais, o fluxo de riqueza entre gerações é predominantemente dos filhos
para os pais, ou seja, os pais precisam investir pouco nos filhos em termos de
educação, capital humano, mas existe um fluxo de riqueza dos filhos porque eles
começam a trabalhar desde cedo, contribuem para a renda da família e sustentam
os pais na velhice. Então, numa sociedade tradicional rural, é bom negócio ter
muitos filhos. Já a economia urbana se baseia muito na educação como
instrumento de ascensão social. Também existe menos necessidade de se procriar
para ter segurança na velhice na medida em que existe maior cobertura do
sistema de aposentadorias. Na economia urbana moderna, portanto, o fluxo de
riqueza é mais de pais para filhos.
Como se lida com
barreiras culturais quanto ao planejamento familiar? Na África Subsaariana elas
são muito fortes, não?
Sim, as pessoas na África Subsaariana querem muitos
filhos porque isso é visto como fonte de riqueza. Mas isso tende a mudar. A
África é o continente que terá o maior ritmo de urbanização nas próximas
décadas. Isso impactará o crescimento das populações. Elas vão depender de mais
atividades econômicas urbanas e as mulheres terão mais oportunidades de
trabalho. Mas veja outros fatores, como a religião. Antigamente se dizia que
ela favorecia a existência de famílias grandes. Contudo, os países de
fecundidade mais baixa no mundo, Itália e Espanha, são predominantemente
católicos. No Irã, apesar da força da cultura muçulmana, houve uma queda
recente e rápida.
Quais são os países de
maior fecundidade?
Os da África, como o Níger, onde as mulheres ainda
têm seis filhos. Uganda, Burquina Faso e Máli não ficam atrás. Mencionaria
também a Tanzânia, e o Afeganistão.
E a América Latina? Como
o senhor avalia a taxa de fecundidade do continente?
A América Latina tem tido uma transformação muito
forte nesse sentido também. Um dos casos principais é justamente o Brasil. No
final dos anos 60, a taxa de fecundidade no País era da ordem de cinco, seis
filhos por mulher. Hoje a taxa está abaixo de dois. Ou seja, as pessoas no
Brasil nem têm o número de filhos que precisam para se reproduzir. O Chile
também tem uma fecundidade muito baixa, assim como Cuba e Trinidad e Tobago. Os
únicos que ainda mantêm uma fecundidade elevada são Guatemala, Honduras e
Nicarágua, com uma média de três filhos por mulher.
As sociedades idosas
podem se tornar um peso para a geração de filhos únicos?
Há alguns países em que o envelhecimento será um
problema bastante sério no futuro, e não falo só dos mais desenvolvidos. Na
China, a diminuição da fecundidade foi muito brusca. Lá a média é de 1,5 filho
por mulher. A sociedade chinesa não está organizada para o envelhecimento
porque os chineses ainda esperam que os filhos cuidem dos pais. Isso será cada
vez mais difícil, inclusive porque haverá um grande número de pessoas que
ficarão velhas sem filhos. No Brasil, a seguridade social é relativamente
ampla. Na China não existe isso.
Qual país tem a maior
expectativa de vida?
O Japão. A média de vida deles é de mais de 80
anos. Mas veja que o que determina o envelhecimento de uma população não é
tanto a expectativa de vida, mas a baixa fecundidade, de menos de dois filhos.
A população vai envelhecer de qualquer forma, mesmo que a esperança de vida não
seja tão alta, como na China.
No último relatório da
ONU, a questão da fecundidade foi deslocada dos fatores econômicos e sociais
para os direitos humanos. Como o senhor vê essa transposição?
Os direitos reprodutivos se encaixam no conceito de direitos humanos. As
pessoas têm o direito de ter o número de filhos que desejam. Isso foi uma
resolução que se tomou na Conferência Mundial do Cairo, em 1994, na qual se
consagrou a ideia de que a decisão sobre a fecundidade pertence a cada mulher,
a cada casal. A obrigação do Estado é dar às pessoas meios que lhes permitam
exercer seu direito de opção sobre o número de filhos que desejam. Mas metade
da população mundial já mora em países em que as pessoas têm menos filhos do
que precisariam para repor as gerações. Acabo de voltar da Armênia, onde já se
oferece bônus para os casais. A Mongólia também subsidiou o nascimento de crianças.
