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Poucas & Boas nº 110: Onde está a mudança?

Afinal, o que é a tal da PEC 241\55?

Cansado de ver tanta baboseira na Internet sobre a PEC 241, que agora é PEC 55 no Senado, resolvi colocar uma série de textos informando ao leitor os prós e os contras da medida já aprovada pela Câmara dos Deputados, e que agora está em discussão no Senado. E tomei esta decisão porque estou assistindo até colegas professores, movidos muito mais pela ideologia de ser contra que pelo sano desejo de ver este país sair do caos em que se encontra, cometerem atos de vandalismo intelectual, incitando alunos ao absurdo da pregação da PEC como medida que tira direitos trabalhistas.
A medida vem causando muita polêmica por estabelecer um teto para o crescimento das despesas do governo federal e, assim, limitar os gastos durante 20 anos e alterar o financiamento da saúde e da educação no Brasil. Por um lado, a PEC é considerada necessária para reduzir a dívida pública do país - que está em 70% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas) - e tirar a economia da crise fiscal. Por outro, é vista como muito rígida e acusada por críticos de ameaçar direitos sociais.
Certo é que o debate está carregado do viés ideológico. Tem gente que é contra simplesmente por ser contra. Muitos nem leram a PEC. Outros são a favor por simplesmente serem contra o PT ou contra os esquerdistas. Vale dizer que é urgente uma medida que faça com que os governantes tenham responsabilidade com os gastos públicos. Os governos do Brasil gastam muito e gastam mal. Estão muito mais preocupados com a eleição que com a nação. A chamada esquerda também demostra que está mais preocupada em não deixar o governo crescer, para poder, quem sabe, voltar no futuro, que em fazer uma análise crítica para ajudar a corrigir os possíveis desvios de conduta. Estes interesses escusos não revelados acabam por ideologizar a visão sobre tudo o que se faz no Congresso e atrapalha um olhar correto sobre as ações.
Depois de pesquisar muito e ler sobre as questões postas, tomei posição clara e definida: A PEC 241\55 é a única medida do governo Temer que pode ser considerada benéfica para o país. E vou mais adiante: ela pode ser a responsável pelo estancamento da crise e início da recuperação do Brasil. Caso seja bem aplicada, esta PEC pode colocar o Brasil novamente em condição de destaque na economia mundial. O problema, é que ela também pode salvar o governo Temer que, até aqui, tem se mostrado uma continuação do governo do Partido dos Trabalhadores, e isso não é bom.
Nas postagens que se seguem, a partir de textos copilados da BBC Brasil e do UOL, detalharemos o que está em jogo com a aprovação do texto. A BBC Brasil ouviu economistas para explicar o que diz a proposta e quais são seus pontos mais debatidos. Antes, vamos colocar aqui na íntegra a PEC que está sendo discutida no Senado.

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal.
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 101. Fica instituído, para todos os Poderes da União e os órgãos federais com autonomia administrativa e financeira integrantes dos Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, o Novo Regime Fiscal, que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos
art. 102 a art. 105 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
“Art. 102. Será fixado, para cada exercício, limite individualizado para a despesa primária total do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, inclusive o Tribunal de Contas da União, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União.
§ 1º Nos Poderes e órgãos referidos no caput, estão compreendidos os órgãos e as entidades da administração pública federal direta e indireta, os fundos e as fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público e as empresas estatais dependentes.
§ 2º Os limites estabelecidos na forma do art. 51, caput, inciso IV, do art. 52, caput, inciso XIII, do art. 99, § 1º, do art. 127, § 3º, e do art. 134, § 3º, da Constituição, não poderão ser superiores aos fixados nos termos previstos neste artigo.
§ 3º Cada um dos limites a que se refere o caput equivalerá:
I - para o exercício de 2017, à despesa primária realizada no exercício de 2016, conforme disposto no § 8º, corrigida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de janeiro a dezembro de 2016; e
II - nos exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do IPCA, publicado pelo IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de janeiro a dezembro do exercício imediatamente anterior.
§ 4º Os limites a que se refere o inciso II do § 3º constarão na Lei de Diretrizes Orçamentárias dos respectivos exercícios.
§ 5º A variação do IPCA a que se refere o inciso II do § 3º será:
I - para fins de elaboração e aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei  Orçamentária Anual, a estimativa proposta pelo Poder Executivo, e suas atualizações; e
II - para fins de execução orçamentária, aquela acumulada no período de janeiro a dezembro do exercício anterior, procedendo-se o correspondente ajuste nos valores dos limites previstos neste artigo.
§ 6º Não se incluem nos limites previstos neste artigo:
I - transferências constitucionais estabelecidas pelos art. 20, § 1º, art. 157 a art. 159 e art. 212, § 6º, e as despesas referentes ao art. 21, caput, inciso XIV, todos da Constituição, e as complementações de que trata o art. 60, caput, inciso V, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
II - créditos extraordinários a que se refere o art. 167, § 3º, da Constituição;
III - despesas com a realização de eleições pela justiça eleitoral;
IV - outras transferências obrigatórias derivadas de lei que sejam apuradas em função de receita vinculadas; e
V - despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.
§ 7º O Presidente da República poderá propor ao Congresso Nacional, por meio de projeto de lei, vedada a adoção de Medida Provisória, alteração no método de correção dos limites a que se refere este artigo, para vigorar a partir do décimo exercício de vigência da Emenda Constitucional que instituiu o Novo Regime Fiscal.
§ 8º Para fins de verificação do cumprimento do limite de que trata o caput, será considerado o somatório das despesas que afetam o resultado primário no exercício, incluídos
os restos a pagar referentes às despesas primárias.”
“Art. 103. No caso de descumprimento do limite de que trata o caput do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, aplicam-se, no exercício seguinte, ao Poder ou ao órgão que descumpriu o limite, vedações:
I - à concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de servidores públicos, inclusive do previsto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição, exceto os derivados de sentença judicial ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da Emenda Constitucional que instituiu o Novo Regime
Fiscal;
II - à criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
III - à alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV - à admissão ou à contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos; e
V - à realização de concurso público.
Parágrafo único. Adicionalmente ao disposto no caput, no caso de descumprimento do limite de que trata o caput do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pelo Poder Executivo, no exercício seguinte:
I - a despesa nominal com subsídios e subvenções econômicas não poderá superar aquela realizada no exercício anterior; e
II - fica vedada a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.”
“Art. 104. A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 e o caput do art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art.
102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
“Art. 105. As vedações introduzidas pelo Novo Regime Fiscal não constituirão obrigação de pagamento futuro pela União ou direitos de outrem sobre o erário.”
Art. 2º Fica revogado o art. 2º da Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015.
Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

