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Corpo de Carlos Lamarca em Salvador |
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O corpo autopsiado de Vladimir Herzog |
Série de reportagens da Folha
de São Paulo revela uma época onde a tortura e execuções colocaram a democracia
de joelhos no Brasil
1 - Foto inédita de ex-militante
mostra sequelas da tortura na ditadura
MATHEUS LEITÃO e RUBENS VALENTE
– da Folha de São Paulo
Uma fotografia inédita da
ex-militante de esquerda Vera Sílvia Magalhães (1948-2007), tirada em 1970,
revela os efeitos da tortura a que foi submetida em um prédio do Exército no
Rio de Janeiro. A foto, obtida pela Folha, está sob a guarda do Arquivo
Nacional em Brasília. Vera, que disse ter sido submetida a tortura durante
vários dias, aparece na imagem sem conseguir ficar em pé, tendo que ser
amparada pelo também prisioneiro Cid Benjamin. Então militantes do grupo
comunista clandestino MR-8, ambos participaram do sequestro do embaixador
norte-americano Charles Burke Elbrick em 1969, uma das mais importantes ações
urbanas da esquerda armada. Vera também participou de assaltos a banco.
Sequelas da tortura
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Vera Magalhães sofreu torturas |
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Vera está sentada ao lado dos militantes trocados pelo embaixador americano |
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Vera retornou ao Brasil e morreu de Câncer em 2007 |
"Não tinha visto essa
foto. Eu tinha que segurá-la porque, naqueles dias, ela não conseguia se
sustentar em pé, devido às torturas", contou Cid à Folha. Em outra imagem,
essa publicada pelos jornais na época, Vera foi fotografada numa cadeira, diferentemente
dos demais presos. As fotografias foram tiradas momentos antes de o grupo ter
sido trocado pelo embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben, também sequestrado
por esquerdistas. Do Rio de Janeiro, o grupo seguiu para a Argélia. Parte
regressou clandestina ao Brasil, e alguns acabaram mortos pela ditadura
militar. No exílio, Vera estudou sociologia na França. Retornou ao Brasil em
1979, após a aprovação da Lei da Anistia. Em depoimento prestado à Câmara dos
Deputados em 2003, Vera confirmou que as torturas a impediram de ficar em pé
pouco antes de ser levada para Argélia. Ela disse que "nunca mais se
recuperou fisicamente".
SEXTA-FEIRA SANTA
"Fui a única torturada na
Sexta-Feira Santa na Polícia do Exército. E eles me disseram: 'Você vai ser
torturada como homem, como Jesus Cristo'", contou Vera. Ainda no
depoimento à Câmara, Vera classificou a tortura que sofreu como
"inteiramente desmesurada". "Para uma mulher, acho que
exageraram mesmo. Fiquei cheia de sequelas, cheia de problemas." Vera
morreu em 2007, vítima de câncer. Única mulher a participar do sequestro do
embaixador norte-americano Charles Elbrick, Vera foi representada no cinema por
duas personagens no filme "O Que É Isso, Companheiro?" (1997),
interpretadas pelas atrizes Fernanda Torres e Cláudia Abreu.
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Foto de Herzog do IML |
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Corpo de Zequinha, morto com Lamarca |
2 - Fotografias da ditadura são
liberadas para consulta
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Foto de Apolônio de Carvalho, militante de esquerda e um dos fundadores do PT; libertado após o sequestro, o líder do PCBR foi para o exílio. |
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Fernando Gabeira preso |
A Lei de Acesso à Informação
levou o Arquivo Nacional, em Brasília, a liberar à consulta cerca de 5.000
fotografias do acervo do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações) tiradas
por agentes da ditadura militar (1964-1985). Há fotos de centenas de pessoas
presas acusadas de subversão e ligação com a luta armada, obrigadas a posar com
roupas íntimas; artistas panfletando a favor da Lei da Anistia, em 1979; e
eventos religiosos com o bispo d. Hélder Câmara. A maioria nunca havia sido
divulgada. Também há seis fotografias de um arsenal de armas do grupo
guerrilheiro VAR-Palmares, ao qual pertenceu a presidente Dilma Rousseff. Há
ainda fotos de corpo inteiro do jornalista Vladimir Herzog (1937-75) anexadas a
papéis do Instituto Médico Legal paulista de 25 de outubro de 1975, o dia de
sua morte. Nessas imagens, há marcas da necropsia e de uma mancha escura em seu
pescoço. Vlado foi achado morto, pendurado pelo pescoço, numa cela do DOI-Codi
(unidade do Exército) em São Paulo, após tortura. O corpo foi colocado no chão
para que as fotos fossem tiradas. O fotógrafo é identificado por
"Jorge". A ditadura divulgou a morte como suicídio, versão
questionada desde o início. Várias imagens documentam ações pela Lei da
Anistia. O cantor Milton Nascimento, os atores Sérgio Britto e Osmar Prado e as
atrizes Renata Sorrah e Lucélia Santos, segundo identificação no verso, foram
fotografados à distância no Rio de Janeiro. Nas fotos da armas da VAR-Palmares,
as legendas dizem que o material foi apreendido em 14 de janeiro de 1970 pela
Oban (Operação Bandeirante) em três apartamentos em São Paulo e um em Osasco:
cinco pistolas, dois revólveres, uma carabina, uma metralhadora e bombas de gás
lacrimogêneo. Segundo relatório do SNI, "a VAR-Palmares dispõe de bastante
numerário, oriundo do roubo do cofre" da "amante" do
ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. O texto, que acompanha as imagens,
relata que 15 integrantes do grupo foram presos. Há referência à
"Luiza", um dos codinomes de Dilma na época.