Daí surge a discussão: até que ponto o Estado pode interferir na vida privada
das pessoas para conseguir que tenham um ou outro comportamento reprodutivo?
A desigualdade econômica
entre os países tende a aumentar? Os pobres serão ainda mais pobres? E os ricos
serão em menor quantidade, mas ainda mais ricos?
É uma pergunta difícil. Você precisa perguntar isso
a um economista. Se por um lado existe a tendência de uma maior desigualdade
nos países mais desenvolvidos, por outro há o crescimento explosivo de países
em desenvolvimento. Estou muito impressionado com o que está acontecendo com a
China. Tive um estagiário chinês trabalhando comigo durante o verão e, ao
ouvi-lo falar sobre as mudanças no ambiente familiar e dos amigos, fiquei com a
nítida sensação de que a China vai explodir economicamente, o que vai mudar as
relações no mundo. Ao mesmo tempo, não sabemos qual vai ser o resultado disso.
Pra dizer a verdade, não acredito muito que a pobreza vá aumentar. Em nível
mundial, em termos de porcentuais, ela vai diminuir, mas será um processo um
pouco contraditório. Em alguns países pode haver pobreza, como nos EUA, onde
moro e vivencio essa discussão o tempo todo. Fala-se que, daqui a 20, 30 anos,
Brasil e EUA terão níveis de desigualdade parecidos.
O Ocupem Wall Street
mostra que as pessoas já se deram conta disso?
Existe uma percepção de que o sistema econômico não
é justo. A crise de 2008 foi vista como uma crise de credibilidade do sistema
capitalista nos EUA, mas na Europa também. As pessoas estão se sentindo
inseguras, percebem que não há igualdade de oportunidades. A geração atual de
jovens americanos provavelmente será a primeira, desde a 2ª Guerra Mundial, a
ter uma vida econômica mais difícil que a de seus pais. E essa insegurança se
reflete na polarização política. Enquanto há gente ocupando Wall Street para
dar vazão à insatisfação, há segmentos conservadores da classe média que acham
que tudo se resolve se voltarem aos valores capitalistas de antes.
Muitos têm relacionado as
ondas rebeldes no Oriente Médio aos mais jovens, que seriam mais instruídos. Os
jovens são mesmo os protagonistas das mudanças?
Sim e não. Sim no sentido de que a Primavera Árabe
reflete a crescente frustração dos jovens com as poucas oportunidades
econômicas, sociais e políticas que seus países oferecem. Isso tem muito a ver
com o rápido crescimento do nível de instrução nesses lugares. Egito, Irã e
Síria têm investido muito na educação, o que não tem sido acompanhado de uma
expansão das oportunidades. Agora, alguns dizem que os acontecimentos no
Oriente Médio têm a ver com o grande contingente de jovens nesses países. O
número de jovens nesses países, como porcentual da população com mais de 15
anos, não é excepcional neste momento. Essa proporção já foi até maior.
As pessoas mais ricas do
mundo são as que mais emitem dióxido de carbono. O que ameaça mais o mundo - o
número de pessoas ou o estilo de vida que levam?
A curto e médio prazo, é mais o estilo de vida. Se
supusermos que o estilo de vida se manterá constante e observarmos onde o maior
crescimento de população vai ocorrer, ou seja, nos países menos desenvolvidos,
principalmente na África, o impacto que isso terá sobre a emissão de dióxido de
carbono será relativamente pequeno. Por outro lado, sabemos que haverá certo
crescimento da população nos EUA e no Canadá. O efeito disso sobre a emissão de
dióxido de carbono será muito maior porque o nível de consumo per capita de
dióxido de carbono é grande nesses países. Mas, a longo prazo, o crescimento
populacional terá um impacto porque os países que apresentam um baixo nível de
consumo e emissão de dióxido de carbono não ficarão eternamente nessa situação.
Haverá um impacto enorme se todos os chineses tiverem um carro, como têm os americanos.
Na edição passada
entrevistamos o ambientalista Lester Brown, que mencionou a subida drástica dos
preços dos grãos e a dificuldade dos países importadores de se manter contando
só com o mercado. Daí que China, Arábia Saudita e Coreia do Sul começaram a
comprar ou arrendar terra em outros países, particularmente na África, para
produzir alimentos para si próprios. O senhor está em Nairóbi. Essa discussão
chegou até aí?