O que está escrito mesmo na PEC 241\55?

PEC já está no Senado
A PEC 241 fixa para os três poderes - além do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União - um limite anual de despesas. Segundo o texto, o teto será válido por vinte anos a partir de 2017 e consiste no valor gasto no ano anterior corrigido pela inflação acumulada nesses doze meses.
A inflação, medida pelo indicador IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), é a desvalorização do dinheiro, ou seja, o quanto ele perde poder de compra em determinado período.
Dessa forma, a despesa permitida em 2017 será a de 2016 mais a porcentagem que a inflação "tirou" da moeda naquele ano. Na prática, a PEC congela as despesas, porque o poder de compra do montante será sempre o mesmo.
Caso o teto não seja cumprido, há oito sanções que podem ser aplicadas ao governo, inclusive a proibição de aumento real para o salário mínimo. 
Mais do que colocar as contas em ordem, o objetivo da PEC, segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, seria reconquistar a confiança dos investidores. A aposta da equipe econômica é que a medida passe credibilidade e seja um fator importante para a volta dos investimentos no Brasil, favorecendo o crescimento.

A PEC 241\55 ameaça saúde e educação?

Será que a PEC prejudica a saúde?
Um dos principais questionamentos é que, ao congelar os gastos, o texto paralisa também os valores repassados às áreas de saúde e educação, além do aplicado em políticas sociais. Para esses setores, a regra começa a valer em 2018, usando o parâmetro de 2017.
A mudança foi incluída no relatório feito pelo deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator da proposta na comissão especial da Câmara.
Segundo os críticos, tais restrições prejudicariam a qualidade e o alcance da educação e da saúde no país. Hoje, os gastos com esses segmentos podem crescer todo ano. As despesas com saúde, por exemplo, receberam um tratamento diferenciado na Constituição de 1988, a fim de que ficassem protegidas das decisões de diferentes governos.
A regra que vale hoje é que uma porcentagem mínima (e progressiva) da Receita Corrente Líquida da União deve ir para a saúde. Essa porcentagem, de 13,2% neste ano, chegaria a 15% em 2020. Como a expectativa é de que a receita cresça, o valor repassado também aumentaria. No relatório da PEC, esses 15% foram adiantados para 2017 e então ficariam congelados pelo restante dos 20 anos.

Quem apoia e quem é contra a PEC 241\55?

Jolanda Battisti: conter a crise agora
Para o professor de economia da Unicamp Pedro Rossi, essas mudanças afetam sobretudo os mais pobres.
"A população pobre, que depende mais da seguridade social, da saúde, da educação, vai ser prejudicada. A PEC é o plano de desmonte do gasto social. Vamos ter que reduzir brutalmente os serviços sociais, o que vai jogar o Brasil numa permanente desigualdade", diz.
Rossi diz que a medida não faz parte de um sistema de ajuste fiscal, mas de um projeto de país no qual o governo banca menos as necessidades da população.
Para a professora da PUC-SP Cristina Helena de Mello, é inadequado colocar um teto para os gastos com saúde, porque não dá para prever como os atendimentos vão crescer.
"Você pode ter movimentos migratórios intensos, aumento da violência e das emergências, aumento dos nascimentos. Vai ter hospital superlotado, com dificuldade para atender."
Segundo a professora, com a PEC, o acesso das próximas gerações a esses serviços públicos fica comprometido. "Estamos prejudicando vidas inteiras."
No meio do caminho entre grupos contrários e favoráveis, a professora da FGV Jolanda Battisti diz que entende as posições críticas à PEC, mas pondera que é necessário escolher entre "dois males".
"Muitas pessoas nesse debate não enxergam o dilema real: se não contermos a crise agora, a inflação vai aumentar muito."
Ela diz que o país está à beira de uma crise fiscal. Se o governo não consegue aumentar a receita para pagar os juros de sua dívida nem cortar gastos, explica Battisti, ele precisa pressionar o Banco Central a imprimir mais dinheiro - e a inflação sobe.
De acordo com a professora, o tamanho do prejuízo na saúde e na educação vai depender de como os cortes serão feitos. Se eles atacarem a máquina burocrática, e não as escolas, podem ser menos danosos. O importante, diz, é preservar a ponta: a sala de aula.
O que preocupa Battisti é o perfil dos cortes propostos até agora pelo governo.
"Na minha percepção, os congelamentos que estão acontecendo atingem as transferências para a população, como o seguro-desemprego, e não os gastos correntes, como os salários de funcionários públicos. Isso é muito ruim, porque as pessoas precisam dessa garantia para pagar seus compromissos. É uma coisa que numa economia avançada seria impensável."
No entanto, há quem acredite que os cortes serão feitos da forma correta, melhorando a gestão dessas áreas.
O professor de Economia do Insper João Luiz Mascolo afirma que não é uma questão de quantidade de dinheiro, mas de colocá-lo no lugar certo. Para ele, não faltam recursos, falta boa administração.
O coro é engrossado pelo economista Raul Velloso, para quem "o Brasil sempre gasta mais do que precisa".
"A gente tem muita gordura no gasto. Se queimar essa gordura, está de bom tamanho. E estamos partindo de uma base que não é assim tão pequena. Numa situação tão complicada, crescer pela inflação, variável constante, não é uma coisa tão apertada."
Ele argumenta que, no relatório apresentado à comissão especial da Câmara, saúde e educação receberam um tratamento especial, com o teto valendo a partir de 2018. Isso daria uma "folga inicial" na aplicação da regra.
Mesmo se o dinheiro for insuficiente em algum ponto, Velloso e Mascolo dizem que valores podem ser retirados de outros setores para cobrir essas necessidades. Além disso, afirmam, o período de dez anos - depois do qual o presidente pode propor mudança no formato da correção - não seria assim tão longo.  
"As pessoas esquecem é que o gasto (afetado) é global. A mensagem central é que o gasto total da União não cresça mais do que a inflação. É uma tentativa de organizar as contas. Tem a possibilidade de alterar em dez anos. É um sinal de que vão conseguir retomar o controle da dívida em uma década".