3 - Foto do SNI mostra preso bem de
saúde 11 dias antes da morte
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Engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, dias antes de sua morte em 1971
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O ex-ministro Carlos Minc em foto de 1970, quando esteve preso pelo regime militar
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Fotografias inéditas em poder
do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações), hoje no Arquivo Nacional, em
Brasília, confirmam que o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira (1944-1971) estava
em boas condições de saúde quando foi preso pelo DOPS do Rio de Janeiro, em 1971.
Onze dias depois da foto, em 12 de agosto daquele ano, Ferreira morreu no
Hospital Central do Exército, para onde foi transferido após ter sido torturado
no DOPS. Ferreira havia sido parado em uma blitz policial e, dias depois,
entregue ao Exército. Em sua casa, a polícia apreendeu textos considerados
"subversivos". As fotografias obtidas pela Folha eram desconhecidas
de seus familiares. Em 1994, em decorrência de uma batalha legal empreendida
pela família, uma decisão da 9ª Vara Federal do Rio responsabilizou o Estado
por sua prisão, tortura e morte. Ferreira aparece nas fotos sem qualquer marca
de violência. Sua irmã, a professora Maria Coleta Oliveira, se disse surpresa
com a existência das imagens, já que a família havia feito inúmeras buscas em
arquivos oficiais. A explicação pode estar em um detalhe: na legenda, feita em
máquina de escrever, o nome de Raul Nin foi grafado erroneamente como
"Min". "Na versão oficial, não disseram que ele sofreu tortura,
mas que teve uma doença no fígado, porque tinha manchas no corpo. Na verdade
[quando foi preso], estava em perfeitas condições de saúde." No livro
"Os Anos de Chumbo" (ed. Relume Dumará, 1994), o general Adyr Fiúza
de Castro, do I Exército, reconheceu que Ferreira morreu em decorrência das
torturas: "Quando foi entregue ao Exército, estava com umas marcas, havia
sido chicoteado com fio no DOPS". A ex-integrante da Comissão de Mortos e
Desaparecidos do governo federal Suzana Lisboa disse que a foto "é
documento oficial que comprova que ele foi assassinado após ter sido
preso".
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O ator Sérgio Brito na luta pela Anistia |
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A participação do ator Osmar Prado foi fotografada pela ditadura militar |
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A atriz Renata Sorah apoiando o movimento pela Anistia |
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Milton Nascimento foi fotografado também pelo SNI |
4 - Arquivo libera foto que revela lesões
a bala em Carlos Lamarca
Uma rara foto do corpo do
guerrilheiro Carlos Lamarca (1937-1971) revela os vários ferimentos a bala que
ele sofreu no cerco militar que o matou, no interior da Bahia. Essa e outras
imagens de um dos principais nomes da resistência armada à ditadura militar,
hoje sob a guarda do Arquivo Nacional, foram tiradas no Instituto Médico Legal
de Salvador (BA) possivelmente por agentes do SNI (Serviço Nacional de
Informações) e obtidas pela Folha. "Para mim, a foto é inédita, eu nunca a
tinha visto", disse o advogado da família Lamarca, o ex-deputado Luiz
Eduardo Greenhalgh. O filho de Lamarca, César, preferiu não fazer comentários
sobre o conteúdo das imagens. A família luta na Justiça para validar a
indenização mensal recebida da União, suspensa após liminar obtida por três
clubes militares. O Arquivo Nacional também guarda fotos do corpo de José
Campos Barreto, o Zequinha, militante do MR-8 morto com Lamarca no mesmo dia
pela Operação Pajussara, do Exército, na Bahia. Segundo a família de Zequinha,
as fotos são inéditas. O irmão Olival Barreto disse ter ficado emocionado:
"Eu lembro de meu irmão todos os dias. Essas fotos, desconhecidas, mostram
claramente que houve uma execução". O Instituto Zequinha Barreto, em São
Paulo, confirma o ineditismo das fotos. A ativista de direitos humanos Suzana
Lisboa, que representou as famílias de mortos e desaparecidos na comissão
criada pelo governo nos anos 1990 para reparar danos causados pelo Estado na
ditadura, disse que as imagens "confirmam o estado depauperado de ambos".
