MORRIS KACHANI – de A FOLHA DE SÃO
PAULO
Embalado por "Sunday Bloody
Sunday", do U2, padre Marcelo corria a 9 km/hora na esteira de sua casa em
29 de abril do ano passado quando deu um passo em falso e se acidentou. Foi uma
lesão séria no tornozelo. "Chorei uma semana inteira. Até pensei que foi
por inveja", diz. Três dias antes ele havia sido convidado para uma
palestra particular com o papa Bento 16 no Vaticano. Quando o papa passou pelo
Brasil, os dois mal se conheceram --muito por conta da má-fé dos organizadores,
segundo o padre Marcelo. Entre fazer uma cirurgia --e não ir a Roma- ou tentar
a recuperação com medicação pesada, o padre optou pelo segundo caminho. Inchou
12 quilos, desafiou o estômago, mas visitou o papa.
A vida na cadeira de rodas lhe trouxe
uma nova perspectiva. "Fiquei com princípio de depressão. Primeiro eu
tentei jogar Playstation `pra' passar o tempo, mas desisti. Busquei escrever, o
que jamais faria porque sou muito agitado." Assim nasceu o livro “Ágape", espécie de diário
escrito em dois meses, e que em 13 vendeu 6 milhões de cópias a R$ 19,90
segundo Mauro Palermo, diretor da editora Globo, responsável pelo título. Editores
de best-sellers ouvidos pela Folha acreditam
que nenhum livro lançado no país atingiu esse número em um período tão curto. "O
livro traz uma linguagem de fácil compreensão, situações do cotidiano e
sugestões de orações. É quase um manual de instruções assinado por uma figura
carismática", diz Palermo. O padre usa o livro na missa dominical
transmitida ao vivo pela TV Globo e no programa matinal diário que mantém na
rádio Globo AM. A turnê por 42 cidades do país também ajudou. Padre Marcelo
contabiliza 400 mil dedicatórias nesses eventos.
Considera que metade de seu público é
da emergente classe C. O valor dos royalties ele não divulga --diz que ganhou
"milhões e milhões". Mas é consenso no mercado de que menos do que
10% a 15% do valor de capa --ou seja, de R$ 12 milhões a R$ 18 milhões--
certamente não foi. Todo esse dinheiro de acordo com o padre é revertido para a
construção de um santuário com capacidade para 100 mil pessoas, que está sendo
erguido em Interlagos. "São milhões que poderiam ficar comigo, mas é o
sonho de minha vida", afirma.
ELEFANTE BRANCO
"O livro foi fundamental nesse sentido. Imagine o
Itaquerão, veja o preço que é a obra. Somente nosso terreno valeu R$ 6 milhões,
hoje vale R$ 40 milhões". E afirma: "Nossa atividade não pode mesmo
ser tributada. Só nos custos de manutenção você teria um elefante branco".
O santuário ocupa 6.000 m² de área construída e 25 mil de externa. Será o maior
templo da Igreja Católica no Brasil, superando Aparecida. Só de vagas de
estacionamento, haverá 5.000. O projeto prevê uma cripta embaixo do altar, onde
o padre pretende ser sepultado (com seus companheiros de diocese).
A inauguração está prevista para dezembro, quando cerca de
60% da obra estiver concluída. Até lá, padre Marcelo trabalha duro na
divulgação do novo CD, que acaba de ser lançado com 430 mil cópias pela
gravadora Sony. O CD consiste em uma extensão do livro e por isso leva o mesmo
título. "É um CD contemplativo. Você o coloca para tocar e ele leva você
ao ágape, que em grego antigo significa amor divino", diz. Mais de 30
músicas foram testadas no "fantástico laboratório humano" (sic) de
sua missa semanal para 60 mil pessoas. "Pretendo atingir os `católicos à
toa'", diz.
Sobre a pirataria, o padre é direto: "Piratear é
crime. E crime é pecado. É por isso que as gravadoras investem no gospel,
porque ninguém vai comprar pirata". Recentemente, padre Marcelo
acidentou-se novamente na esteira. Quase teve que operar o menisco. No momento
usa bengala. Não se sabe se Deus lhe concederá a graça de escrever "Ágape
2".