Por que limitar gastos por 20 anos?

Cristina de Mello: longo prazo falacioso (Metrô News)
Outro ponto de discussão é a duração da PEC. Para uns, ela é uma medida muito rígida para durar tanto tempo, e deveria ser flexível para se adaptar às mudanças do país. Para outros, um período tão extenso passa a mensagem de que o Brasil está comprometido com o equilíbrio das contas.
A professora Cristina de Mello, da PUC-SP, faz parte do primeiro grupo. Ela diz que, se houver uma queda abrupta da arrecadação, por exemplo, a dívida aumentaria, porque os gastos serão congelados em um patamar alto.
Segundo Mello, o argumento de que uma medida de longo prazo passa mais credibilidade é falacioso. Isso porque, se antes do prazo de dez anos, o governo precisar mexer em alguma regra, a PEC gerará desconfiança.
"Se daqui a alguns anos, for necessário fazer um gasto maior e mudar o índice de inflação por outro mais confortável, vai haver descrença. Por que escolheram esse critério e não outro? Pode haver maquiagem de dados."
Após a aprovação em primeiro turno na Câmara, o presidente Michel Temer disse, em entrevista à Globonews, que o prazo poderá ser revisto em "quatro, cinco ou seis anos", a depender da situação do país.
"Fixamos 20 anos, que é um longo prazo, com revisão em dez anos. Mas eu pergunto: não se pode daqui quatro, cinco, seis anos; de repente o Brasil cresce, aumenta a arrecadação e pode se modificar isso? Pode. Propõe uma nova emenda constitucional que reduz o prazo de dez anos para quatro, cinco", disse Temer.
O economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento (governo Sarney) aposta na revisão desse período do futuro. 
"Se chegarmos à conclusão de que é muito longo e a dívida já diminuiu, revemos. Mas agora estamos numa crise muito séria, não podemos arriscar. É um tiro só."

A PEC 241\55 é antidemocrática?

A democracia é uma forma de manipulação?
Ao tirar o Congresso dessas decisões, o professor Pedro Rossi, da Unicamp, considera a medida antidemocrática. "O Congresso não vai poder moldar o tamanho do orçamento. Por consequência, a sociedade também não."
Cristina de Mello avalia que o texto pode ser também uma estratégia para não ter que aprovar o orçamento no Congresso todos os anos, como acontece hoje.
"Imagina se tiver uma catástrofe, uma epidemia de zika, que vai exigir gastos maiores. A sociedade vai pressionar o governo e ele vai se resguardar no teto, podendo cortar outras coisas. É uma estratégia de negociação."
Holandesa, a professora da FGV Jolanda Battisti diz que o teto é uma referência de inovação e é aplicado em países como Holanda, Finlândia e Suécia.
No entanto, pondera, lá tem um prazo de três ou quatro anos que é discutido nos ciclos eleitorais, promovendo debates frequentes sobre as contas públicas.
Para ela, o governo está "comprando tempo" para colocar a dívida sob controle. Um plano de longa duração, afirma, substitui ações mais drásticas, como aumentar impostos ou cortar despesas imediatamente, o que poderia agravar o desemprego.
O professor do Insper João Luiz Mascolo argumenta que vai levar alguns anos para que alcancemos o superávit primário (dinheiro que sobra nas contas do governo e serve para pagar os juros da dívida). Hoje, temos déficit primário, ou seja, não sobra dinheiro. 
"Ainda vamos ter um pico antes da dívida começar a cair. Por isso a PEC é longa, tem uma inércia nessa conta. Ela não vai trazer o déficit para zero em um ano."

Sem a PEC 241\55 teríamos outra saída?