"Não tenho nenhuma dúvida sobre a execução deles." A comissão
concluiu que Lamarca e Zequinha foram executados à sombra de uma árvore.
5 - Ditadura usou laudo militar
para prender menor de idade
MARCO ANTÔNIO MARTINS – da Folha
de São Paulo
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Vera amparada por Cid Benjamim |
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Manifestação pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita |
A Justiça Militar reconheceu um
laudo de "maioridade mental" para manter um adolescente de 17 anos
preso durante a ditadura. A revelação foi feita por Cesar Benjamin, 58, em
depoimento feito à Comissão da Verdade da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional
Rio, na sexta-feira. No relato, Benjamin conta que depois de ter sido detido
pelo Exército na Bahia, em 1970, aos 17 anos, foi trazido para o Rio. Meses
depois foi examinado por um tenente-médico, identificado como Leuzzi, que
atestou que sua idade mental era de 35 anos. O laudo foi usado pela Justiça
Militar para que Benjamin, embora menor de idade, fosse mantido preso. Ele só
foi libertado em 1976 e seguiu para a Suécia, de onde voltou com a anistia, em
1979. "Em dez minutos de conversa, ele deu um laudo afirmando que eu tinha
maioridade mental", contou Benjamin, à época militante estudantil ligado
ao MR-8. Ele relatou também sessões de tortura no Batalhão da Polícia do
Exército, no Rio. Seu depoimento será encaminhado à Comissão Nacional da
Verdade, em Brasília.
6 - Ditadura destruiu mais de 19
mil documentos secretos
RUBENS VALENTE – da Folha de
São Paulo
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Mais uma foto de Vlado morto |
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Guardado em sigilo por mais de
três décadas, um conjunto de 40 relatórios encadernados detalha a destruição de
aproximadamente 19,4 mil documentos secretos produzidos ao longo da ditadura
militar (1964-1985) pelo extinto SNI (Serviço Nacional de Informações). As
ordens de destruição, agora liberadas à consulta pelo Arquivo Nacional de
Brasília, partiram do comando do SNI e foram cumpridas no segundo semestre de
1981, no governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985). Do material destruído,
o SNI guardou apenas um resumo, de uma ou duas linhas, que ajuda a entender o
que foi eliminado. Dentre os documentos, estavam relatórios sobre
personalidades famosas, como o ex-governador do Rio Leonel Brizola (1922-2004),
o arcebispo católico dom Helder Câmara (1909-1999), o poeta e compositor
Vinicius de Moraes (1913-1980) e o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Alguns
papéis podiam causar incômodo aos militares, como um relatório intitulado
"Tráfico de Influência de Parente do Presidente da República". O
material era relacionado ao ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, que
governou de 1969 a 1974. Outros documentos destruídos descreviam supostas
"contas bancárias no exterior" do ex-governador de São Paulo Adhemar
de Barros ou a "infiltração de subversivos no Banco do Brasil". Boa
parte dos documentos eliminados trata de pessoas mortas até 1981. A análise dos
registros sugere que o SNI procurava se livrar de todos os dados de pessoas
mortas, talvez por considerar que elas não eram mais de importância para as
atividades de vigilância da ditadura.
LEGISLAÇÃO
Algumas das ordens de
destruição foram assinadas pelo general Newton Cruz, que foi chefe da agência
central do SNI entre 1978 e 1983. Em entrevista por telefone realizada na
semana passada, Cruz, que está com 87 anos, disse que não se recorda de
detalhes das destruições. Mas afirmou ter "cumprido a lei da época". A
legislação em vigor nos anos 80 abria amplo espaço para eliminações indiscriminadas
de documentos. Baixado durante a ditadura, o Regulamento para Salvaguarda de
Assuntos Sigilosos, de 1967, estabelecia que materiais sigilosos poderiam ser
destruídos, mas não exigia motivos objetivos. Bastava que uma equipe de três
militares decidisse que os papéis "eram inúteis" como dado de
inteligência militar. A prática da destruição de papéis sigilosos foi adotada
por outros órgãos estatais. Como a Folha revelou em 2008, pelo menos 39
relatórios secretos do Exército e do extinto Emfa (Estado-Maior das Forças
Armadas) foram incinerados pela ditadura entre o final dos anos 60 e o início
dos 70. Segundo quatro "termos de destruição" arquivados pelo CSN
(Conselho de Segurança Nacional), órgão de assessoria direta do presidente da
República, foram queimados documentos nos anos de 1969 e 1972. (Dê um clique numa das fotos para ampliá-las).