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Poucas & Boas nº 110: Onde está a mudança?

Contestando gurus educacionais

                                                        Landisvalth Lima
Inger Enkvist: "É preciso esforço para aprender" (foto:Jonas Andersson)
Sempre fui um contestador de modismos. Nem sempre o aceito, o predominante é bom para a sociedade. Nunca entraram em minha cachola certas ideias ou teorias do mundo educacional. Essa mania nossa de que tudo que é velho é ultrapassado não é verdade, assim como imaginar que tudo que é moderno é exemplar e necessário. Li uma postagem lincada pelo advogado e professor Gildson Gomes no grupo feicebuqueano Pensamento Pós-Colonialista. Trata-se da opinião da educadora sueca Inger Enkvist, em reportagem do jornal espanhol El País. Diz lá que, enquanto a maioria dos gurus educacionais defende acabar com as fileiras de carteiras escolares, os formatos convencionais de aula e dar mais liberdade aos alunos dentro da classe, Enkvist, ex-assessora do Ministério de Educação da Suécia, acredita que é preciso recuperar a disciplina e a autoridade dos docentes na sala de aula. “As crianças têm que desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho e para isso necessitam que um adulto as oriente. Aprender requer esforço e, quando se deixa os alunos escolherem, simplesmente não acontece.”
Estes gurus da nova pedagogia, e não quero aqui citar nomes, estão ajudando a enterrar a nossa educação. No meu livro publicado em formato digital pela Amazon.com.br, Patologias educacionais do semiárido baiano, retrato as dez doenças que estão colocando nossa escola pública no subsolo do subdesenvolvimento. Sei que alguns leitores vão me condenar ao quinto dos infernos. Ouso dizer no livro que nosso problema maior não são apenas os baixos salários, a falta de estrutura e o descaso das autoridades com a respublica. Encontrei na catedrática de Espanhol da Univesidade Lund (Suécia) algumas verdades ditas no meu livro. Enkvist aponta a falta de motivação por parte do professorado e a necessidade de reformulação dos graus de professor em Educação Infantil e Primário – correspondente aos anos de ensino fundamental no Brasil – para tentar atrair os melhores estudantes. Para ela, a nova pedagogia promove a antiescola. “As escolas foram criadas com o objetivo de que os alunos aprendessem o que a sociedade havia decidido que era útil. Qual é o propósito da escola se o estudante decide o que quer fazer? Essas correntes querem enfatizar ao máximo a liberdade do aluno, quando o que ele necessita é de um ensino sistemático e bem estruturado, sobretudo se levamos em conta os problemas de distração das crianças. Se não se aprende a ser organizado e a aceitar a autoridade do professor no ensino fundamental, é difícil que se consiga isso mais tarde. O aluno nem sempre vai estar motivado para aprender. É preciso esforço.”
Na entrevista, é perguntado a ela por que questiona a crença de que todas as crianças querem aprender e, portanto, é uma boa opção deixar que tomem a iniciativa e aprendam sozinhos. Ela dá uma resposta certeira e afirma que nunca foi assim. “É uma ideia romântica que vem de Rousseau: dar como certo que o ser humano é inocente, bem-intencionado e bom. Uma criança pode concentrar-se em uma tarefa por iniciativa própria, mas normalmente será numa brincadeira. Aprender a ler e escrever ou matemática básica requer trabalho e ninguém se sente chamado a dedicar um esforço tão grande a assimilar uma matéria tão complicada. É preciso haver apoio, estímulo e algum tipo de recompensa, como o sorriso de um professor ou os cumprimentos dos pais.” Na mosca!
Em seguida, El País pergunta o que se deveria recuperar do antigo modelo de educação. Enkvist diz que o primeiro é ter claro que o professor organiza o trabalho da classe, ou seja, é o profissional quem decide o que fazer para que aquelas crianças aprendam. Exatamente como um médico faz ao decidir o remédio a ser prescrito. A nova pedagogia quer decidir pelo professor e até determinar o que vale ponto, qual a avaliação adequada. Querem tirar do professor o seu poder de decisão. “ Se os alunos planejam seu próprio trabalho, é muito complicado que obtenham bons resultados, e isso desmotiva o professor, que não quer responsabilizar-se por algo que não funciona. Essas metodologias estão distanciando das salas de aula os professores mais competentes. Já não se considera benéfico que o adulto transmita seus conhecimentos aos alunos e se fomenta que os jovens se interessem pelas matérias seguindo seu próprio ritmo. Em um ambiente assim não é possível ensinar porque não existe a confiança necessária na figura do professor. Viver no imediato sem exigências é bem o contrário da boa educação.” Diz Enkvist.
Uma ótima resposta é dada quando é perguntado porque ela qualificou a autoaprendizagem como contraproducente e se ela não acha que é uma boa ideia lhes ensinar desde pequenos a tomar a iniciativa na aprendizagem. A resposta foi um primor. “Essa é a grande falácia da nova pedagogia. As crianças têm que aprender conteúdos, e não o chamado aprender a aprender. Não basta dizer aos alunos que devem tomar decisões. Não vão saber como fazer isso.” Sobre a utilidade dos exames, provas e avaliações, vistas por alguns como inúteis, Inger Enkvist disse que essa é a visão de alguém que não sabe como funciona o mundo das crianças. “Na vida adulta, todos temos prazos, momentos de entregar um texto, e isto se aprende na escola. Com os exames a criança aprende a se responsabilizar e entende que não comparecer a uma prova tem consequências: não será repetida para ele. Se não cumprimos nossas obrigações na vida adulta, logo nos veremos descartados dos ambientes profissionais. Os exames ajudam a desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho.” Afirma.
A educadora sueca diz também que considera que o momento atual da escola não permite que ninguém se destaque. É como se nós estivéssemos formando cabeças de vento. Diz ela que a escola não é neutra, nem todos vão aprender do mesmo modo. Nas classes há desequilíbrios enormes em um mesmo grupo, pode haver até seis anos de diferença intelectual entre os alunos. A escola deveria manter as crianças com diferentes capacidades juntas até os onze anos e, a partir daí, oferecer diferentes níveis para as matérias mais complexas. Isso é feito em algumas escolas públicas da Alemanha. Para os que não entendem, dou um exemplo. Imagine colocar em uma mesma classe 30 adultos com níveis socioculturais e interesses totalmente díspares e pretender que aprendam juntos. Isso é o que estamos pedindo a nossos filhos. Em menos de uma semana haveria uma rebelião.”. Para ela, sem conteúdo sistematizado, não é possível a criatividade. Segundo Inger, o mais simples é pensar em um músico de jazz. Parece que está improvisando, brincando. “Como pode fazer isso? Sabe 500 melodias de memória e usa pedaços dessas peças de forma elegante. Repetiu isso tantas vezes que parece que o faz sem esforço. A teoria é necessária para que surja a criatividade.” E para aqueles que acham ser inútil ensinar Machado de Assis, Platão ou Darwin, Inger Enkvist acerta mais uma vez e afirma que “Precisamos conhecer a situação de nosso país, saber de onde viemos.” Ao conhecê-los, temos uma melhor noção quando construirmos a nossa própria forma de ver o mundo. 
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