Mascolo: governo ataca as despesas
A necessidade do Brasil de arrecadar mais do que gasta é um consenso entre os economistas. Mas ele discordam sobre a melhor forma de fazê-lo. O teto de 20 anos é a melhor escolha?
Para Mascolo, do Insper, sim. Ele diz que já era hora de focar nos gastos do governo. Antes, a situação fiscal era analisada pelo superávit primário (o quanto sobra nas contas para pagar os juros da dívida). Quanto maior o resultado do superávit, melhor a situação fiscal.
"Finalmente o governo decidiu atacar as despesas. A receita fica em aberto, mas a premissa é que a economia vai crescer e você vai arrecadar mais."
Outra opção à PEC, segundo a professora Cristina de Mello, seria reduzir as despesas com juros, que em 2015 ficaram em R$ 367 bilhões. O número é o mais alto da série histórica da Secretaria do Tesouro Nacional, iniciada em 2004.
Os juros são pagos para as pessoas que compram títulos públicos, uma forma de investimento que serve para o governo arrecadar dinheiro. Quando alguém compra um título, esse valor foi para o governo. Em contrapartida, depois de um tempo, ele paga juros a essa pessoa, o que representa o rendimento do papel.
"Esse gasto não está na PEC. A Alemanha, por exemplo, tem uma dívida muito alta e o esforço que fizeram foi diminuir as despesas com os juros, não com o bem-estar social."
Para Pedro Rossi, da Unicamp, o aumento dos impostos seria uma forma de aumentar a arrecadação e melhorar as contas. Ele diz que as grandes fortunas não são taxadas e, com a PEC, essa discussão se perde. Rossi nega o argumento de que não haveria um clima favorável para abordar a alta de impostos.
"Há um travamento do debate de maneira autoritária. Você tem ambiente político para destruir gasto social, mas não dá para rever carga tributária?"

A carta da APLB à comunidade

Numa rede social, li uma carta da APLB-Sindicato endereçada aos pais, mães e alunos. O texto é um primor de equívocos, revelando o sindicato como um difusor de ideologias que em nada beneficiam a comunidade escolar. Primeiro chama o governo Temer de Ilegítimo. Aí já mostra o nível rasteiro da carta. Temer, todos sabem, era vice de Dilma. Dilma era ilegítima? Ela e Temer foram eleitos por 54 milhões de votos. Como é ilegítimo? A não ser que a APLB esteja se referindo aos milhões da Petrobrás, usados indevidamente para a manutenção da coligação PT/PMDB no poder. Mas aí é esperar demais.
A carta continua sua relação de maldades do “golpista Temer”. Informa que a PEC 241 é a garantia de “pagamento da dívida pública aos especuladores nacionais e estrangeiros”. Pior, ainda diz que o governo “pretende privatizar vários setores da economia e ainda cortar vários direitos dos trabalhadores” e estabelecer a idade da aposentadoria em 65 anos. Chega a dizer que o trabalhador vai morrer e não se aposenta. Seria trágico se não fosse cômico. Interessante é que não diz como poderíamos fazer para melhorar a situação.
A melhor parte do texto é interessante. A carta questiona por que Temer não deixa de pagar os juros das dívidas, não taxa os impostos para os que são ricos? A APLB se esquece de perguntar também por que o PT não fez isso quando passou 13 anos no poder. Também a carta questiona o que ainda não foi feito: o corte de programas sociais. Tudo isso para justificar o Dia nacional de paralisação, neste 11 de novembro. 
Lamentável ver o sindicato dos professores da Bahia em um papel tão lastimável, mais próximo do peleguismo que da luta pela classe. Pior é saber que muitos aproveitarão a paralisação para descansar do fastio da luta quase inglória de ser professor da rede estadual da Bahia, descanso mais que merecido. Estamos longe, muito longe mesmo, do sindicalismo de representação dos interesses dos associados. Nossos sindicatos, com raras exceções, estão a serviço de ideologias ultrapassadas e carcomidas pelo viés dos interesses de grupos estranhos à causa da educação.