Existe um conceito, que provavelmente Lester Brown
mencionou, que é a ideia de que alguns países na realidade possuem uma área de
influência muito maior do que a área física que ocupam no globo. O país de que
sempre se lembram nesse contexto é o meu, a Holanda. É uma nação pequena, tem
16 milhões de habitantes dentro de uma área que corresponde ao Estado da
Paraíba. Mas, pelo fato de participar de intenso comércio internacional, a área
do planeta que ocupa é muito maior. Então, quando as pessoas argumentam que
toda a população mundial poderia se sustentar com a mesma densidade demográfica
da Holanda, esquecem que na realidade a densidade da Holanda pode ser alta
porque ela indiretamente se apropria de uma terra muito maior do que a que
ocupa. O argumento de que existem países de alta densidade demográfica sem que
isso signifique um problema não se sustenta. Não seria possível que todos os
países do mundo tivessem uma densidade demográfica tão alta.
Como se comportarão os
países diante dos processos migratórios? As sociedades serão mais xenófobas ou
tolerantes?
A contradição vai se acentuar. Um exemplo? A
situação da Espanha. Se existe ali um desemprego juvenil muito elevado, de 40%,
ao mesmo tempo há uma afluência de jovens latino-americanos para pegar os
empregos que os espanhóis não querem. Objetivamente, eles não estão roubando o espaço
dos espanhóis, mas as coisas nem sempre são percebidas dessa forma. As pessoas
veem que há cada vez mais estrangeiros trabalhando no país, então têm uma
reação contrária às vezes irracional. Isso também se vê nos EUA com relação aos
mexicanos. Certamente haverá uma barreira de xenofobia, mas qual dos lados vai
ganhar não está tão claro assim.
Um dado divulgado pela
ONU é que 214 milhões de pessoas estarão vivendo fora de seus países de origem.
Parece que o lado dos estrangeiros tende a ganhar...
Esse número é real e ainda vai aumentar. Eu dizia
que cheguei de uma reunião na Armênia onde havia pessoas estudando a região.
Num país como o Tajiquistão, existem tantos cidadãos morando fora que mais ou
menos 30% do PIB daquele país é dos migrantes que mandam dinheiro para
familiares. E temos casos na América Latina que se aproximam disso. Uma parcela
significativa do PIB da Nicarágua, 15%, 20%, corresponde a remessas de
migrantes.
O Brasil vai se tornar
cada vez mais um polo de atração nesse processo?
Apesar da migração de bolivianos, o Brasil ainda
não é um polo de atração muito forte. Mas daqui a uma ou duas décadas tende a
ser. A Costa Rica tem uma migração muito significativa de nicaraguenses, o
México recebe gente da Guatemala, de Honduras. Claro que muitos desses
migrantes passam pelo México para ir para os EUA, mas muitos ficam.
O senhor tem uma pesquisa
sobre o movimento migratório brasileiro na última década, mostrando como
nordestinos ainda jovens têm voltado para a cidade de origem. Há um movimento
interno semelhante acontecendo em outros países?
Aquele movimento migratório que ia do Nordeste para
o Sudeste realmente se reverteu, não porque hoje haja mais empregos no
Nordeste, mas por causa de uma infraestrutura melhor que aquela de 20, 30 anos
atrás. Se está acontecendo em outros países? Logo depois da queda do Muro de
Berlim, em 1989, muita gente saiu da Polônia, da Romênia, da Bulgária, da
Geórgia e da Armênia para ir para o oeste. Atualmente essa situação está um
pouco diferente. Agora é uma migração entre países da mesma região. Por
exemplo, muita gente está saindo de países como Tajiquistão, Turcomenistão ou
países da Ásia Central em direção à Rússia.
Apesar do autoritarismo
russo com relação às minorias?
Sim, assim como houve uma tendência de migração da
Europa e da Ásia Central para a China. Lembro o fenômeno das garçonetes russas
nos restaurantes chineses. Quando as pressões econômicas são suficientemente
fortes, as pessoas se dispõem a sofrer certas privações do ponto de vista
social e político se com isso percebem a possibilidade de melhorar seu status a
longo prazo. Lidamos com isso muito mais facilmente, principalmente quando se
trata de uma situação temporária.