Marília de Dirceu

VIII - Poucas & Boas

Jacozinho dá show de bola na Praia do Francês - AL (foto: Landisvalth Lima)
     Jacozinho
Ele vive a vida equilibrando uma bola na cabeça. Corre entre as barracas da Praia do Francês, em Marechal Deodoro, Alagoas, mostrando toda habilidade que tem com a redonda. O nome dele é Jacozinho, estrela alagoana na arte do domínio da bola. Perguntado por que não virou jogador de futebol, disse que trabalhava nas usinas e não tinha tempo de tentar a vida como profissional da bola. Como é possível viver disso? Por que não se inscreve num desses quadros da TV, como o Domingão do Faustão? Ele responde que já fez isso e está aguardando ser chamado. Enquanto isso, vai equilibrando sua bola e recebendo 1, 2, 5, 10 reais. “Dá para ir vivendo enquanto tenho saúde.”. E lá vai Jacozinho com a bola na cabeça rebolando e arrancando sorrisos.
Oportunidade de ouro
Um empresário está se queixando que ficou menos rico nestas eleições. Gastou 750 mil reais em determinado candidato e perdeu a peleja. Para minorar seu sofrimento, está vendendo uma fazenda de 300 tarefas por 300 mil reais. Na próxima eleição, caso o leitor queira se candidatar, procure-o. Não precisa ser sério, ter caráter, ser bom administrador, ter um bom discurso, ética e boas intenções. Nem mesmo se preocupe em ter um bom programa para a cidade. Basta oferecer a garantia de que o dinheiro investido será reembolsado, acrescido do que o empresário perdeu nas duas últimas eleições. Ah! Não se esqueça dos juros!
Leis de papel
O texto anterior mostra a falácia da Lei Eleitoral. Gastam fortunas debaixo dos nossos narizes e ainda me vem a Justiça dizer que o gasto maior permitido é de 108 mil para prefeito e 10 mil para vereador. Observe que um só apoiador gastou 750 mil paus. Se juntássemos todos os candidatos da coligação apoiada por ele, o gasto maior seria de 188 mil. É o país do faz-de-conta e parece que demoraremos algum tempo para acabar com isso. E ainda tem gente que diz que estamos numa plena democracia. É para rir!
Desafio
O prefeito eleito de Poço Verde, Iggor Oliveira, já está se movimentando para tentar colocar o município em ordem. O novo alcaide, que toma posse em janeiro de 2017, quer entrar com o pé direito. E sua vida não será fácil. Receberá uma prefeitura aos pedaços, uma verdadeira herança maldita. Primeiro desafio será colocar a casa em ordem, pagar fornecedores e regularizar a folha de pagamento dos funcionários. Só depois pensará em investimentos. Mas, caso consiga regularizar tudo, Iggor deixará para trás a desconfiança de seguir os rastros do pai.
Velho estilo
Um prefeito reeleito de nossa região deu a senha para se saber como ele consegue confirmar os números das pesquisas, todas elas favoráveis ao seu nome. “Eu atendo os meus vereadores e candidatos. Eleito, vou precisar da confiança deles. Não adianta só fazer o meu nome. Sem apoio dos vereadores, prefeito não vai para terra nenhuma. Veja se algum pulou para o outro lado? Até quando eu não posso fazer o que o vereador quer, vou com ele mostrar porque não posso. A relação minha com o candidato ou vereador é de perfeita interação.” E ainda confessou: “Não publique isso nem o meu nome, mas até quando negociamos com uma família, o nome do vereador daquela região é colocado no negócio.” Venceu com uma margem significativa e ainda fez a maioria esmagadora da Câmara Municipal. Quanto aos adversários, foi taxativo: “Só tem direito ao que é de direito, mesmo assim faço de cara feia!”. Quem se lembra deste velho estilo?
Os vices
Depois que ficaram claras as intenções malévolas do futuro vice-prefeito do prefeito Ildinho, alguns seguem comparando o atual vice com o futuro. Mesmo sabendo que os dois romperam com Ildinho, acreditamos que o prefeito deve sentir muitas saudades do atual vice. Pelo menos, na campanha, Gama Neves foi um braço direito. Zé do Sertão arranjou problemas antes mesmo do começo do processo, e até hoje ainda é uma ameaça. Ildinho não está feliz com a situação, mas segue cuidando de sua saúde. O seu índice glicêmico está em 89. Muito bom.
Cinco minutos
A sessão plenária da Câmara Municipal de Heliópolis, realizada na última segunda-feira (07), foi a mais rápida dos últimos tempos. Durou apenas cinco minutos. O vereador Claudivan, vice-presidente, abriu a sessão, promoveu a leitura da ata e encerrou a reunião. Faltaram Giomar Evangelista, Doriedson Oliveira, José Mendonça e Valdelício de Gabriel. Nada de votação da Lei Orçamentária de 2017.
Caindo fora
Embora ainda tenha na Bahia os melhores índices de apoio popular, o Partido dos Trabalhadores está sendo esvaziado. Fala-se até que o governador Rui Costa está mudando de sigla partidária. Tem gente que jura que ele vai para o PDT. Também, para evitar uma queda esmagadora na câmara dos deputados, como a que ocorreu nas prefeituras, deve lançar grandes nomes como candidatos a federal. Um dos prováveis é o ex-governador Jaques Wagner. É bom lembrar que o PT tinha 638 prefeituras, agora tem pouco mais de 200. Na câmara, PT, PSOL e PCdoB têm 89 deputados. A previsão é que não façam metade disso nas próximas eleições.
Barbárie
Um filho mata a mãe em Cícero Dantas, dois mortos em menos de uma semana em Poço Verde, dois palhaços invadem uma revendedora de motos em Lagarto e executam um funcionário... São incontáveis as execuções em nossa região. Vivemos a época da barbárie. Estatísticas mostram que a vida no Brasil perdeu o valor. São 70 mil assassinatos por ano, muito mais do que matam na Síria. É uma guerra silenciosa. Enquanto isso, alguns grupos insistem em priorizar a luta dos homossexuais, trans e outras vocações como bandeira número um do Brasil.

Moro diz ao Estadão que não será candidato

"O ideal seria, realmente, restringir o foro privilegiado, limitar a um número menor de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes." A proposta é do juiz federal Sérgio Moro, titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, responsável pelos julgamentos da Operação Lava Jato em primeira instância.
O Juiz Sérgio Moro rompe silêncio e dá entrevista (© Ricardo Brandt/Estadão)
Aos 44 anos, personificação da maior operação contra a corrupção, desvios e cartel na Petrobrás, ele decidiu dar sua primeira entrevista como juiz da Lava Jato, deflagrada em março de 2014.
Na manhã fria de quinta-feira, Moro recebeu o jornal Estado de São Paulo às 10h10 em seu gabinete, no fim do corredor do segundo andar do edifício-sede da Justiça Federal no Bairro Ahú, na capital paranaense. A temperatura era de 12°C, e o céu estava carrancudo. O espaço onde o juiz trabalha é amplo, ornado por pilhas e pilhas de processos que lhe dão uma aparência caótica. A papelada se espalha sobre e sob a mesa. Ali, ele se mantém fiel a uma rotina que segue há 20 anos, desde que ingressou na magistratura e vestiu a toga pela primeira vez.
No gabinete, há um ambiente reservado para visitas, dois sofás e uma cadeira. A cadeira é Moro quem ocupa. Sobre uma mesinha, uma jarra de vidro com água fresca. É tudo o que ele oferece. Há algum tempo cortou o café. "Sinto pela precariedade", disse.
Em uma hora de conversa, Moro apontou problemas na proposta da Lei de Abuso de Autoridade, defendida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), falou sobre o escândalo na Petrobrás, alertou para o "risco à independência da magistratura" e defendeu o envolvimento do Congresso no combate à corrupção e a importância de se criminalizar o caixa 2.
Acusado pelo PT de ser um algoz do partido, o juiz afirmou que "processo é questão de prova" e acha "errado tentar medir a Justiça por essa régua ideológica". Sobre atuação político-partidária avisa que não será candidato: "Não existe jamais esse risco".

O que mais chocou o senhor na Operação Lava Jato?

A própria dimensão dos fatos. Considerando os casos já julgados aqui, o que nós vimos foi um caso de corrupção sistêmica, corrupção como uma espécie de regra do jogo. O que mais me chamou a atenção talvez tenha sido uma quase naturalização da prática da corrupção. Empresários pagavam como uma prática habitual e agentes públicos recebiam como se fosse algo também natural. Isso foi bastante perturbador. (Chamou a atenção) Também a constatação, e aí me refiro a casos que já foram julgados, de que algumas pessoas que haviam sido condenadas na ação penal 470 (mensalão no Supremo Tribunal Federal) persistiam recebendo propinas nesse outro esquema criminoso na Petrobrás. Foi uma coisa bastante perturbadora.

Mesmo depois de deflagrada a Lava Jato, o esquema continuou por alguns meses?

Houve situações constatadas de pessoas recebendo propina em fase adiantada (da Lava Jato). Um dos casos que chamou muito a atenção, um caso já julgado, por isso posso afirmar mais livremente, de um pagamento de propina a um membro da CPMI da Petrobrás, instalada em 2014. Então, se instalou uma comissão parlamentar de inquérito para apurar os fatos e, depois, se constatou que o vice-presidente da comissão solicitou e recebeu propina dos investigados. Por isso tenho dito: precisa aplicar remédios amargos. A Justiça precisa ser efetiva para demonstrar que essa prática não é tolerada.

O senhor defende a extinção do foro privilegiado?

O Supremo tem cumprido um papel muito importante na Operação Lava Jato. Longe de mim querer avaliar o trabalho do Supremo, mas acho que o ministro Teori Zavascki tem feito um trabalho intenso, muito importante e relevante. Mas existem alguns problemas estruturais: saber se o Supremo tem a capacidade, a estrutura suficiente, para atuar em tantos casos criminais. Tem o Supremo condições de enfrentar toda essa gama de casos? Não que o Supremo não seja eficiente, mas é um número limitado de juízes e é uma estrutura mais limitada. O Supremo não tem só esse trabalho à frente, tem todos casos constitucionais relevantes e não pode se transformar simplesmente em uma Corte criminal. O ideal seria realmente restringir o foro privilegiado, limitar a um número menor de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes e retirar esse privilégio, essa prerrogativa, de um bom número de autoridades hoje contempladas. Acho que seria a melhor solução.

Com o início de um maior volume de processos em instrução no Supremo, que tem um ritmo mais lento, há um risco para a imagem da Lava Jato?

Importante destacar que o foro privilegiado não é sinônimo de impunidade. O trabalho que tem sido feito lá (no Supremo) merece todos elogios. Acredito que vá haver um esforço para que isso seja julgado dentro de um prazo razoável. Isso não nos impede de discutir a questão, isso não tem nenhum demérito ao Supremo, discutir se é conveniente que essas ações remanesçam, essa quantidade de pessoas com foro privilegiado, na forma como estão. Isso gera impacto na pauta de julgamento do Supremo.

No início do ano o senhor foi à Câmara dos Deputados falar do projeto das 10 Medidas contra a Corrupção e disse que via com bons olhos aquele momento. Passados oito meses, o senhor vê a instituição em sintonia com a voz das ruas?

Um fato que é bem interessante é que a instituição que mais respondeu a esses anseios foi, até o momento, o Poder Judiciário. Não estou dizendo aqui da 13.ª Vara (Federal, em Curitiba), mas o Poder Judiciário em geral. Não temos visto iniciativas tão significativas por parte dos outros Poderes. Nessa linha, a discussão atual, a constituição dessa comissão para discutir o projeto das dez medidas, é algo assim que nos dá esperança de que também o Congresso vai acompanhar essa percepção de que é necessário mudar.

Da forma como foi encaminhado, o projeto de Lei de Abuso de Autoridade preocupa?

Há dois problemas: uma questão do momento, que é um momento um pouco estranho para se discutir esse tema, e o problema da redação do projeto. Por exemplo, a previsão de algo como "promover a ação penal sem justa causa". Bem, qualquer ação penal tem de ter justa causa. O problema é que direito não é propriamente matemática. Pessoas razoáveis podem divergir se está presente ou não a justa causa para oferecer uma ação penal. O que isso vai significar na prática? O Ministério Público, por exemplo, oferece uma denúncia afirmando que tem justa causa, isso vai a juízo, o juiz tem de receber ou não a denúncia, se entender que é justa causa, e eventualmente o juiz pode discordar - "ah... não tem justa causa" - e rejeitar a denúncia. Pela redação do projeto, em princípio, isso possibilitaria que o denunciado entrasse com uma ação penal por abuso de autoridade contra o procurador, ou o promotor. Vamos supor: o juiz decreta uma prisão e, eventualmente, essa prisão é revogada, não porque o juiz abusou, mas porque o juiz errou na interpretação da lei. Isso de sujeitar o juiz a um processo criminal é o que a gente chama de crime de hermenêutica. Vai colocar autoridades encarregadas da aplicação da lei, juízes, polícia e Ministério Público numa situação em que possivelmente podem sofrer acusações, não por terem agido abusivamente, mas, sim, porque adotaram uma interpretação que eventualmente não prevaleceu nas instâncias recursais ou superiores.

Querem intimidar?

No momento (da propositura) do projeto e com essa redação, se pretenderem aprovar e não colocarem salvaguardas à possibilidade de crime de hermenêutica, vai ter esse efeito.

O senhor se sentiria inseguro de enfrentar uma nova Lava Jato caso seja aprovado o projeto com o texto atual?

Tem de se deixar claro na lei que a interpretação do juiz ou do Ministério Público ou do agente policial não significa prática de crime de abuso de autoridade. O projeto não garante isso.

O que tem de mudar no projeto?

A redação do projeto teria de ser muito melhorada para evitar esse tipo de risco. Porque esse risco vai afetar a independência da atuação, não só do juiz de primeira instância, mas dos juízes de todas as instâncias, e do Ministério Público e da polícia.

Como vê a criminalização do caixa 2? Se passar, o que muda nas investigações sobre empreiteiras? Elas admitem repasses de propinas via caixa 2 disfarçadas de "doações eleitorais".

O assim chamado caixa 2, ou seja, o uso de recursos não declarados em campanhas eleitorais, já é criminalizado no artigo 350 do Código Eleitoral. No projeto 10 Medidas do Ministério Público Federal, há proposta para aprovação de uma redação melhor para esse crime. Seria um passo importante do Congresso. Se a lei exige que todos os recursos eleitorais devem ser declarados, e isso é uma regra básica de transparência, é isso que deve ser feito. No caso da Operação Lava Jato, o foco não tem sido propriamente no caixa 2 de campanhas eleitorais, mas no pagamento de propinas na forma de doações eleitorais registradas ou não registradas, ou seja, crime de corrupção. Então, embora a proposta represente aprimoramento da lei atual, não terá um impacto tão significativo nos processos. Sobre eventual proposta de anistia, creio que é prudente aguardar eventual formulação concreta antes de opinar. Seria impensável, porém, anistia de crimes de corrupção ou de lavagem.

O que fez a Lava Jato funcionar?

É difícil fazer uma avaliação do que foi diferente. Tem muito de circunstancial. Acho que os crimes, considerando os casos que já foram julgados, foram sendo descobertos, eles tinham uma grande dimensão. Isso gerou, na sociedade, uma expectativa de que as instituições funcionassem. Nós tivemos aí milhões de pessoas que saíram às ruas, protestando sobre várias coisas, mas protestando também contra a corrupção e dando apoio às investigações. Ao meu ver, isso é algo muito significativo. E situa de uma maneira muito clara esse enfrentamento da corrupção como uma conquista da democracia brasileira.

A Lava Jato vai acabar com a corrupção no Brasil?

Não, não existe uma salvação nacional, não existe um fato ou uma pessoa que vai salvar o País. Um caso, pela escala que ele tem, como esse da Lava Jato, pode auxiliar a melhorar a qualidade da nossa democracia.

Crítica recorrente das defesas é que há excesso de prisões. A Lava Jato prende para arrancar delações?

É uma questão interessante, até fiz um levantamento, temos hoje dez acusados presos preventivamente sem julgamento. Dez apenas. Não me parece que seja um número excessivo. Jamais se prende para obter confissões. Isso seria algo reprovável do ponto de vista jurídico. Sempre as prisões têm sido decretadas quando se entende que estão presentes os fundamentos das prisões. Quando se vai olhar mais de perto os motivos das prisões, se percebe que todas estão fundamentadas. Pode até se discordar da decisão do juiz, mas estão todas fundamentadas. Estamos seguindo estritamente o que a lei prevê.

O senhor teme pelo futuro do Brasil numa eventual delação do deputado cassado Eduardo Cunha?

Sobre esse caso do ex-presidente da Câmara, como é um caso pendente, eu não tenho condições de fazer nenhum tipo de afirmação. Mas não se deve ter receio de qualquer problema dessa espécie em relação ao Brasil. O País já enfrentou desafios grandes no passado. O problema da corrupção é mais um problema a ser vencido pela democracia brasileira.

Alguma delação ou processo criminal tem o poder de parar o País?

Não, não acredito nisso. O que traz instabilidade é a corrupção e não o enfrentamento da corrupção. O problema não está na cura, mas, sim, na doença. O Brasil pode se orgulhar de estar, dentro da lei, enfrentando seriamente a corrupção. A vergonha está na corrupção, não na aplicação da lei.

A Odebrecht está em negociação para fechar delação de mais de 50 executivos. Isso mostra que ela estava completamente envolvida com esse esquema?

O que eu posso dizer é o caso que eu já julguei, que envolvia executivos dessa empreita que teriam pago propinas milionárias em contas no exterior para executivos da Petrobrás. E, nessa linha, pelo menos naquele caso, aparentava ser uma prática sistêmica, não fato isolado dentro da vida da empresa. Mas o grande aspecto a ser ressaltado é como se sai disso. E as empresas brasileiras não tinham esse costume de reconhecer sua responsabilidade quando elas eram surpreendidas praticando crimes. Quem sabe algo tenha mudado com a Operação Lava Jato.

Deve haver um limite para o número de delações no processo?

A abordagem disso é muito pragmática. Primeiro, para qualquer colaboração precisa ter prova de corroboração, não se pode confiar somente na palavra do criminoso. Tem de ter prova independente, documentos, testemunhas, perícias, para poder dar valor probatório ao que diz um criminoso colaborador. Depois, existem outras regras, fazer um acordo com criminoso menor para chegar a um criminoso maior ou um grande criminoso para chegar a vários outros grandes criminosos. A abordagem desse problema é muito pragmática.

São mais de 30 partidos políticos no Brasil. Por que só ex-tesoureiros do PT estão presos?

Considerando os casos que já foram julgados, há uma afirmação de que a vantagem indevida, a propina que era paga nos contratos da Petrobrás, era dividida entre os agentes da estatal e os agentes políticos ou partidos políticos que davam suporte à permanência daqueles agentes da Petrobrás em seus cargos. Nessa perspectiva, quando isso foi de fato comprovado, é natural que apareçam nos processos exatamente aqueles agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo. Se havia uma divisão de propinas entre executivos da Petrobrás e agentes políticos que lhes davam sustentação, vão aparecer esses agentes que estavam nessa base aliada, como se dizia. Ainda assim, falando de ex-parlamentares que foram processados, casos que já foram julgados, têm ex-parlamentares do Partido Progressista, têm do Partido dos Trabalhadores, tem do PTB e tem do Solidariedade.

A Operação Lava Jato vai poupar PMDB e PSDB?

Processo é uma questão de prova. A atuação da Justiça, do Ministério Público e da polícia não tem esse viés político-partidário. O fato é que, contra quem tenha aparecido provas, tem sido tomadas as providências pertinentes.

Quais são as motivações do juiz Sérgio Moro? Muitos enxergam interesses político-partidários.

No fundo, o juiz está cumprindo o seu dever. Minhas reflexões têm por base os casos já julgados, considerando os casos já julgados. Este caso que em seu início parecia um caso criminal, não vou dizer trivial, mas se transformou em um caso que diz respeito à qualidade da nossa democracia. Porque esse nível de corrupção sistêmica compromete a própria qualidade da democracia. É um trabalho que se faz, eu acredito que leve, no futuro, talvez no presente, não sei, se já tenha levado em termos, mas também para o futuro, que melhore a qualidade da nossa democracia. Existem bons administradores públicos, existem bons agentes políticos, mas é importante que, constatado o comportamento criminoso, isso tenha resposta na Justiça com afastamento desses administradores públicos e agentes políticos desonestos. Acho que é um ganho para a democracia brasileira.

Uma pergunta que o País inteiro está fazendo: o senhor vai mandar prender o ex-presidente Lula?

Esse tipo de pergunta não é apropriado, porque a gente nunca fala de casos pendentes.

O senhor já votou no Lula?

É o tipo da resposta que eu não posso dar, porque acho que o mundo da Justiça e o mundo da política não devem se misturar.

O senhor se considera uma pessoa com ideologia mais de direita ou mais de esquerda?

Esses processos (da Lava Jato), ao meu ver, não têm nada a ver com questão nem político-partidário nem político-ideológica. Então, se a pessoa é culpada ou não, não importa se ela é de esquerda, se é de direita, se ela é de centro, tampouco importa se o juiz é de direita, se é de esquerda ou se é de centro. O juiz vai julgar com base na lei e nas provas. Acho errado tentar medir a Justiça por essa régua ideológica. Por isso acho desimportante a minha posição política. São muito discutíveis essas fronteiras entre esquerda e direita.

Sairia candidato a um cargo eletivo? Ou entraria para a política?

Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. Acho que a política é uma atividade importante, não tem nenhum demérito, muito pelo contrário, existe muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra realidade, outro tipo de trabalho, outro perfil. Então, não existe jamais esse risco.

Como o senhor lida com o culto a sua figura pública?

Vejo que existe essa operação, que é muito grande e tem diversos agentes públicos envolvidos, Ministério Público, Polícia Federal, Receita, Justiça das várias instâncias. E, como pelo menos na Justiça, há um único juiz na primeira instância - agora tem mais, mas no começo era um único juiz -, isso me deixou mais em evidência e as pessoas, às vezes, fazem uma identificação da operação com a figura do juiz, o que não é totalmente correta. Isso tem gerado grande atenção, e as pessoas, em geral, são generosas e bondosas. O apoio da opinião pública, realmente, tem sido essencial nesse caso. Mas tudo é passageiro, não é? Tem um velho ditado do latim que diz sic transit gloria mundi, basicamente "a glória mundana é passageira".

O senhor foi ameaçado alguma vez?

Essa é uma pergunta um pouco desconfortável. Eu prefiro não falar. Envolve questão de segurança, envolve questões relativas à minha família.

Lá na frente, quando se aposentar, pretende advogar?

Eu gostaria de que fosse uma data mais próxima (a aposentadoria). Mas é uma data tão distante, que não tenho como...

O senhor tem 20 anos de carreira?

Sim, 20 anos de carreira no Judiciário, mas ainda muito chão pela frente para poder me aposentar e pensar nessa perspectiva.

Pensa em subir para o Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4) ou Supremo Tribunal Federal?

Olha, sou um juiz de primeira instância fazendo meu trabalho no momento. Então, claro que se pensa na carreira, como algo natural, pelo menos na carreira ordinária, o tribunal um dia, mas isso é algo que não está no meu horizonte próximo. Não fico meditando sobre isso.

Há algo que o senhor se arrepende na condução da Lava Jato ou na sua carreira?

É cedo para esse tipo de reflexão. Evidentemente, como todos, também estou sujeito a praticar erros, praticar equívocos. Existe um sistema dentro do Judiciário, de erros e acertos, que propicia que minhas decisões sejam eventualmente revistas por instâncias recursais ou superiores.

Os tribunais estão mantendo suas decisões em grande maioria...

É natural se um juiz tem uma decisão reformada, isso faz parte do processo. Ninguém precisa ficar magoado por isso, mas, nesses casos, os tribunais têm mantido a grande maioria das decisões, sinal de que está havendo uma aplicação correta da lei.

Dois anos e meio depois de deflagrada a Lava Jato, por que o senhor decidiu dar a primeira entrevista? Está acabando a operação?

Tem tido muitos convites para entrevistas, eu tenho sido, em geral, refratário aos convites. Mas dada a dimensão desse caso, e há uma natural curiosidade do público em relação a algumas posições do juiz, acabei concordando em dar essa entrevista para prestar alguns esclarecimentos. Quanto ao término da operação, é um pouco imprevisível. Porque, embora haja muitas vezes expectativa de que os trabalhos se aproximam do fim, muitas vezes se encontram novos fatos, novas provas, e as instituições não podem simplesmente fechar os olhos, têm de trabalhar com o que aparece. Então, é imprevisível.